Um ano após as conturbadas eleições que deram a vitória ao atual presidente do país, Michel Martelly, pouca coisa mudou no país ocupado pelas tropas da ONU, há sete anos. Fica cada vez mais claro o plano do imperialismo de transformar o Haiti num mero depósito de mão-de-obra barata às multinacionais. O novo governo, por sua vez, vai assumindo feições cada vez mais autoritárias, com o aumento da influência do ex-ditador Jean-Claude Duvalier (Baby Doc) e a criação de brigadas Martelly, reeditando os ‘tonton macoute’ (temíveis milícias paramilitares que serviram à ditadura de Papa Doc e seu filho, Baby Doc, de 1959 a 1986).

O Opinião conversou com o Didier Dominique, dirigente da central sindical Batay Ouvriye (Batalha Operária), que falou sobre os desafios colocados pela nova situação no país.

Enquanto fechávamos essa edição, uma comissão de sindicalistas da CSP-Conlutas, com metalúrgicos de Minas Gerais e de São José dos Campos, viajava ao país, levando um abaixo-assinado.

O que mudou no Haiti com a eleição do novo presidente?
Didier Dominique – As eleições foram marcadas por corrupção e fraude por todos os lados. Por outro lado, a eleição de Michael Martelly significa um rechaço aos políticos tradicionais. Martelly é um cantor muito popular, provocador, e surge como candidato perfeito para expressar esse rechaço. Mas, apesar de não ficar muito claro nas eleições, ele é de ultradireita. Foi um jovem ‘macoute’ de Duvalier, que entrou no Exército antes de se tornar artista.

E, agora, o que vemos é um ‘neoduvalierismo’ disfarçado de renovação. Hoje, por exemplo, o primeiro-ministro Garry Conille é filho de um macoute duvalierista. Um dos filhos de Duvalier está trabalhando no gabinete de Martelly. Seu governo aplica os mesmos métodos de Duvalier, ou seja, a força e a ditadura. Por exemplo, no campo os duvalieristas voltam a recuperar as suas terras. E, agora, com a polícia e a Minustah, os latifundiários de antes voltam a fazer uma contrarreforma agrária. A Minustah dá apoio ao desalojamento dos camponeses de suas terras, onde estão desde 1986 (após queda de Baby Doc).

Como o governo está montando as suas brigadas nas cidades?
Dominique – Nas cidades o conflito maior se localiza nas fábricas do setor têxtil. O sindicato dos trabalhadores do setor está sendo atacado. Alguns empresários estão dizendo “fora qualquer atividade sindical”. Isso reflete outro aspecto do retorno do duvalierismo. Quando distribuíamos panfletos para protestar fomos recebidos por policiais encapuzados que atiraram bala de borracha. Além disso, está se reorganizando o exército duvalierista, com os comandantes de antes, e também com a base de Martelly.

É um exército ‘macoute’ concretamente. Paralelamente está se organizando o SIN (Serviço Secreto Nacional) para controlar os bairros populares. O coração da coisa toda é a organização de um projeto imperialista de exploração.

Esse é o Plano [Bill] Clinton que, mesmo antes do terremoto, trouxe ao país 150 investidores estrangeiros, 12 deles brasileiros. O plano é investir no Haiti e explorar a mão-de-obra mais barata das Américas, criando 40 Zonas Francas para explorar uma mão-de-obra controlada e reprimida como escravos. Papa Doc escrevia, nos anos 1960, àqueles que se opunham a sua “ambição econômica”: ‘vai haver um Himalaia de cadáveres’.

Quais são as semelhanças entre os tonton macoutes e as brigadas que Materlly organiza hoje?
Dominique – Os macoute exerciam um controle nos bairros populares, que não era só um controle político, mas também econômico. Duvalier usava uma técnica: ele tomava as terras de seus oponentes no exílio, mortos, ou na prisão, e dava a algum grupo organizado de macoute, que alugava essa terra aos migrantes, trabalhadores e camponeses. Cooptavam-nos, havia grupos políticos, tinham toda uma estrutura de controle, de espionagem, para estender a teia. E também o controle econômico e de serviços. Os principais responsáveis recebiam a água e a luz, e vendiam esses serviços.

Após Duvalier, os bairros foram dominados pelas gangues e as drogas, que chegaram a entrar em contradição com a pequena burguesia, e até com certa burguesia por conta dos sequestros. Prendem e matam os líderes das gangues e voltam a ter o controle sobre os bairros.

E nas eleições agora havia disputa sobre a base dessas gangues, entre Martely e Jude Celestin. Por pouco não houve uma guerra civil entre os bairros populares. E, agora, a gente de Martelly, mas também de Préval e Celestin, se rearticulam com muito mais gente, sob o controle da classe dominante, que quer dizer, do imperialismo, para reconstruir o exército macoute.

E isso é perigoso, por isso que as consígnias devem ser mais precisas: ‘Fora a Minustah e ‘abaixo o Exército Macoute’ que estão construindo.

A Minustah sofre no último período um processo de grande desgaste, como o governo lida com isso?
Dominique – O governo não se preocupa com isso. Protege a Minustah sempre. Pesquisas feitas por americanos, franceses, holandeses, provam que foi o batalhão do Nepal da ONU que trouxe o cólera. O governo também acoberta os crimes dos soldados da ONU.
Há dois anos, em Cap-Haitien, um jovem que devia um pouco de dinheiro a um soldado foi encontrado enforcado. E, recentemente, cinco soldaddos uruguaios violaram um jovem haitiano de 18 anos. E, também, 150 soldados do Sri Lanka fizeram horrores a meninas de 12, 13, 14 anos. E não aconteceu nada com esses soldados. E esses são os casos divulgados. Mas há um monte que não se conhece. Então, a Minustah está cumprindo um papel imoral, eu diria. Ocorre que a dominação é tão forte, que essas ações aparecem naturalmente.
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