João Ricardo Soares, da Direção Nacional do PSTU

No dia 30 de agosto, o governo divulgou suas contas. O anúncio poderia ser considerado uma piada de mau gosto num país de desempregados que não têm como pagar aluguel ou fazer supermercado. O governo diz que também não chega ao fim do mês: que o rombo nas contas públicas de julho foi maior que o de junho, chegando a R$ 16,1 bilhões. No ano, a previsão é que seja de R$ 159 bilhões.

A responsabilidade, segundo o ministro da Fazenda, o banqueiro Henrique Meirelles, foi do dinheiro gasto com as aposentadorias. Por isso, conclui: é preciso fazer reforma da Previdência!

O que o governo não diz é que o país não consegue garantir trabalho, saúde e educação para sua população. Quer acabar com o direito à aposentadoria e entregar o patrimônio nacional para seguir pagando e enriquecendo ainda mais banqueiros e grandes empresários com as mais altas taxas de juros do mundo.

Previdência social e dívida pública
Segundo a imprensa e o governo, a vilã das contas do governo é a Previdência, responsável por R$ 13 dos R$ 16 bilhões do déficit de julho. Digamos que fosse verdade, e a Previdência desse prejuízo. Basta ver o que foi pago de juros da dívida pública no mês de julho: R$ 28,5 bilhões. O dobro do que anuncia como déficit da Previdência.

Acontece que a Previdência pública sequer é deficitária. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, sobra tanto dinheiro da Seguridade Social, que 30% são desviados para pagar a dívida.

Somos nós, os trabalhadores, que pagamos essa dívida com o suor de nosso trabalho. A dívida, porém, cresce como espuma, e os patrões e o governo querem esfolar os trabalhadores retirando o direito de se aposentar para pagar os juros de uma dívida que não fizemos.

Quem e como se paga a dívida?

Temos, ao todo, 14 milhões de trabalhadores na indústria. Estão envolvidos na produção de máquinas, ferramentas, agricultura, minérios, energia, além de todos os produtos que consumimos. Vamos dar um exemplo de como essa riqueza é produzida pelos trabalhadores e dividida entre as classes sociais e o Estado.

Vamos supor que, ao final de um período, todos esses 14 milhões de trabalhadores juntos gastem 30 milhões de horas de trabalho para transformar matérias-primas em produto final. Supondo que uma hora de trabalho valha R$ 1, o investimento de R$ 30 milhões em salários representaria 30 milhões de horas trabalhadas.

Digamos que a nova riqueza representada pelas matérias primas agregada às horas de trabalho para sua transformação represente 60 milhões de horas (ou R$ 60 milhões). Se tirarmos disso o que se investiu em salá- rios, o valor da riqueza será de R$ 30 milhões.

Essas horas de trabalho se transformaram em mercadorias. A nova riqueza criada equivale às horas de trabalho gastas na produção das matérias-primas, das máquinas e depois dos trabalhadores que operaram essas máquinas para produzir as mercadorias que chegam às lojas. Se o preço da nova riqueza gerada é de R$ 60 milhões, se retirarmos o que foi investido em salário, R$ 30 milhões, o valor da nova riqueza criada seria de R$ 30 milhões.

Como essa nova riqueza é distribuída?
A maior parte das horas de trabalho será dos patrões que têm os meios de produção. O comerciante atacadista ficará com uma parte para que o produto chegue ao consumidor final. O banqueiro que emprestou o dinheiro ao industrial e ao comerciante ficará com os juros, e o Estado, com o imposto, que também representa uma quantidade de horas trabalhadas. O trabalhador ficará com uma minúscula parte, que é o seu salário.

A primeira conclusão é que a riqueza gerada pelos trabalhadores, produto de milhões de horas trabalhadas, tomou a forma de mercadorias, e essas são transportadas, compradas nas lojas ou entre as próprias empresas.

Na sociedade capitalista, a burguesia que não produz nada fica com a maior parte da riqueza na forma de lucros e juros. Isso também ocorre na chamada esfera pública, pois a riqueza apropriada na forma de impostos não é revertida para melhorar a vida dos trabalhadores. A dívida pública é uma transferência de riqueza para os mesmos ricos de sempre.

Conclusão: trabalhamos de graça a maior parte do tempo, produzindo a riqueza do patrão, inclusive os impostos que ele paga. Como se não bastasse, da mixaria do salário que recebemos, pagamos ainda o grosso dos impostos que o governo dos capitalistas arrecada. Esse dinheiro não vai para saneamento básico, moradia, saúde, educa- ção e aposentadoria. Ele volta a engordar banqueiros, rentistas e industriais por meio da da dí- vida pública.

Quem paga impostos são os pobres

Um estudo publicado pelo Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que um trabalhador que ganha até dois salários mínimos precisa trabalhar 197 dias por ano para pagar tributos na forma de impostos indiretos que são cobrados no preço de tudo que você compra. Isso representa 51,28% da carga tributária.

Na medida em que o orçamento do governo vem dos impostos, a maior parte dele é apropriação direta e indireta dos salários dos trabalhadores. O trabalhador paga três vezes: imposto sobre consumo, imposto de renda na fonte e o próprio imposto que o patrão paga.

A espoliação da classe trabalhadora pelo Estado burguês é ainda maior, porque não é cobrado imposto de renda sobre lucros e dividendos de donos e sócios de empresas. Pelos cálculos do professor Rodrigo Martoni, um trabalhador que ganha R$ 4.700 mensais tem desconto de 27,5%, mas um empresário que recebe R$ 400.000 por mês em dividendos, nada paga sobre esse montante.

A dívida nos governos Lula e Dilma

No período de 2003 a 2015, durante os governos do PT, foi economizado (superávit primá- rio) R$ 824 bilhões. Nesse mesmo período, a dívida saltou de R$ 839 bilhões no final de 2002 para cerca de R$ 4 trilhões no final de 2015.

O governo Lula fez um grande alarde de que tinha acabado com a dívida externa, mas na verdade trocou uma dívida barata com juros baixos pela dívida interna a taxas de juros que chegaram a 18% ao ano.

 

Privatizações: Temer colocou o Brasil em liquidação

O governo anunciou o projeto de privatizar 57 estatais, começando pela Eletrobrás, 18 aeroportos e até a Casa da Moeda, o que já é até simbolicamente uma atitude de país colonial. O governo diz que elas dão prejuízo. Será? Se desse prejuízo ninguém ia querer comprar, muito menos multinacionais.

O governo quer é fazer caixa para sinalizar aos banqueiros internacionais que ele tem como pagar a dívida. O governo está beneficiando duplamente o capital internacional e os banqueiros com essas negociatas, atacando a pouca soberania do país e aprofundando a exploração da classe trabalhadora.

É vantajoso para o capital internacional (e seus sócios menores nacionais) investir na dívida brasileira e receber juros de agiota. É vantajoso também comprar barato empresas rentáveis. Por isso estão dispostos a comprar o Brasil: as terras, o subsolo (exploração do Pré-sal ou retirada de minérios, por isso Temer abriu uma suíça na Amazônia para mineradoras estrangeiras) as estatais e, até empresas privadas brasileiras. Esse pessoal paga aqui salários de miséria e envia os lucros para fora.

Mas o dinheiro que venha entrar com esse negócio da China para o capital estrangeiro, diferente da mentira sempre contada de que seria usado para melhorar a saúde, a educação e outras lorotas, será entregue aos portadores dos títulos da dívida pública.

A “austeridade” e o “ajuste fiscal”, que governo, FMI, banqueiros e empresários receitam contra a crise, tem como objetivo tirar ainda mais dinheiro dos pobres para dar aos ricos.
Por que o governo não baixa drasticamente os juros? Por que não impõe um teto de gastos para os juros? Não! Os gastos com juros são ilimitados. O que o governo quer baixar são os gastos com saúde, educação, aposentadoria, aumentar a exploração e entregar o país a preço de banana

Não ao pagamento da dívida e estatização do sistema financeiro já!

Em defesa da aposentadoria, do emprego e dos direitos, é preciso parar de pagar a dí- vida já, estatizar e colocar os bancos sob controle dos trabalhadores. Porém, do PMDB, ao PSDB, passando pelo Bolsonaro, até o PT e o PSOL, ninguém se propõe a enfrentar banqueiros e empresários. Ninguém propõe parar de pagar a dí- vida aos banqueiros, anular as privatizações (de Fernando Collor, FHC, Lula, Temer) e as reformas (de todos os governos). Ninguém propõe a estatização do sistema financeiro, das empresas envolvidas em corrupção, das multinacionais e do agronegócio sem indenização e sob controle dos trabalhadores.

A única saída operária e socialista para a crise é essa.

Publicado no Opinião Socialista nº 542