Redação
Em 2001, foi realizada, em Durban, África do Sul, a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Para a ONU e os organizadores do evento, realizar a conferência no país que havia derrotado o apartheid era muito simbólico: queriam dar a impressão de que o imperialismo finalmente estaria disposto a passar a lâmina na própria carne e reparar seus crimes.
Apesar de ser uma ilusão esperar algo assim de um sistema que se construiu sobre o racismo, uma esmagadora maioria das organizações dos movimentos negros não só acreditou nisso como, depois, passou a celebrar a conferência como um marco histórico na luta contra o racismo.
Contudo, na verdade, o que aconteceu foi justamente o contrário: Durban significou uma grande derrota, senão para o movimento negro institucionalizado, com certeza para o proletariado e jovens negros mundo afora.
O capitalismo não quer nem vai reparar seus crimes
A política de reparações históricas já foi uma bandeira defendida por amplos setores do movimento e, inclusive, nações africanas. O princípio geral é que a escravidão, a diáspora forçada, o tráfico negreiro, o neocolonialismo, o saque e a Partilha da África (1884/85) foram crimes de Estado contra a humanidade.
Diante do verdadeiro holocausto promovido por tudo isso, países africanos, por exemplo, exigiam a suspensão do pagamento de suas dívidas. Mundo afora, particularmente na América Latina, onde as veias e feridas abertas pelo processo de colonização continuavam sangrando, movimentos negros reivindicavam reparações sociais, com investimentos na saúde, educação, transporte, moradia etc.
Foi essa perspectiva que foi esmagada na conferência. Nada disso jamais esteve nos planos das nações europeias e imperialistas. Muitas delas, entendendo que a reivindicação por reparações poderia atingir o coração do sistema, ameaçaram se retirar da conferência caso elas fossem aprovadas. Uma chantagem que teve entre seus principais porta-vozes o Estado de Israel, que também estava sendo cobrado por seus crimes na Palestina.
Infelizmente, a maioria das delegações sucumbiu à pressão, e as reparações foram retiradas das resoluções, inclusive com o lamentável apoio da delegação brasileira, a maior da conferência e responsável pela relatoria do evento.
Reparar os crimes ou reformar o sistema?
A política de reparações sumiu da agenda da maioria dos movimentos, muitos deles embalados pela ideia de que é possível acabar com o racismo com reformas no sistema ou até em parceria com os herdeiros dos traficantes e escravocratas.
A defesa de reparações, no entanto, está voltando para a pauta no Brasil e em outros cantos do mundo. Muitos, como nós do PSTU, defendem que essa luta só pode ser feita com a perspectiva de ruptura com o capitalismo. Não há como fazer justiça aos jovens assassinados pelas polícias de Baltimore e Ferguson nos EUA, na Zona Leste de São Paulo, nas quebradas e comunidades do Rio, nas ruas da Europa, sem se voltar contra as instituições do Estado que os promoveram e os encobertaram.
Não há como acabar com a fome extrema, as doenças e a miséria que corroem a África sem por para correr aqueles que lucram com essa barbárie. Para que não vejamos mais milhares de imigrantes morrerem em navios que em tudo lembram os negreiros escravocratas ou sofrerem com a xenofobia, é preciso cortar as raízes do sistema que provoca os conflitos e os problemas sociais que os expulsam de suas terras. A única forma de fazer justiça por séculos de violência e abusos contra nossas mulheres e crianças é garantindo que as gerações futuras não serão submetidas a esses sofrimentos.
Lutar, aquilombar e reparar
As reparações que queremos e precisamos só podem ser arrancadas no combate frontal ao capitalismo e em unidade com as mulheres, os LGBTs, os povos indígenas e quilombolas; em solidariedade com haitianos, palestinos e todos os povos em luta. E, acima de tudo, lado a lado com os trabalhadores e os movimentos estudantil, popular, sem-terra e demais setores explorados.
Por isso, hoje, 15 anos depois da Conferência de Durban, queremos resgatar a política de reparações históricas, apresentando-a como tema central das Marchas da Periferia. Mas não estaremos nas ruas somente no 20 de novembro defendendo que é preciso aquilombar para reparar.
O que precisamos é organizar negros e negras onde quer que estejam, aquilombando-os em conselhos populares que articulem e organizem não só a luta contra o racismo, mas também contra reformas antipopulares do governo Temer (PMDB) e todas as demais mazelas do capitalismo. O que precisamos é um quilombo socialista. Um governo a serviço dos trabalhadores e de todos os setores oprimidos e explorados. Só então nossa história poderá ser reparada.
Por Hertz Dias e Julio Condaque, da Secretaria Nacional de Negros e Negras do PSTU