Claudiceia Durans, de São Paulo (SP)

 “O sistema carcerário torna natural a violência decretada contra as minorias raciais ao institucionalizar uma lógica viciosa: os negros estão presos porque são criminosos; eles são criminosos porque são negros, e, se eles estão presos, é porque merecem”.
Angela Davis

O martírio de Rafael Braga iniciou em 2013 quando foi preso, torturado, condenado e enquadrado na Lei Antiterrorista, por conter em sua mochila um litro de água sanitária e um detergente Pinho Sol, durante as manifestações nas Jornadas de Junho na região da Lapa Rio de Janeiro.

Os policiais que o prenderam alegaram conter líquido explosivo, mesmo depois do laudo pericial ter comprovado que era material de limpeza. Foi condenado a pena máxima 5 anos e 10 meses de reclusão. Cabe destacar que, ao contrário dos 56 detidos nas manifestações, Rafael permaneceu detido até ser julgado e foi o único sentenciado.

Foi preso novamente em 2014, enquanto cumpria regime semiaberto, usando tornozeleira. Os policiais forjaram flagrante, segundo Rafael, que afirma não estar portando drogas. Na versão dos policiais ele detinha 0,6 gramas de maconha e 9 gramas de cocaína. Isto lhe custou a condenação despachada pelo Juiz Ricardo Coronha Pinheiro no último dia 20 de abril, impondo uma pena de 11 anos e três meses, e ainda multa de R$ 1.687,00.

Pelo perfil, Rafael não era militante, desconhecia a pauta das mobilizações de junho de 2013, não sabia nem o que era coquetel molotov, portanto posse, fabricação e uso estão distante do crime que estava sendo acusado. Não tem nenhuma lógica sua prisão e condenação. Foi preso porque é preto, pobre e morador de favela. Um catador de latinha com baixa escolarização, perfil potencialmente suspeito para os olhos discriminatórios da polícia, do Ministério Público e do juiz que sumariamente associam a condição social e cor da pele à criminalidade.

Esse não é caso isolado, a maioria dos jovens negros no Brasil está com seu destino traçado:  vão aumentar a estatística de genocídio ou aumentar as cotas nos presídios.

Dados da Secretarias de Segurança Pública dos estados enviado ao Ministério da Justiça revelam que só em 2012 mais de 50% das vítimas de homicídios tinham entre 15 e 29 anos e 77% eram negros. Estendendo esses dados para o período de dez anos (2005-2014) o Mapa da Violência mostra que só Rio de Janeiro foram 8.466 casos de homicídio, decorrente de intervenção policial, chegando a 2013 e 2014 a um percentual de 39,4%.

Em 2014, o número de presos superou 570 mil pessoas, este fato eleva o país à terceira maior população carcerária do mundo, segundo o Conselho Nacional de Justiça- CNJ. Nos últimos dez anos, aumentou o número de mulheres presas, cerca de 260%, a maioria envolvida com o tráfico de drogas. Em doze anos o crescimento carcerário foi de mais de 620%, o que nos leva a concluir que há um controle social dos negros no país e há uma política de segurança pública calcada na repressão, encarceramento e construção de presídios.

Os investimentos com segurança em 2014 chegaram à marca de R$ 4,2 bilhões com um aumento de 150% no período, segundo o Ministério da Justiça do então governo Dilma. O aumento do efetivo de policiais, a compra de armamentos, a implantação de unidades pacificadoras- UPP’s, construção de presídios, foram ações prioritárias estabelecidas. Em 2013, conforme o IPEA, gastou-se 5,4% do PIB com violência.

As UPP’s, programas que unificam governos federal, estadual e municipal foram criadas em 2008, no governo de Cabral no Rio de Janeiro, durante o mandato de Lula para combater o narcotráfico e controle das favelas. Há inúmeras denúncias de moradores de constantes ameaças, humilhações, arrombamentos de imóveis particulares, extorsões e roubos dentro de casas cometidas por policiais.

Quem não se lembra do desaparecimento do Amarildo, ajudante de pedreiro que em 2003 após ter sido detido por policiais que o tiraram de dentro de sua casa e o levaram para a UPP no bairro da Rocinha? Ou então de Claudia Ferreira, baleada próxima a sua casa por policiais militares e arrastada em via pública pela viatura da polícia militar?

Não dá para naturalizar esses fatos. As condições de vida da população pobre e negra é extremamente precária. Não há investimentos em educação, saúde, transporte, saneamento básico e ainda lidam com a humilhação cotidiana da polícia, único papel do Estado que conhecem.

O que está por traz da prisão de Rafael
O julgamento e condenação de Rafael Braga é uma arbitrariedade está sendo criminalizado por um crime que as provas evidenciam que não cometeu, é violação dos direitos humanos. Foi usado como cobaia em pleno momento da correlação de forças no qual havia fortes críticas e mobilização contra os desmandos, falta de investimentos em políticas públicas e exigências de selo de qualidade em produtos e serviços padrão FIFA em hospitais, escolas e não apenas em investimentos obscuros em estádios de futebol.

O Brasil passa desde aquela época por uma convulsão social gerada principalmente pela recessão econômica e aplicação pelos governos de política de ajuste fiscal.

A resposta às mobilizações foi a lei antiterrorista, sancionada por Dilma em 2016, uma forma de “legalizar” a ação repressora dos órgãos do Estado contra a resistência dos trabalhadores e criminalizar os movimentos sociais.

Contudo, a repressão e autoritarismo tem se ampliado com Temer, que ao impor medidas de ajuste fiscal à classe trabalhadora e retirada de direitos, tem agido com truculência e total desrespeito aos movimentos sociais.

Nos atos contra as reformas, o aparato militar tem usado armas, gás lacrimogêneo, de pimenta e outros artefatos contra manifestantes. Não é de se espantar que para o cargo de Ministro de Justiça foi indicado Alexandre Moraes, ex-secretário de Segurança Pública em São Paulo que deixou marcas: aumento do índice de violência policial, chacinas em Osasco, onde 18 pessoas foram mortas, violência contra estudantes, invasão da torcida organizada Gaviões da Fiel para obter provas de associação a crime organizado. O plano nacional de segurança pública está focado na guerra ao crime organizado e tráfico, para isto propõe operações conjunta de todas as polícias e fortalecimento da força nacional, implantar serviço de inteligência- Abin, enfim ampliará ainda mais a repressão e encarceramento.

Infelizmente, Rafael Braga foi mais um bode expiatório, que está sendo usado como punição exemplar para inibir ações de indivíduos ligados aos movimentos sociais.

Pela imediata libertação de Rafael Braga e todos os presos políticos da periferia!