Familiares de PM's fazem piquete em frente a batalhão no Rio de Janeiro Foto Agência Brasil

Há um debate entre ativistas da esquerda a respeito da greve dos policiais militares iniciada no Espírito Santo e estendida ao Rio de Janeiro. Os saques e a ação da bandidagem jogaram mais lenha na fogueira e deixou os governantes aflitos. A burguesia clama por ordem e invoca a lei que proíbe a greve entre as forças de segurança pública.

A grande mídia tenta esconder o que se passa no Rio para a situação não sair do controle no segundo mais importante estado do país. No início desta sexta-feira, 10, a Rede Globo afirmava em seu portal G1 que “95% do efetivo está nas ruas”. No entanto, aos poucos vai aparecendo a realidade nas redes sociais como os saques no bairro de Ramos e arrastões em Bonsucesso, Linha Amarela, São Cristóvão, Rocha e Cachambi. Dos 100 batalhões, 23 estão com as entradas bloqueadas pelos familiares dos policiais.

Não à repressão e ameaças
A burguesia está em pânico com a crise nas Forças Armadas e incita uma campanha midiática desesperada para tentar fechar a qualquer custo essa situação. Os grevistas estão sendo ameaçados de serem presos e condenados de 5 a 20 anos de prisão. O bombeiro Mesac Efraim, líder da mobilização no Rio, já foi preso e perseguido por lutar pela corporação. As heroicas mulheres que fazem piquetes na porta dos batalhões, podem ser processadas e obrigadas a pagar os custos do governo com o Força Nacional de Segurança, que veio substituir os policiais grevistas.

Crise é o pano de fundo
Pezão (PMDB) está imerso numa crise política sem precedentes e pode cair. O governador que nunca contou com apoio popular acaba de perder sua sustentação jurídica. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) cassou a chapa Pezão/Dornelles porque sua campanha incorreu em abuso econômico durante a campanha eleitoral de 2014. A ação trata de produção irregular de material, sem prestação de contas, além da omissão de gastos de mais de R$ 10 milhões. Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantiver a decisão do TRE, Pezão e Dornelles vão cair e novas eleições podem ser convocadas. Isto é, a greve da PM e a resistência ao pacote de maldades que inclui a privatização da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), o congelamento de salários e a reforma da Previdência, pode colocar abaixo esse governo a qualquer momento.

Greve quebra hierarquia militar
Quando as leis não são mais suficientes para segurar a insatisfação popular, a PM (que entendemos como uma extensão das Forças Armadas) entra em ação para reprimir as lutas dos explorados e oprimidos e garantir a ordem social. Mas uma greve da PM abala o principal alicerce de sustentação de qualquer governo. Tirando o próprio Exército e a Força Nacional de Segurança, não há mais quem chamar para reprimir manifestações e garantir a “ordem social”. É por isso que policiais militares e militares das Forças Armadas são proibidos por lei de fazerem greves e sua estrutura é totalmente engessada pelo sistema de patentes e hierarquia, que visa eliminar qualquer possibilidade de democracia aos soldados e os obriga a uma subordinação completa aos seus “superiores”.

Mas as contradições que vem sendo geradas a partir da crise econômica está fazendo ruir a disciplina militar e a hierarquia das forças de segurança. Os policiais militares recebem aproximadamente R$ 3 mil para se enfrentar com traficantes fortemente armados nas favelas cariocas. Muitos acabam morrendo. Em 2016, foram 390 policiais baleados, sendo que 111 não resistiram. Destes, 233 estavam em serviço e 132 de folga.

A falida Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) está ocupada principalmente por policiais jovens, muitas vezes bem intencionados, que se deparam com uma estrutura totalmente corrupta e mafiosa, que acabam por enquadrar esses jovens. A saída para alguns acaba sendo as milícias, o crime organizado e relação de cooperação com o tráfico de drogas. Provavelmente, o maior fornecedor de armas de guerra aos traficantes é a própria polícia.

Assim nessa guerra, não interessa à burguesia legalizar as drogas porque o tráfico é muito mais lucrativo. Os grandes traficantes são empresários milionários, banqueiros, políticos e grandes proprietários de terra que andam em jatinho particular e acumulam fortunas à custa de um mercado que não entra em crise. Por isso, não é exagero dizer que o que se passa nas favelas é um teatro, uma ficção, que coloca em risco a vida dos moradores e policiais e acoberta, por exemplo, casos como o do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) flagrado transportando cocaína em 2015; ou ainda o caso da apreensão de 450 kg de cocaína em um helicóptero do deputado estadual por Minas Gerais Gustavo Perrella (Solidariedade), que atualmente ocupa um cargo no Ministério dos Esportes.

Portanto, o que está acontecendo neste momento no Espírito Santo e Rio de Janeiro é uma profunda crise de uma parte das Forças Armadas, um aparato que sempre esteve a serviço da contrarrevolução.

Alguns ativistas honestos partem de uma premissa real mas acabam chegando a uma conclusão equivocada. De fato, os policiais militares matam e aterrorizam a população negra e pobre nas favelas, e daí concluem que a greve desses setores tem um caráter reacionário. Alguns mais exaltados vão além postam em redes sociais que as greves são parte de um “ascenso fascista” ou parte de uma “onda conservadora” que varreu o país desde o impeachment de Dilma. Nada mais falso. As reivindicações dos grevistas é o recebimento do 13º (referente a 2016), reajuste salarial, melhores condições de trabalho e pagamento do RAS (Regime Adicional de Serviço).

Por isso, nessa luta, precisamos apoiar a greve da PM. Justamente por suas contradições, devemos, nos momentos de crise, intervir e buscar ganhar os soldados  contra seus chefes, contra o governo e os capitalistas. Voltar contra o governo e a burguesia suas próprias armas e, ao mesmo tempo, exigir da base da PM que não reprima a classe trabalhadora.

Se os sindicatos, o movimento social e os ativistas não apoiarem, abrirão espaço para aventureiros ultrarreacionários como o deputado Jair Bolsonaro. Esse deputado, aliás, é um ferrenho defensor dos planos de ajustes do governo Temer e Pezão. A quebra da reacionária hierarquia militar é fundamental para disputar a tropa para o lado da luta contra os planos de ajuste.

Direito a sindicalização e nova polícia
Defendemos a desmilitarização de todas as forças de segurança. Isto significa que soldados, policiais e bombeiros devem ter direito de organização, sindicalização e greve. Defendemos também a eleição de todos os superiores nas cadeias de comando. A adoção de medidas democráticas como essa já apontaria para a própria extinção da Polícia Militar.

Acreditamos que essa atual polícia deve acabar e ser substituída por uma polícia única, de caráter civil e comunitário, com direito à sindicalização e greve, com comandantes eleitos pela base da corporação e estreitamente ligada a população.

Direito de se defender
Durante a greve, muitos trabalhadores e moradores da periferia e bairros pobres se preocupam com a ação de criminosos e ladrões. Naturalmente, esses aproveitares tentam tirar alguma vantagem da situação e submetem a população trabalhadora ao seu terror.

Mas enquanto a greve não termina a população deve se organizar para impedir a ação de bandidos. Reunidos em associações ou comitês, os moradores poderiam fazer escoltas de mulheres trabalhadoras e estudantes, realizar vigílias e patrulhamento das áreas mais perigosas do seu bairro. Tais ações já são praticadas por muitos trabalhadores nas periferias brasileiras. A população deve ter o direito de se defender.