LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Toda a solidariedade e apoio às vítimas e suas famílias

Em Luta, seção portuguesa da LIT-QI

Neste momento de dor e tragédia, queremos, em primeiro lugar, prestar toda a solidariedade às vítimas e suas famílias. São as pessoas que sofrem pela perda dos seus mais próximos e muitos outros que estão feridos, amedrontados e afetados por toda uma região fustigada pelos fogos, com perdas pessoais e materiais.

Queremos também saudar a mobilização popular para ajudar e recolher bens, mostrando onde está a verdadeira força e solidariedade: entre os trabalhadores e povo pobre, que sabem o drama que é uma tragédia destas sobre a sua vida.

Não podemos também deixar de saudar os bombeiros, a sua coragem e determinação, quando arriscam a vida para salvar as pessoas e as florestas, mesmo perante um drama que se repete todos os anos.

Mas toda esta solidariedade e coragem serão infrutíferas se não discutirmos o que é preciso mudar e de quem é a responsabilidade da tragédia. Chorar as vítimas sem procurar as causas e as políticas necessárias para as mudar é simplesmente prepararmo-nos para chorar vítimas futuras. Não podemos deixar que continue o medo e a impotência perante a crônica de uma tragédia anunciada, num contexto em que, fora as particularidades portuguesas, o aquecimento global e as alterações climáticas só apontam para o piorar da situação. E o verão ainda só está no início.

Por isso, mesmo em tempo de luto, é preciso ter coragem de falar sobre a origem do problema e começar a levantar soluções para o mesmo.

Tragédia natural imprevisível ou um problema estrutural identificado?
Houve no caso de Pedrogão Grande, sem dúvida, uma combinação de fatores complicado: ar seco e temperaturas altas a que se juntaram trovoadas e ventos fortes. Isso foi também a origem de outros fogos, mas com consequências diferentes. A questão é, por isso, em que contexto é possível que esses fatores de risco se transformem numa tragédia como não há precedentes em Portugal? Não pretendemos aqui elencar todos, mas é preciso referir alguns aspectos sem os quais não será possível pensar o futuro.

No que toca ao problema estrutural, sabemos que a maioria das nossas florestas já não são as florestas originárias, nem em termos de diversidade nem de adaptação ao clima e a este tipo de situação (como teriam, por exemplo, o sobreiro, o carvalho ou o castanheiro). É do conhecimento público que a monocultura do eucalipto e do pinheiro – predominantes na política de reflorestação e na região do centro neste caso afetada – é combustível em potência para condições climatéricas propícias a fogos.

É também preciso dizer que esta monocultura está diretamente ligada (em particular no caso do eucalipto) aos interesses da indústria da celulose – uma das mais poderosas em Portugal –, que continuam a predominar sobre o interesse público de florestas “saudáveis”. Veja-se que, por exemplo, no início deste ano, o Governo assinou contratos no valor de 125 milhões de euros com as fábricas da Celtejo, em Vila Velha de Ródão, e da Celbi, na Figueira da Foz, enquanto o responsável do grupo Altri afirmava claramente que: “No meio de mitos e demagogias várias, demoniza-se a floresta de eucalipto e, com ela, toda a criação de riqueza que ela proporciona, sobretudo no espaço rural. O desenvolvimento econômico não é incompatível com a preservação da biodiversidade, muito pelo contrário”. No mesmo sentido, a antiga Portucel ameaçava que o seu investimento no país dependia da nova lei do eucalipto. Ficam claros os interesses que se impõem para a manutenção deste tipo de cultura, sem olhar ao impacto ambiental e florestal da mesma.

Há também o problema do tratamento da floresta. Apenas 3% está hoje nas mãos do Estado. A maioria está dividida por proprietários e é inexistente a sua limpeza e tratamento. A destruição sistemática dos serviços florestais especializados (como, por exemplo, a diluição dos guardas florestais na GNR) é parte fundamental da compreensão sobre o desleixo a que está jogada a nossa floresta – e, portanto, 30% do território nacional – e da desresponsabilização estatal da mesma.

Finalmente, precisamos de falar das condições em que se combatem fogos em Portugal. Hoje, temos meios de combate aos incêndios que só estão totalmente preparados a partir  de julho. Temos um combate aos incêndios desligado do terreno e das populações que ali vivem e trabalham durante o resto do ano, sem que sejam envolvidas no processo. E temos também os bombeiros, muitos deles voluntários, que batalham corajosamente, mas que durante o resto do ano têm falta de meios e muitas vezes até salários em atraso.

Sem analisar os problemas estruturais, a prevenção e o combate, não será possível construir uma resposta a este problema que previna novas catástrofes.

O discurso do “Não há dinheiro” para a prevenção
Perante a tragédia de Pedrógão Grande, vieram a público os importantes estudos realizados depois de 2003 (ano de grande incêndios e milhares de hectares ardidos) e respectivas propostas de combate. Com base nesses estudos, foi elaborada na época uma proposta de defesa da floresta centrada na prevenção – como vemos, os problemas estão há muito identificados-, mas, no essencial, esse plano não foi aplicado, insistindo-se no combate às consequências, sem mudar a prevenção que as poderia impedir.

Note-se, por exemplo, que foi num Governo do PS que foi extinto o Corpo dos Guardas Florestais, na perspetiva de diminuição do peso do Estado.

É de referir, em particular, que, como Ministro da Administração Interna à época da proposta desse plano, António Costa era o responsável pela Proteção Civil. Foi ao Governo do PS que este integrava que cabia a possibilidade de ter uma política de prevenção que evitasse tragédias desta dimensão, mas que esse Governo se negou a aplicar. Segundo notícia do Público: “Para conseguir pôr tudo isto de pé, seria necessário investir, até 2010, quase 700 milhões de euros. A resposta do Governo foi ‘não há dinheiro'”.

A verdade é que a “falta de dinheiro” é uma opção política. No atual Governo, as opções continuam as mesmas e bem claras: pagar religiosamente a dívida, resgatar bancos e diminuir o déficit à custa da diminuição do investimento público – cortando para tal nos serviços públicos, não contratando os funcionários necessários e mantendo os atuais sem aumentos salariais e cada vez mais precários e, acima de tudo, não fazendo os investimentos necessários em florestas ou elementos estruturais como saúde, educação, transportes e habitação porque custa dinheiro e aumenta o déficit. A austeridade continua e afeta as florestas, os campos, a cidade e a periferia; afeta, acima de tudo, os trabalhadores e o povo pobre, que continuam a sofrer.

É preciso relembrar que a manutenção da política da austeridade contra os trabalhadores e os interesses estruturais do país tem os seus custos a curto e longo prazo. Hoje, vemos as consequência da falta de uma política florestal e daqui a uns anos veremos as consequências dos ataques aos professores e à educação pública, os ataques aos trabalhadores da saúde e ao SNS, ainda que tenham sido as políticas públicas nestes setores estruturais que nos permitiram atingir altos patamares de qualidade em diversos setores.

É preciso exigir responsabilidades
Não basta a solidariedade. Porque temos um governo de esquerda, muitos tentam esquivar-se ao debate necessário sobre a responsabilidade nesta tragédia.

No tema das florestas, não existe apenas desleixo estrutural, há uma opção política que tem nomes e rostos. Há uma responsabilidade histórica – de décadas – de Governos do PS e do PSD, que sistematicamente se negaram a encarar o problema estrutural das florestas e dos incêndios recorrentes, cedendo, simultaneamente, aos interesses da indústria da celulose e às exigência dos cortes nos investimentos públicos da UE.

Mas, no caso concreto, não podemos afirmar – como fez o Presidente da República – que correu tudo muito bem e que foi feito tudo o que era possível, quando morreram 61 pessoas e 135 ficaram feridas (números inéditos). A maioria das vítimas morreu numa estrada que provavelmente deveria ter sido cortada preventivamente face as difíceis condições atmosféricas que já eram conhecidas e estavam previstas. O que aconteceu para isso não ter sido feito?

Não é uma questão de saber que cabeça queremos ver rolar, mas é preciso investigar em concreto, ver quais foram as falhas e não ter medo de exigir responsabilidade por uma tragédia que não tem paralelo na história recente. O Ministério da Administração Interna tem de investigar esta situação, pois só assim poderemos fazer jus às suas vítimas.

É preciso mudar para que a tragédia não se repita!
Não podemos evitar os problemas climatéricos e algumas das suas conjunções mais dramáticas, que geram os fogos. Mas é possível ter uma política para as florestas que previna que os fogos ganhem proporções catastróficas e que tenham consequências dramáticas em termos humanos e de sustentabilidade do país. Por isso, temos de pensar que país queremos, não apenas no imediato, mas a longo prazo e que opções políticas estamos dispostos a fazer para o conseguirmos. Não temos a pretensão de levantar uma proposta completa e acabada para o problema, mas consideramos que há algumas questões incortornáveis.

A responsabilidade sobre as florestas é essencialmente coletiva e, por isso, estatal e a sua proteção não deve estar essencialmente ligada à responsabilidade individual. Há que criar condições para que as nossas florestas não sejam um barril de pólvora. Para tal, é preciso romper com a corrupção de interesses com a indústria da celulose, que nos deixa reféns dos seus lucros e não do que é estratégico para o país. Nesse sentido, é fundamental uma política pública de limitação e restrição da cultura do eucalipto e pinheiro.

É preciso ter uma política pública para as florestas – com investimento e funcionários especializados afetos a isso – para o seu ordenamento, limpeza e tratamento correto, incluindo nelas as populações locais. É preciso fazer um levantamento dos terrenos, situação das florestas e seu tratamento, nacionalizando os terrenos florestais que estiverem ao abandono ou descaso para garantir a real aplicação de uma política pública no setor. Tal só é possível se rompermos com a lógica da UE do pagamento da dívida, do cumprimento do défice e da inclusão de Portugal numa divisão de trabalho europeia restrita ao turismo e serviços.

É preciso exigir que o Governo – e não apenas a solidariedade civil a que temos assistido – apoie financeiramente as populações atingidas no que for necessário, em particular, as famílias das vítimas.

É preciso que as organizações sindicais e dos trabalhadores organizem a solidariedade com as populações afetadas a partir das suas estruturas e locais de trabalho. Estas organizações, em conjunto com os movimentos sociais e ambientais, devem promover um grande movimento na sociedade portuguesa a favor da mudança, de uma vez por todas, desta política que mantém as florestas a arder.

Finalmente, às portas das Eleições Autárquicas, é preciso cobrar aos candidatos municipais uma política diferente também a nível regional/municipal para a prevenção e o combate aos incêndios.

1- Jornal de Negócios: http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/industria/detalhe/altri-ameaca-travar-investimentos-se-portugal-demonizar-o-eucalipto

2 – Jornal de Negócios: http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/investimentos-da-navigator-dependem-dos-termos-da-nova-lei-para-o-eucalipto

3 – Jornal Público: https://www.publico.pt/2017/06/18/sociedade/noticia/o-que-e-que-falhou-no-sabado-tudo-como-falha-ha-decadas-1776101; ver também da mesma autora: https://www.publico.pt/2016/08/11/portugal/noticia/uma-decada-perdida-mais-uma-1740952.

4- https://www.publico.pt/2017/06/18/sociedade/noticia/o-que-e-que-falhou-no-sabado-tudo-como-falha-ha-decadas-1776101

5 – Segundo Henrique Pereira dos Santos, arquiteto paisagista: “A opção não é a de ter fogos ou não ter fogos. A opção é entre ter fogos como queremos ou como não queremos. O que significa queimar no inverno, pagar aos pastores para andarem com gado, utilizar essas faixas de redução de combustíveis e, depois, ter uma estrutura profissional de combate, que está lá o ano inteiro, que esteve envolvida nessa redução de combustíveis e que sabe quais são as linhas onde é possível parar o fogo”, apontou o especialista.” In https://eco.pt/2017/06/18/incendios-o-que-temos-no-territorio-sao-torneiras-do-gas-acesas/

Publicado originalmente no site do EM LUTA