Bolsonaro, Mourão e o ministro da Defesa, Braga Netto Foto José Dias/PR
Redação

No último dia 7, o ministro da Defesa, Braga Neto, junto com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, lançou uma nota em repúdio a uma fala do presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz. Nesse dia, o senador fez uma crítica aos militares que ocuparam o Ministério da Saúde e são suspeitos de envolvimento nas falcatruas de compra de vacinas.

Olha, eu vou dizer uma coisa: os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, disse o senador.

Em reação a Aziz, os militares afirmaram em nota: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.” Também se colocaram contra a narrativa da CPI que, segundo os militares, “atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”. O comunicado ainda fala que as Forças Armadas “gozam de elevada credibilidade junto à nossa sociedade”.

Não há dúvidas de que se trata de uma ameaça do comando das Forças Armadas contra a CPI. “Não ousem investigar os nossos”, é o recado que passaram.

De acordo com a colunista do jornal O Globo, Bela Megale, os “integrantes da cúpula das Forças Armadas prometem uma reação ‘mais dura’, caso a CPI da Covid volte a fazer citações de suspeitas de corrupção envolvendo militares. Membros das Forças ouvidos pela coluna afirmaram que ‘não aceitarão serem desrespeitados’ pela CPI e que as próximas manifestações podem ter respostas mais críticas”.

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Em entrevista para O Globo (9/7), o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, reforça a ameaça. Quando questionado sobre o que a nota quis dizer com “não vamos aceitar”, o brigadeiro responde que é um “alerta” e que não enviarão “50 notas para ele (Omar Aziz). É apenas essa”. Quando questionado pela repórter sobre o que pode acontecer, o militar disse que as Forças Armadas têm “mecanismo dentro da base legal para evitar isso”, sem explicar que mecanismo é exatamente este. Em outro trecho, o brigadeiro afirmou que “homem armado não ameaça”.

Pazuello em ato pró-Bolsonaro no dia 23 de maio (Fernando Frazão/Agencia Brasil)

O episódio demonstra uma enorme preocupação da cúpula militar, uma vez que integrantes das Forças Armadas passaram a ser alvos da investigação da CPI, especialmente o general Eduardo Pazuello, ministro do genocídio orquestrado pelo governo Bolsonaro, e o seu braço direito, o ex-coronel Elcio Franco.

Na entrevista, o brigadeiro não escondeu os objetivos da cúpula militar, dizendo que não pode se investigar nem Pazuello nem Elcio Franco e que a CPI está julgando o ex-ministro da Saúde prematuramente: “Um general da ativa, isso é muito desagradável e não podemos aceitar.”

Nos últimos dias, o cerco aos dois militares começou a se fechar. Elcio Franco foi secretário executivo do Ministério da Saúde na gestão de Pazuello, responsável pelas negociações com fabricantes para a compra de vacinas contra o Covid-19. Seu nome está no centro das falcatruas de corrupção nessa compra. Franco é atualmente assessor da Casa Civil no governo de Jair Bolsonaro.

A cúpula militar teme que o avanço das investigações desgaste a imagem das Forças Armadas e a arraste para os escândalos de corrupção. Afinal, as falcatruas de Franco e Pazuello podem ser apenas a ponta do iceberg de todo um oceano de corrupção e mamata no qual os militares estão mergulhados.

Hoje, mais de 6 mil militares estão em cargos dos mais diferentes escalões no governo Bolsonaro. Isso foi uma oportunidade para que muitos oficiais assumissem algumas “boquinhas” do Estado brasileiro. Os militares agora passaram a administrar funções de intermediar contratos do governo com empresas privadas. Não por acaso, tornaram-se comuns casos de superfaturamento, como os gastos de 80 mil cervejas e 714 toneladas de picanha (praticamente sem licitação) em 2020; de R$ 15 milhões em aquisição de leite condensado destinado a todo o Executivo; o uso do dinheiro para combater o desmatamento da Amazônia para reformar quartéis – o dobro das verbas de órgãos ambientais e de pesquisa – ou ainda o superfaturamento na produção de cloroquina, um medicamento totalmente ineficaz no combate ao Covid-19.

Mais recentemente, a revista Piauí publicou uma reportagem, com base em dados do Tesouro Nacional, explicando como as Forças Armadas usaram mais de 110 milhões de reais do dinheiro destinado à vacinação contra o Covid-19 para comprar combustível e peças de aeronaves.

Isso sem mencionar o envolvimento de militares com o tráfico internacional de drogas, como expressa a prisão de três membros da Força Aérea Brasileira (FAB), em 18 de março; ou ainda o caso dos 39 quilos de cocaína levada a Sevilha por um sargento dentro do avião presidencial.

Portanto, o que veio à tona até agora na CPI é apenas uma pequena parte de um profundo esquema de corrupção que envolve as Forças Armadas e muitos de seus oficiais. Isso explodiria a velha lenda de que as Forças Armadas são imunes à corrupção. Na verdade, essa é uma das instituições mais corruptas do Estado brasileiro, algo que seria facilmente revelado por uma investigação independente que não temesse essa corporação.

Essa lenda vem dos tempos da ditadura. Havia corrupção, mas os militares censuravam, prendiam e arrebentavam todos que ousassem divulgá-la. A corrupção correu solta naqueles tempos e fez a festa das empreiteiras. A Odebrecht, por exemplo, em 1971, era a 19ª maior construtora do país. Dois anos depois, alcançava o terceiro lugar.  O próprio dono da empreiteira, Emílio Odebrecht, já falou inúmeras vezes das relações corruptas com os militares e de como procurou o então ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência, general Golbery de Couto e Silva, para fazer negociações escusas.

Maluff e Figueiredo

A verdade é que generais e construtoras ficaram milionários promovendo muitas obras faraônicas como a Transamazônica, Projeto Jari e a Ferrovia do Aço, entre outras. A corrupção dos milicos, no entanto, não podia ser publicada nos jornais, pois havia censura no país. E quem ousasse desafiar os militares podia ser torturado ou morto.

Um dos casos mais notórios de corrupção foi divulgado pela imprensa alemã, no caso da construção da Usina Nuclear de Angra, que apontava ligações de ministros com as empresas contratadas, atrasos das obras e o encarecimento do projeto. Foi nessa época que houve a concessão de empréstimos à família do ex-governador Paulo Maluf e de Delfim Neto, homens de confiança dos militares que enriqueceram durante a ditadura.

A lenda de que os militares foram sacerdotisas vestais incorruptíveis só permanece pelo simples motivo de que essa parte da nossa história não foi passada a limpo. Ao realizar uma transição democrática pactuada com os militares, e diante do compromisso de todos os governos – de FHC a Dilma – de nunca investigarem seus crimes, a sujeirada toda foi varrida para debaixo do tapete.

Tal pactuação também é expressa no artigo 142 da Constituição de 1988, outro exemplo de entulho autoritário ainda presente na chamada Nova República, que serve para os generais manterem a tutela sob o regime, a partir da crença de que as Forças Armadas são um poder moderador diante de crises sociais e políticas.

Infelizmente, os governos do PT contribuíram para isso, ao se recusarem a abrir os arquivos da ditadura. Perdeu-se a oportunidade histórica de varrer o entulho autoritário e fazer como alguns vizinhos nossos, como Argentina, que julgaram e prenderam generais. Fizeram o contrário. Toparam participar de uma odiosa ocupação militar no Haiti que acabou revelando figuras como os generais Augusto Heleno, Fernando Azevedo e Silva, Tarcísio de Freitas e Carlos Alberto dos Santos Cruz: todos ocuparam cargos no governo Bolsonaro.

A transição pactuada, mantida por todos os governos brasileiros da Nova República, de direita, centro e esquerda, manteve intacta a estrutura ideológica das Forças Armadas. Ao mesmo tempo que gozava de confortável situação, sua cúpula sempre defendeu os crimes da ditadura. Nunca nenhum governo questionou isso. Com Bolsonaro, os milicos viram mais uma oportunidade para amealhar umas boquinhas, apoiar uma política econômica entreguista marcada por privatizações e alinhamento cego ao imperialismo, enquanto enchem a boca para falar em “patriotismo” e “valores nacionais”.

Ao contrário de outra velha lenda liberal, muitas vezes compartilhada pela esquerda reformista, as Forças Armadas nunca foram uma instituição neutra. São uma instituição “do Estado”, o qual é um órgão das classes dominantes dos capitalistas que defende os interesses dessa classe, de suas frações dominantes, inclusive contra outros setores, particularmente contra a classe trabalhadora. Nossa história é repleta de exemplos do autoritarismo e da violência praticadas por essa instituição em momentos em que os de baixo resolvem se levantar contra a exploração.

Em contraste ao privilégio gozado pelas altas patentes, estão soldados, cabos e sargentos e suas baixas remunerações e a proibição de se sindicalizarem – um cânone das classes dominantes para evitar que a tropa seja contaminada pela ação política dos trabalhadores. Mas general participando de comício do presidente genocida pode.

Corrupta, autoritária e entreguista. Essa é a essência das Forças Armadas que eles querem continuar ocultando da população.

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