Pazuello em ato pró-Bolsonaro no dia 23 de maio (Fernando Frazão/Agencia Brasil)
Redação

A decisão do Alto Comando do Exército em não dar qualquer punição ao general Eduardo Pazuello por ter participado de um ato político de Bolsonaro é um passo a mais no projeto do presidente de alinhar o conjunto das Forças Armadas ao seu projeto genocida e autoritário.

No último dia 23, Pazuello subiu no palanque de Bolsonaro num verdadeiro comício em defesa de sua política contra as medidas de distanciamento social e de ameaças de intervenção e ditadura de “seu” Exército. O caso desatou mais uma crise na cúpula da Forças Armadas, que se viu diante de um dilema. Punir Pazuello poderia significar a queda do atual comandante Paulo Sérgio, já que provavelmente Bolsonaro iria anular a decisão e desmoralizar o oficial. Não fazer nada significaria enfraquecer ainda mais a cúpula das Forças Armadas e o controle sobre sua base, além de aprofundar o desgaste da imagem da instituição já bastante abalada com o desastre de Pazuello à frente do Ministério da Saúde.

Contrariando as expectativas de um meio termo como uma simples advertência, optou-se pela pizza pura e simples. O Comando do Exército finge que acredita na desculpa esfarrapada de Pazuello de que o ato político no qual discursou não foi um ato político, ignora seu próprio código disciplinar e tenta-se, assim, colocar panos quentes no caso.

Uma instituição a serviço das classes dominantes

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A vergonhosa capitulação da cúpula militar a Bolsonaro desatou uma série de críticas de um amplo espectro político sobre uma possível “anarquia” nas fileiras das Forças Armadas, quebrando o que seriam dois de seus pilares: a rígida disciplina e a hierarquia. Até mesmo setores de esquerda reclamaram de um suposto abandono do caráter “profissional” dessa instituição que deveria ser de “Estado” e não de governo (pressupondo por isso uma pretensa imparcialidade).

A realidade é que as Forças Armadas nunca foram imparciais. Compõem uma instituição do Estado a serviço da manutenção da dominação da grande burguesia como classe dominante. Já deram o golpe militar de 1964, quando os interesses da burguesia se contrapuseram às liberdades democráticas. Hoje, vivem uma contradição: são pilares do Estado e da democracia burguesa, mas também são parte do governo Bolsonaro, com 3 mil cargos diretos e suas benesses. E Bolsonaro defende um regime autoritário e ditatorial.

Essas diferenças entre Bolsonaro, a burguesia e a cúpula militar existem hoje, mas amanhã eles podem voltar a defender as mesmas coisas que defenderam ontem: uma ditadura sangrenta contra os trabalhadores e os pobres e, inclusive, contra setores minoritários da própria burguesia. É bom não esquecermos que a alta cúpula dos militares, os oficiais de altas patentes, além de pertencer à burguesia, são um setor social com interesses próprios, e às vezes conflitantes com um ou outro setor burguês.

“Anarquia” ou alinhamento a Bolsonaro?

A própria candidatura de Bolsonaro foi gestada a partir de um setor das Forças Armadas. Uma vez no Planalto, entregou ministérios aos generais (o maior número desde a ditadura como gosta de se gabar), milhares de cargos a altos oficiais, e concedeu benesses à cúpula, como o recente furo do teto dos salários dos ministros militares que praticamente dobrou seus vencimentos. Sem falar nas obras públicas entregues diretamente ao Exército que somavam, até o ano passado, mais de R$ 1 bilhão.

Em troca, exigiu alinhamento total a seu projeto político, de confronto contra os governadores por conta das parcas medidas contra a pandemia adotadas nos estados, e principalmente a seu projeto de ditadura. Aí que se aprofunda o atrito, cujo ápice foi a inédita demissão de toda a cúpula militar no final de março passado. São crises importantes que, porém, terminam na capitulação da alta cúpula ao bolsonarismo,

Bolsonaro tenta avançar em seu projeto de ditadura cooptando a cúpula das Forças Armadas através de dinheiro e cargos, ao mesmo tempo em que mantém os baixíssimos soldos e condições precárias da enorme base dos militares. Para esses, sua estratégia é cooptar ideologicamente, tanto a base do Exército quanto parte do contingente de 500 mil soldados das polícias militares pelo país. A contradição aí é que, para os praças, o governo mantém uma política de penúria, assédio permanente através dos altos oficiais e, na pandemia, exposição ao Covid.

Para os praças, Bolsonaro reserva os discursos, uma série de cursos olavistas de extrema-direita, e sua própria presença em eventos. Incide sobre esse setor para transformar toda essa base em bucha de canhão contra os trabalhadores e a população em geral, e fazer as suas próprias milícias armadas (por cima dos governadores) para seu futuro projeto de poder, ou no caso de perder as eleições de 2022.

O perigo, então, não é de uma “anarquia” nas fileiras das Forças Armadas e das PM’s, que poderiam fazer discursos políticos como bem entendessem. Não se cogitaria, por exemplo, deixar impune um oficial, ou soldado, que falasse “Fora Bolsonaro”. O perigo é o do alinhamento cada vez maior desse setor ao bolsonarismo e a seu projeto genocida e de ditadura.

É preciso uma política para as Forças Armadas

Assim como outras grandes instituições do Estado burguês, como o Judiciário, por exemplo, o Exército é composto por uma elite burocrática-burguesa com altos salários e privilégios materiais de todo tipo.

Seus quadros são selecionados não apenas, nem principalmente, por aptidões, mas fundamentalmente num processo de indicações e seleção onde a lealdade de grupo, e a defesa dos interesses de classe são os quesitos fundamentais.

Esse espírito de corpo é mantido na parte alta do Exército com prebendas de todo tipo (salários, carros, viagens, negócios etc.) e em baixo por uma hierarquia draconiana, punições brutais, nenhum direito político ou mesmo sindical.

A maioria dos oficiais de baixa patente, dos sargentos, cabos e soldados, são oriundo do mesmo povo e das mesmas classes sociais que eles são levados a reprimir todos os dias. Não existe uma barreira infranqueável entre esta massa sem direitos políticos ou democráticos mínimos e as organizações dos trabalhadores em geral.

Se de fato queremos deter a escalada bolsonarista nos quarteis, não é aos generais oficiais de altas patentes que devemos nos dirigir, mas ao seu setor mais baixo, mas próximo socialmente da classe trabalhadora. É contra seu embrutecimento permanente que devemos lutar.

Exigir que parem de reprimir as lutas dos trabalhadores, como ocorreu no dia 29 de maio no Recife. Exigir que se organizem contra o projeto golpista de Bolsonaro. Para isso, devem lutar por seus direitos democráticos de participação na política, de se organizar sindicalmente, de melhores condições de vida, etc. As instituições a que eles pertencem são inimigas da classe trabalhadora, tal como o poder judiciário, e sua cúpula de generais, como a dos juízes das altas cortes, querem atacar de todas as formas a classe trabalhadora. No entanto, assim como o funcionário da justiça, soldados, cabos, sargentos e suboficiais, não ganham nada com a destruição dos direitos dos trabalhadores ou com o capitalismo em geral. Nós já sabemos disso, eles também precisam saber.

Fora Bolsonaro e Mourão já

A crise envolvendo Pazuello mostra que não é possível confiar na cúpula das Forças Armadas como defensora das liberdades democráticas, como vergonhosamente faz amplos setores de esquerda. Reforça ainda a necessidade de se tirar Bolsonaro e Mourão já, e não esperar 2022 deixando-o livre para ganhar o conjunto das Forças Armadas e a base das polícias militares para seu projeto de ditadura. E, por fim, que é necessário batalhar para disputar essa base, defendendo as justas reivindicações de melhores salários e condições de vida, contra o assédio de superiores, e liberdade de sindicalização e expressão, que é assegurada aos generais bolsonaristas, mas reprimida para os praças.

Leia também

Editorial: Depois do 29M