Manifestantes enfrentam repressão policial durante protesto contra o governo colombiano de Ivan Duque
Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista

Ícaro Cintra

Entre os jovens existe uma crença de que a nossa geração retrocedeu politicamente, se comparada às gerações anteriores. Acredita-se que a burguesia conseguiu impor a ideologia neoliberal, por meio da indústria cultural americana, o discurso do empoderamento pessoal e empreendimento laboral, que a burguesia utilizou seu domínio sobre a educação, a publicidade e a cultura para nos fazer acreditar que uma saída para a juventude exista dentro do capitalismo. Mesmo assim, a pandemia ajudou a revelar que essa só é uma saída para um setor da juventude, a juventude rica.

Isso se confirma ao analisarmos o panorama internacional e nacional da última década. Enquanto a juventude rica não tem que se preocupar com seu presente nem seu futuro, os jovens proletários estudantes e desempregados, filhos da classe trabalhadora e dos pobres, marcham em revoluções. Se o início da década de 2010 esteve marcada pela Primavera Árabe, os indignados, o junho de 2013 brasileiro, o final esteve pelas lutas democráticas de Hon Kong e a revolução chilena, que conseguiu acabar com a constituição de Pinochet. Esses são apenas alguns exemplos, em todos eles, a juventude se esforçou muito para ser vanguarda na luta contra os governos de turno e, em muitos casos, os derrotou. A nova década confirmou desde a luta contra o racismo e a repressão nos Estados Unidos, até as mobilizações de nossos vizinhos colombianos, que já conseguiram derrubar a reforma tributária e mostraram que a juventude está disposta a ir à luta.

E por que, apesar do impacto da propaganda neoliberal, isso aconteceu? Existe um eixo central: os jovens proletários são de uma geração que vive pior do que seus pais. Uma geração desesperada, filhas da crise global. Enquanto a juventude rica não se importa se um corte de 18,2% das verbas da educação é feito, pois não dependem das bolsas para poder estudar e sobreviver, ou não necessitam trabalhar, a juventude trabalhadora, estudante e desempregada, filha da classe trabalhadora e dos pobres, via como, ano após ano, privatizavam e cortavam nossa educação, que, mesmo estudando, não encontravam trabalho, sendo o setor que acumula as maiores porcentagens de desempregados na sociedade (30%) atualmente, e que se tivéssemos “sorte” de conseguir um trabalho, este seria em condições de miséria. É neste contexto que o Covid-19 chegou, para somar e aprofundar a pandemia de depressão, ansiedade e suicídio que já vivíamos. Covid que é a evidência mais palpável da crise ambiental global, que traz ao presente o anúncio de um futuro distópico, de barbárie. A juventude se lançou e segue se lançando à luta, porque o capitalismo, em completa decadência, e seus representantes, a burguesia e seus governos de turno, nos negaram o presente e o futuro.

Protestos enfrentam repressão na Colômbia

Filhas da crise. A necessidade da massificação das lutas e da autodefesa

Se analisarmos o caso da América do Sul nos últimos anos, pode-se perceber que a juventude proletária é um setor central nas lutas, e além, foi a linha de frente de numerosos processos revolucionários que, como Trotsky definia, consistem na erupção das massas de forma violenta na vida política. Como explica a recente declaração da LIT-QI sobre a luta de classes na pandemia[1] : “A juventude tem sido a vanguarda das ações revolucionárias, antes e durante a pandemia. Em 2019, no Chile foi a faísca da explosão[2], o mesmo na Colômbia[3]. Em plena pandemia, também foi no Peru[4] e Paraguai[5]; e na “segunda onda”, ainda mais profunda, na Colômbia.

Pôr-se à frente na mobilização impôs à juventude a necessidade de proteger sua integridade física e sua vida, assim como a do conjunto das mobilizações, isto é, a autodefesa se convertia em uma tarefa de vida ou morte para a continuação da mobilização. Como se dizia na revolução chilena um pai com o filho no ombro em um vídeo viral do Instagram, onde mostra centenas de encapuzados e encapuzadas defendendo pontos centrais para a realização da manifestação na Plaza Dignidad: “Olhem, ali estão todas as pessoas se manifestando, com cantos, banda, gritos e discursos. Por outro lado, na primeira linha, estão aqueles que permitem que o povo do Chile possa se manifestar.”[6] É importante reiterar que a autodefesa é muito diferente dos atos radicais isolados, esta tem que estar a serviço de defender o direito à mobilização das massas (seja o conjunto de trabalhadores de uma fábrica através dos piquetes, ou de uma manifestação de milhões), assim como a serviço de contribuir para a massificação das lutas, permitindo a superação do medo e da repressão.

A nível pratico isso consistia, como relata o companheiro Pedro, do PST colombiano,  na  organização da primeira linha para enfrentar os antidistúrbios, na “ação dos milhares de comba­tentes nas barricadas ou blo­queios de estradas, seguindo o exemplo dos chilenos, se generalizou em todo o país. São jovens com escudos fei­tos à mão, capacetes de bici­cleta, fome e muita coragem[7]. E, conforme os processos de lutas avança, como explicava um companheiro da primeira linha chilena “É necessário preparar a autodefesa em todos os lados. É urgente que em cada espaço organizativo que se levanta ao calor da luta, se vote e organize os comitês de autodefesa contra a repressão. Já não basta com a improvisação. O progresso é necessário para parar a iminente repressão brutal. Autodefesa é um direito legítimo do povo mobilizado. Em todas as escolas, assembleias territoriais, organizações de trabalhadores etc., a autodefesa contra a polícia nas ruas deve ser preparada. A batalha será dura, e devemos estar dispostos a avançar na conquista das justas demandas que impulsionaram esta Revolução“.

Essa tarefa não é diferente para o Brasil. Se a política criminal de Bolsonaro já forçou a autodefesa da saúde contra o vírus, a repressão policial em Pernambuco foi um primeiro alerta do que pode vir se houver a massificação dos protestos da greve geral, tarefa indispensável para obter a força necessária para derrubar Bolsonaro. Um risco ainda maior diante de um governo autoritário, que constantemente mata jovens negros na periferia, que está organizando e defendendo abertamente a necessidade de um golpe militar.

Apesar disso, temos que ter em mente que, no final, a autodefesa é uma tática necessária na luta, mas isso não é suficiente por si só, mas que para o progresso das lutas é necessário organizar com a independência de classe e democracia dos setores mobilizados e um programa definido. Mais especificamente, a organização é requisito e meio para a autoeducação das massas na tomada de suas próprias decisões, assim como para obter a correlação de forças para responder aos ataques da burguesia realizada e organizada através do aparato estatal. Ao mesmo tempo, ter um programa definido que responda aos interesses da juventude pobre e trabalhadora é a arma que nos permite impedir que as diferentes estratégias da burguesia e seus agentes, dos partidos reformistas, das burocracias sindicais e dos movimentos sociais atravanquem a luta das massas, vendendo-lhes vitória através de saídas eleitorais, maquiagens legislativas, ou declarações políticas vazias. Um programa específico funciona tanto como um objetivo a ser perseguido como como um verificador de se a vitória foi alcançada ou o processo foi derrotado.

Os limites das lutas e as alternativas do futuro. Lições da luta dos últimos 10 anos

Em primeiro lugar, uma das lições mais positivas desses processos foi a conquista pelas massas de superação dos rumos políticos reformistas; ignorando PT e companhia em junho de 2013, ou o Partido Democrata nos[8]EUA, cujo objetivo central, como dissemos sempre foi a contenção das massas em nome de uma paz social, ou seja, permitir que a capitalista ”pacificamente” continue a explorar e massacrar a classe trabalhadora e a juventude para manter e aumentar seu lucro. A prova disso hoje é a política do PT de esperar até 2022 para derrotar Bolsonaro nas eleições.  Ou seja, esperar um ano enquanto o genocídio continua, sem vacina, observando passivamente como a fome se espalha e como os espaços para mais caixões nos cemitérios acabam. Sem qualquer certeza de que a derrota eleitoral é certa, porque hoje o governo está em crise, mas um ano pode mudar radicalmente a situação. É por isso que dizemos que para ter vacina, emprego digno e educação decente para a juventude, precisamos expulsar Bolsonaro e Mourão agora e não em 2022.

Exemplos internacionais mostram que é necessário massificar as lutas, e manter a unidade da classe trabalhadora e da juventude, mas manter essa unidade não significa que devemos ter confiança nessas direções, mas pelo contrário preparar as massas para ir além delas.

Essa superação levou as massas e a juventude trabalhadora a importantes vitórias, onde governos e regimes caíram, cortes e reformas foram interrompidos, no entanto, a causa básica da situação que vivemos, o capitalismo, ainda está de pé e fazendo ataques cada vez mais profundos às nossas condições de vida.  Será então que os porta-vozes do neoliberalismo, estavam certos quando disseram que o capitalismo é o ”fim da história” que não há alternativa, que o socialismo falha e não é possível?.

Em uma coisa eles estão certos, o chamado ”socialismo”[9] do stalinismo, da China,[10]de Cuba,[11] fracassaram. A história mostrou claramente que, apesar da economia planificada alcançar conquistas econômicas sem paralelo, esses Estados resultaram em ditaduras burocráticas ( desde o início já eram Estados operários degenerados, com exceção da URSS, que não foi até o triunfo da contrarrevolução stalinista ) e que em todos os casos, sem exceção, o capitalismo acabou sendo[12] restaurado, e os burocratas se tornaram burgueses ou colaboradores deles. Desta forma, o que ele realmente mostrou é que eles não eram Estados em transição para o socialismo, porque nunca houve uma democracia dos trabalhadores que realmente deu poder político à classe trabalhadora e[13]juventude, nem houve uma luta contra as opressões [14]nem houve uma política de estender a revolução a nível internacional (pelo contrário, a política stalinista de colaboração de classes, com as táticas da Frente Popular levou à derrota de várias revoluções como a Espanhola de 1936)que derrotou definitivamente o[15]capitalismo e impediu seu retorno, a única maneira real de se defender contra os bloqueios e ataques que o imperialismo sempre realizará.

O que todos esses fracassos que carregamos até hoje realmente mostram é que há uma crise da liderança revolucionária e socialista. Ou seja, não há partido político com um programa de classe que, no calor das lutas diárias e revoluções, (que sempre aconteceram e acontecerão enquanto um sistema como o capitalismo, que sistematicamente joga as massas na miséria, é perpetuado) seja capaz de ser uma guia, um farol que ilumine o caminho que existe além dos reformistas e reacionários, o caminho para o socialismo. Que expropria os meios de produção da burguesia, luta até a morte contra todas as formas de opressão e exploração, seja de ser humano ou da natureza. Uma direção que acompanha e guia a classe trabalhadora e a juventude na luta para se tornar donos de seu próprio destino.

Como dissemos hoje, ainda não existe tal direção e, portanto, desde o Rebeldia, do PSTU e da Liga Internacional dos Trabalhadores, colocamos nosso esforço para construí-la, porque de uma coisa temos certeza, é que a verdadeira utopia é considerar que o capitalismo satisfará nossas necessidades, que garantirá nossa vida e futuro. A realidade é que, seja qual for a cor do governo do Estado, no capitalismo a sua função é a de garantir os lucros para a burguesia. É por isso que, diante do presente e do futuro de barbárie, a única saída possível é a luta pelo socialismo.

Derrubar Bolsonaro já e construir uma alternativa revolucionária e socialista!

Faça parte da Rebeldia

 

[1]    https://litci.org/pt/64291-2/

[2]    https://litci.org/pt/chile-o-oasis-de-modernidade-e-estabilidade-da-america-latina-explodiu/

[3]    https://litci.org/pt/sos-colombia-deter-o-massacre-nao-a-militarizacao-das-cidades/

[4]    https://litci.org/pt/peru-o-que-vem-depois-do-triunfo-da-luta-juvenil-e-popular/

[5]    https://litci.org/pt/o-povo-trabalhador-do-paraguai-mostra-o-caminho-contra-a-pandemia/

[6]    https://litci.org/pt/chile-os-desafios-da-primeira-linha/

[7]    https://www.pstu.org.br/colombia-o-povo-quer-botar-o-governo-para-fora-mas-tambem-quer-por-fim-no-regime-autoritario/

[8]    https://litci.org/pt/biden-encerrara-a-crise-politica-em-curso/

[9]    https://litci.org/pt/bolchevismo-e-stalinismo-polos-opostos/

[10]  https://litci.org/pt/a-china-e-uma-ditadura-capitalista-disfarcada-de-vermelha/

[11]  https://litci.org/pt/especial-fidel-castro/

[12]  https://litci.org/pt/prologo-ao-livro-o-veredicto-da-historia-de-martin-hernandez-2/

[13]  https://litci.org/pt/a-batalha-pela-democracia-operaria/

[14]  https://litci.org/pt/repressao-a-uma-marcha-lgbt-em-cuba-ditadura-e-homofobia-no-regime-de-castrista/

[15]  https://litci.org/pt/as-frentes-populares-sua-historia-e-a-politica-frente-a-elas/