Vice-presidente da OAB Mulher de Uberlândia, Flávia Moraes
Hertz Dias

Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

Após o anúncio da vitória de Lula contra Bolsonaro, começaram os xingamentos contra nordestinos nas redes sociais. Lula venceu em todos os estados do Nordeste e Bolsonaro em todos do Sul e em três estados do Sudeste. A ONG Safernet Brasil recebeu 348 denúncias de casos de xenofobia, só na segunda-feira, dia 3, número quase igual a todos registros no 1º semestre de 2021 (358). A maioria dos perfis são bolsonaristas.

Nas postagens, dentre outras coisas, nordestinos são chamados de “massa de manobra” e dependentes de “assistencialismo”. O Sudeste aparece como “produtor de riquezas” e “provedor” dos nordestinos. “Nunca mais vamos comprar redes desses nordestinos quem vêm aqui pro Sul do país”, disse um internauta.

A vice-presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de Uberlândia (MG), afirmou, em vídeo: “A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar nosso dinheiro no Sudeste, no Sul ou fora do país”. Na página da escola São Marcos, que fica em São Luís, capital do Maranhão, o mapa do Nordeste foi descrito como “Cuba do Sul”.

Bolsonaro é o principal responsável pelo crescimento do ódio aos nordestinos, a quem já chamou de “arataca”, “cabeçudo” e “pau-de-arara”. E, poucos dias atrás, numa “live”, chamou os nordestinos de analfabetos. Mas é preciso entender os objetivos por trás desses ataques, para melhor combatê-los.

Xenofobia é uma arma dos ricos para dividir os pobres

A xenofobia contra os nordestinos ganhou força ainda no século 19, na transição do trabalho escravo para o trabalho livre, quando o centro econômico do país se descolou do Nordeste para o Sudeste. As ideologias racistas, criadas para justificar a imigração europeia para o Sudeste, tido como símbolo de desenvolvimento e progresso, também foram utilizadas para inferiorizar o Nordeste, que passou a ser visto como sinônimo de atraso, de inferioridade e terra de gente preguiçosa.

Essas ideias ressurgem em momentos de crise, quando as podridões do capitalismo se escancaram. Diante disso, a burguesia precisa encontrar “grupos” para responsabilizar pelo fracasso social do próprio capitalismo. E como fazem isso? Se apoiando no que há de mais atrasado na consciência dos trabalhadores! Vejamos alguns casos recentes.

Falsas impressões

Quando Aécio Neves, do PSDB, foi derrotado por Dilma, em 2014, a direita não poupou insultos aos nordestinos. Em 2016, quando Dilma sofreu o impeachment, parte da imprensa dita “progressista”, como o jornal “Le Diplomatique Brasil”, responsabilizou negros, pobres e nordestinos, utilizando, para isso, frases e charges racistas.

Hoje, é ultradireita que alimenta a falsa sensação de superioridade nos trabalhadores das regiões Sul e Sudeste. Diante de uma crise sem saída, esses preconceitos atuam como fatores de “compensação salarial” na consciência de quem se julga superior: “meu salário é humilhante, mas sou branco e sulista, igual meu patrão!” Enquanto isso, os patrões de todas as regiões seguem explorando e oprimindo os trabalhadores e trabalhadoras de todo o Brasil.

Reação

É justo que os nordestinos reajam a esses ataques que, por sua vez, também são aproveitados pela esquerda reformista para despolitizar um debate tão importante. Dizem: “O Voto do Nordeste é progressista e o do Sul é reacionário!”, como se os oligarcas eleitos na região, mas que apoiam a chapa Lula-Alckmin, tivessem algo de progressista. Esse populismo só empurra os trabalhadores do Sul-Sudeste para os braços do bolsonarismo. O trabalhador nordestino também é induzido a odiar aqueles do Sul-Sudeste, como se todos fossem xenofóbicos. De tal modo que o inimigo de classe fica oculto.

Unidade de classe

Combater a xenofobia para unir os trabalhadores de todas as regiões

Em primeiro lugar é preciso defender o agredido, que é o nordestino. Mesmo se for trabalhador, o xenofóbico deve seja punido. Combater as opressões é questão de princípio, inclusive no interior da nossa classe. Porém, é preciso combater educando.

Os trabalhadores do Sul-Sudeste devem ser campeões no combate à xenofobia em seus próprios estados. As organizações (partidos, movimentos, sindicatos, associações etc.) dessas regiões não podem deixar essa tarefa só nas costas dos nordestinos. Ser sulista antixenofóbico é uma necessidade política.

Os trabalhadores nordestinos, por sua vez, devem chamar a unidade com todos os não-nordestinos para enfrentarem a xenofobia, mas não devem depositar nenhuma confiança na burguesia nordestina, que, por mais que seja vítima dos ataques xenofóbicos, jamais defenderá os direitos do conjunto dos trabalhadores. Ela também precisa dos trabalhadores divididos para arrancar-lhes o couro.

Emfim, é preciso combater a xenofobia como Zumbi e Dandara combateram a escravidão colonial: aquilombando as diferenças dos explorados, para eliminar com exploração da Casa-Grande.