Apesar da catástrofe do governo Bolsonaro e da crise capitalista, o Brasil ainda é uma das maiores economias do mundo. É simplesmente o quarto maior produtor de grãos, sendo responsável por quase 8% de toda a produção mundial. Sem contar que é o primeiro na exportação de carne bovina. Enquanto o desemprego é recorde e a renda despencou 10% em relação ao último ano, o setor agroexportador cresceu 5,2%.

Apesar disso, a fome atingia 19 milhões de brasileiros no final de 2020 (dados da Rede PENSSAN). O número de pessoas que passavam por algum tipo de insegurança alimentar, ou seja, que comiam menos do mínimo necessário para sobreviverem, era de 116,8 milhões, mais da metade da população. Só para dar um exemplo, o consumo de carne diminuiu ao seu menor nível em 25 anos.

A solução do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o problema da fome seria risível não fosse trágica. Ele quer alimentar os pobres com as sobras das comidas dos ricos.

Não é fake news ou manchete de site de humor. Guedes realmente disse isso, durante evento organizado pela Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), nesta quinta-feira, 17. Criticando a quantidade de comida que a classe média e os ricos colocam no prato, um “fator cultural”, o hoje desprestigiado ministro propôs pegar os restos de alimentos e dar aos famintos. “Com toda aquela alimentação que não foi utilizada durante aquele dia no restaurante, aquilo dá para alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, desamparados“, declarou.

Para Guedes, que não perde a oportunidade de declarar seu ódio a pobre e sua admiração canina aos países imperialistas, os europeus, após as duas grandes guerras, teriam aprendido a conviver com a escassez. Por isso, supostamente, desperdiçariam menos alimentos. Como se a fome no Brasil não fosse um problema histórico, que inclusive cresce sob sua gestão. A bobagem, aliás, lembra a famigerada farinata de João Dória, que queria alimentar os pobres com uma espécie de ração humana, revelando bem como os ricos vêem a questão da fome.

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A declaração esdrúxula de Guedes se junta ao corolário de estultices proferidas pelo doutor de Chicago, como as empregadas domésticas que prefeririam viajar à Disney a fazer turismo pelo Brasil, ou, mais recentemente, culpar o caos na saúde público ao fato de as pessoas quererem “viver demais”.

Comida podre

Como desgraça pouca é bobagem, as propostas do governo para o combate à fome foram além de pegar os restos dos pratos dos ricos para dar aos “mendigos” nas palavras de Guedes. No mesmo evento promovido pela Abras, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou a criação de um grupo para “rever” a validade dos alimentos.

A ideia seria “flexibilizar” a regra de validade dos alimentos a fim de vendê-los a preço mais baixo, ou doá-los a programa sociais. “A gente poderia fazer uma adaptação, sem precarizar nada. Podemos rever uma série de fatores e gargalos, principalmente em relação à validade dos nossos alimentos. A pandemia nos trouxe esse tema de maneira perceptível, temos que agir rapidamente”, discursou a ministra.

Em português claro, o que a ministra sugere é vender ou doar alimentos fora do prazo de validade. O que costumamos chamar, sem eufemismos, de podre mesmo.

Como na frase atribuída à então rainha da França, Maria Antonieta, “se o povo não tem pão, que coma brioches“, para Guedes e Cristina, “se o povo não tem pão, que coma restos e comida estragada“. Maria Antonieta, hoje sabemos, nunca disse isso. Já Guedes e Tereza Cristina sim.

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