Soraya Misleh, de São Paulo
Nesta semana, pessoas que se afirmam “progressistas” ou “de esquerda” no Brasil saíram comemorando a derrota de Netanyahu para coalizão sionista encabeçada por Naftali Bennett, sobretudo em nome de um suposto aprofundamento do isolamento de Bolsonaro após seu “amigo” deixar de ser primeiro-ministro de Israel. E nesse caso demonstrando desconhecimento ou dando de ombros para os palestinos, já que nada muda na vida dos que vivem em refúgio, diáspora ou sob ocupação criminosa. Para que não restem dúvidas: novo governo em Israel é como Bolsonaro após plástica.
Muda o rosto, a fachada, não a essência de seu ser ou seu projeto. E, no caso, não porque Naftali Bennett é de extrema-direita, como muitas notícias têm desinformado. Mas porque é sionista.
A única diferença entre ele, Netanyahu e seus pares que se afirmam “esquerda” é a retórica. Os sionistas que arquitetaram a limpeza étnica que culminou, em 1948, na contínua Nakba (catástrofe) com a criação do Estado de Israel em 78% da Palestina histórica eram trabalhistas – identificados como “esquerda”. Estes estiveram no governo até 1977 – portanto, também comandaram a Naksa (revés), a ocupação militar no ano de 1967 dos 22% restantes do território: Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Para os palestinos, vale reiterar, nada muda.
A saída de Netanyahu era uma necessidade sentida diante das denúncias de fraude, quebra de confiança, corrupção e aprofundamento da crise interna sionista. No entanto, esta não dá sinais de que vai arrefecer, pelo contrário, deve se aprofundar. Em um ponto todos concordam: a defesa do projeto colonial e racista. Aí a unidade política é indissolúvel. É a natureza desse enclave militar do imperialismo.
Cumplicidade permanente
Os que se fiaram no argumento de que a retirada de Netanyahu do cargo de primeiro-ministro aprofundaria isolamento de Bolsonaro se enganaram duplamente. O genocida daqui não tardou em dar as boas-vindas ao de lá, explicitando o que todo mundo já sabe: sua aliança permanente com Israel, que não tem nenhuma razão para romper com seu parceiro preferencial no Brasil, seja política ou econômica. A ampliação de acordos que sustentam a ocupação e também matam no país sul-americano anda de vento em popa. A cumplicidade com o Estado sionista é histórica, tendo o Brasil se tornado nos últimos dez anos o quinto maior importador de tecnologia militar israelense. E agora é descarada, inclusive no campo diplomático.
No dia seguinte à aprovação em 13 de junho pelo Knesset [Parlamento de Israel] do novo governo, o Ministério das Relações Exteriores emitiu nota saudando a posse que não deixa margem para tais argumentos: “Desde o início do Governo do Presidente Jair Bolsonaro, as relações com Israel foram alçadas a novo patamar de prioridade. Esta aproximação, sem precedentes, estabeleceu as bases para iniciativas estratégicas e ações de longo prazo que têm resultado em parcerias em áreas como ciência e tecnologia, saúde, defesa, segurança pública, entre outras. Do mesmo modo, a coordenação mais estreita entre os dois países nos foros multilaterais assegura posições equilibradas no tratamento de temas de maior sensibilidade para a região. O governo brasileiro expressa confiança no contínuo fortalecimento dos laços de amizade que unem Brasil e Israel e continuará trabalhando com o novo governo em favor das relações bilaterais, fundamentadas em vínculos históricos, em benefício dos interesses comuns e do desenvolvimento mútuo.”
Saudação aos palestinos é morte
Para os que vivem sob ocupação, a saudação não poderia ser outra: bombardeios sobre suas cabeças em Gaza e aprovação da “Marcha das Bandeiras” a Jerusalém – em que sionistas destilavam provocativamente seu racismo contra os palestinos, com palavras de ordem como “Morte aos árabes”, “A segunda Nakba está vindo”, “[O profeta] Mohamad está morto”, “Árabe bom é árabe morto”, entre outras, cantadas inclusive por crianças levadas por seus pais e familiares.
As boas-vindas do governo seguem o estilo peculiar sionista: mais sangue derramado na Nakba contínua há mais de 73 anos. A cada dia, mais um palestino é assassinado pelas forças de ocupação. Só neste dia 16 de junho, foram dois, entre os quais a jovem fonoaudióloga Mai Afanah, 29 anos, mãe de uma menina de apenas quatro anos de idade. Ao melhor estilo de Naftali Bennett e seus asseclas.
Antes ministro da Defesa no governo Netanyahu e agora primeiro-ministro, Bennett declarou em 2013: “Já matei muitos árabes na minha vida, e não há nenhum problema com isso.” Essa foi sua justificativa para defender que os presos políticos palestinos fossem todos assassinados, inclusive, portanto, mulheres, crianças e idosos. Aos que vivem sob ocupação, prometeu aos sionistas que reservaria apenas o que tem cumprido: continuar a derramar seu sangue. “Nenhum centímetro de terra”, disse em 2018.
Bolsonaro é coerente em levantar essa bandeira. Suas ações genocidas em favor do vírus da Covid-19 que fizeram meio milhão de vítimas no Brasil e contra a maioria do povo são inclusive recheadas de palavrório igualmente racista. Suas frases são tão célebres quanto asquerosas, como a defesa de matar “uns 30 mil” na apologia à ditadura e da licença à polícia para o extermínio – “bandido bom é bandido morto”. E ainda a promessa de “nem mais um centímetro de terra a reserva indígena e quilombolas”, a classificação de refugiados como “escória do mundo”, entre tantas outras em meio à pandemia de causar náuseas.
Resistência e solidariedade
Guardadas as diferenças, “Marcha das Bandeiras” lá, motociata aqui não vão vingar. A cada sangue palestino derramado, dez outros se levantam. Essa é a marca genuína da resistência heroica e histórica à colonização sionista. Resistência que segue a inspirar os oprimidos e explorados que, no Brasil, neste sábado – 19 de junho – prometem fortalecer o chamado a partir das ruas: “Fora Bolsonaro”. Coerente a bandeira palestina estar mais uma vez presente.
Não dá para esperar até 2022 por eleições no Brasil, enquanto o país sangra nas mãos desse genocida. Assim como é preciso pôr fim às ilusões e engodo de que o problema de Israel é um governo sionista de extrema direita.
Para a solidariedade internacional efetiva, urge compreender que a questão é a natureza desse Estado enquanto projeto colonial e enclave militar do imperialismo. Portanto, entender que essa é uma luta por libertação nacional, a contemplar a totalidade do povo palestino, do rio ao mar.
Fonte: monitordooriente.com