Cyro Garcia, Presidente do PSTU-RJ
Está em julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), a descriminalização do porte de maconha. Esta medida aborda um dos maiores absurdos que existe na nossa legislação, responsável pelo agravamento da violência e do encarceramento em massa da juventude negra no nosso país.
Até o momento, quatro ministros já votaram, todos defendendo a descriminalização do porte, sendo que Gilmar Mendes defendeu a medida para todas as drogas; enquanto Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso e Alexandre de Moraes limitaram-se à maconha. Pelo voto de Moraes, esse porte seria de até 60 gramas.
Trágico legado do primeiro governo Lula
A Lei de Drogas de 2006, promulgada no primeiro governo Lula, fazia a distinção entre traficantes e usuários, descriminalizando os segundos, porém, sem estabelecer critérios objetivos em relação à quantidade que poderia caracterizar o uso pessoal.
Isto deixou nas mãos das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário o poder para estabelecer quem seria ou não traficante. O resultado concreto foi que esta lei não ajudou a combater o tráfico nem a violência que assola os trabalhadores e jovens nas periferias brasileiras. Pelo contrário, aprofundou a criminalização da juventude pobre e negra.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria, um branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que um “preto e o pardo” (de acordo com os critérios do IBGE) para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, “preto ou pardo”, a chance de ser considerado traficante, mesmo com quantidade ínfima, é muito grande. A explosão carcerária que isso provocou deixa o Brasil atrás apenas da China e dos Estados Unidos (leia abaixo).
Racismo e drogas
Segundo dados de uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a quantidade média de drogas encontrada com a ampla maioria desses presidiários é o equivalente a dois bombons de maconha ou dois sachês de ketchup de cocaína.
É irônico porque, pelo critério das autoridades, um homem branco de classe média ou da burguesia pode ser enquadrado como usuário mesmo se for pego com quilos de maconha, já que tem poder aquisitivo para comprar essa quantidade para uso próprio. Enquanto isto, um jovem negro é considerado sumariamente traficante se estiver com uma grama e com algum dinheiro.
STF
Votação é limitada e o Legislativo quer travar medida
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), deu uma declaração contra a votação, dizendo se tratar de um assunto que deveria ser tocado pelo Legislativo. Na verdade, ele defende manter a lei como está, para seguir criminalizando a juventude negra.
O governo Lula, por sua vez, lava as mãos. Foi o responsável pela atual forma da lei e, agora, apesar de toda a expectativa dos movimentos negros e antiprobicionistas e das organizações de Direitos Humanos, não atua sequer para garantir um critério objetivo para definir quem é usuário.
Deixar este tema na mão do Judiciário e do Legislativo é se colocar como agente de uma política de Segurança Pública que só promove a violência contra o povo pobre. É mais uma prova de que o governo Lula, mesmo neste tema, só serve aos ricos e à direita. Mas, também, não podemos confiar no STF. Esta votação ainda significa muito pouco e é limitada, não enfrentando a discriminação contra pobres e negros.
Programa
Legalizar as drogas para combater o tráfico, o genocídio e a violência
A chamada “guerra às drogas” é uma política de criminalização da pobreza e de genocídio do povo negro das favelas e das periferias, como estamos vendo nas atuais chacinas promovidas pela polícia. A única forma de combatermos isso é legalizando as drogas.
A criminalização serve como uma forma de controle social, para impedir que a população pobre do nosso país se rebele contra as péssimas condições de vida a que é submetida pelos governantes, através de moradias insalubres, desemprego, ausência de Saúde e Educação públicas de qualidade.
Quando acontecem essas operações policiais nas favelas, milhares de crianças ficam sem aulas e milhares de trabalhadores não podem acessar o seu local de trabalho. Além disso, há o chamado “efeito colateral”, como cinicamente dizem governos reacionários, como os de Cláudio Castro (RJ) e de Tarcísio de Freitas (SP), ao se referirem à morte de trabalhadores e estudantes inocentes, além de crianças e adolescentes.
Por tudo isso, devemos lutar pela descriminalização das drogas e, com isso, extinguir dois tipos de tráfico: tanto o de drogas quanto o de armas, que se retroalimentam. Para nós todas as questões referentes às drogas, inclusive as lícitas e legalizadas, como o álcool, devem ser tratadas como problemas da Saúde Pública.
Raça & Classe
O perfil da população carcerária
Segundo dados de maio de 2023, do Ipea, a população carcerária no Brasil atingiu a cifra de 919.651 presos. Desses, 87% são homens; 72%, jovens; 67%, negros; 75% com baixa escolaridade e 66% desempregados ou “autônomos”. Dentre esses, somente 13% pertencem a alguma facção criminal.
A ampla maioria foi presa por estar em “atitude suspeita”, sem nenhuma investigação. Em 17% dos casos não há sequer apreensão de substâncias ilícitas. E em 93% deles as únicas provas foram os depoimentos dos agentes de segurança responsáveis pelo flagrante. Cerca de 40% das prisões são provisórias, sem qualquer julgamento.