Corredor no Presídio Central de Porto Alegre Foto: Juliana Baratojo

Após um imbróglio na Justiça, no próximo dia 6 de outubro deve ocorrer o leilão para a privatização do Complexo Prisional de Erechim, no Rio Grande do Sul. Resultado de uma parceria entre o governo Eduardo Leite (PSDB) e o Governo Federal, a medida deve contar com R$ 150 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a construção do presídio. Sua gestão ficará a cargo de uma empresa privada, através de uma concessão pública com duração estimada de 30 anos, no modelo de PPP (Parceria Público-Privada).

A privatização do presídio no Rio Grande do Sul, em parceria com o Governo Federal, ocorre após decreto da Presidência de abril deste ano, que dispõe sobre “incentivo ao financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais”, ampliando a medida para áreas como saneamento, educação e “segurança pública e sistema prisional”.

Uma nota técnica assinada por 86 entidades, entre elas a Pastoral Carcerária, foi divulgada neste dia 20 de setembro, e alerta que a medida vai agravar ainda mais o encarceramento em massa, sobretudo da juventude negra, além de piorar as condições já precárias e sub-humanas do sistema prisional brasileiro. A mercantilização do aprisionamento deve aprofundar uma situação que faz o Brasil figurar no pódio dos que mais encarceram: é o terceiro país com mais aprisionados, atrás somente dos EUA e da China, sendo quase metade de jovens entre 18 e 29 anos (46,4%) e a grande maioria de pessoas negras (67,5%), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021.

A situação se agrava com os incentivos do Governo Federal para que empresas privadas absorvam a gestão prisional e a transformem em um mercado lucrativo. Os contratos firmados com a iniciativa privada parecem querer favorecer o encarceramento em massa, com a aposição de cláusulas contratuais que exigem taxas mínimas de lotação das unidades prisionais, aliadas à remuneração da empresa por cada pessoa encarcerada, com a submissão dos corpos negros a trabalhos forçados e aumento das margens de lucro com a precarização ainda maior do sistema prisional“, avaliam as entidades.

Não é preciso nenhum exercício de futurologia para prever o que vai acontecer ao o governo permitir que empresas e grupos privados captem recursos públicos, e no mercado financeiro através de “debêntures incentivadas”, com isenções de impostos, para a construção e gestão de presídios. E com o Governo Federal como fiador de estados e municípios. E mais ainda, com o repasse de recursos às empresas “por cabeça”. Quanto mais presos, mais dinheiro, e ainda tendo a possibilidade de explorar o trabalho dos encarcerados. Um verdadeiro sistema de ganha-ganha, sem qualquer risco, a não ser para milhões de jovens negros da periferia que serão transformados em verdadeiras commodities para o lucro privado.

Fórmula para a tragédia

A Pastoral Carcerária desmonta a falácia de que a privatização dos presídios reduz os custos. Segundo levantamento realizado em 2014, cada preso custava, em média, R$ 1,8 mil mensais aos cofres públicos, sendo que a média dos custos das mais de 30 unidades prisionais privatizadas no país (sob o modelo de concessão ou cogestão), chega a R$ 4 mil, indo a R$ 5,3 mil em algumas unidades.

Além do superfaturamento, presídios privatizados são palcos de barbárie e violência, como o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, que foi parar nas páginas dos jornais durante as rebeliões que deixaram, em 2017, 56 mortos, e em 2019, 55 mortos. Essas tragédias foram precedidas de inúmeras denúncias de maus tratos e torturas. Ou o conhecido Presídio de Pedrinhas, no Maranhão, com diversas áreas sob gestão privada e mais de 60 mortes entre 2013 e 2014.

As más condições dos presídios privados também se estendem aos agentes prisionais, como comprova a nota técnica. “O Relatório Anual do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura de 2015 e 2016 trouxe a análise de quatro unidades prisionais do Amazonas, uma do Maranhão e outra de Santa Catarina, todas sob gestão privada, nas quais a maior parte dos agentes de segurança eram terceirizados. Tal relatório elencou elementos em comum entre os agentes terceirizados de tais estabelecimentos, como a ausência de plano de carreira, processos de formação deficitários, remunerações baixas (em média, de R$ 1.700,00) e alta rotatividade“, elenca. Uma superexploração aliada à precarização e falta de segurança.

Não às privatizações dos presídios e o encarceramento em massa

A população carcerária no Brasil sofreu uma verdadeira explosão durante os governos do PT. Segundo o “Mapa do encarceramento: os jovens no Brasil”, o número de presos aumentou 74% entre 2005 e 2012. Boa parte disso é reflexo da Lei de Drogas, de 2006, sancionada por Lula e que coloca na mão da polícia e do juiz o critério para se diferenciar usuário de traficante. Resultado: branco de classe média é caracterizado como usuário, e preto da periferia de traficante, mesmo se pego com porções mínimas de drogas.

Agora, ao invés de revogar esse absurdo, o governo do PT, atendendo aos interesses das empresas privadas, quer aprofundar ainda mais o encarceramento em massa, transformando essa tragédia social num mercado lucrativo às custas da liberdade e das vidas de jovens negros e pobres.

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