Luiz Carlos Prates (Mancha), de São José dos Campos (SP)

Mané Bahia e Luiz Carlos Prates (Mancha), de São Paulo (SP)

O golpe que instaurou, no Brasil, a ditadura militar assassina, em 1964, deixou muitas sequelas, com profundas marcas, até os dias de hoje. Ao longo de 21 anos (ou seja, até 1985), foram centenas de mortos e desaparecidos e milhares de torturados e sequestrados (inclusive crianças!).

Além disso, assistimos ao genocídio dos povos indígenas, que foram dizimados e ao terror e assassinatos de trabalhadores rurais, no campo. Como também a repressão e opressão de setores historicamente marginalizados, como negros, mulheres e LGBTIs. A perseguição também foi cruel e criminosa nas empresas públicas e privadas.

Essa é a verdadeira face da ditadura militar brasileira para trabalhadores e trabalhadoras e para os que se rebelaram contra esse sistema repressor, corrupto e pró-imperialista.

Uma vitória arrancada na luta, mas parcial

Anos depois do golpe, João Figueiredo, último presidente da ditadura, se viu obrigado a promulgar a Lei da Anistia, que entrou em vigor em 28 de agosto de 1979. A Anistia foi uma conquista imposta à ditadura militar, acuada pelas mobilizações em defesa das liberdades democráticas, com comitês de anistia se alastrando pelo país; greves de fome em protesto, realizadas pelos presos políticos no Brasil; grandes manifestações e passeatas da juventude, além do início de mobilizações operárias.

Milhares de exilados puderam voltar ao Brasil e muitos presos políticos foram libertados. Uma importante vitória, sem dúvida. No entanto, apenas uma vitória parcial. Não foi àquela almejada pelos movimentos, exatamente porque a lei conquistada não garantiu “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, abrindo uma terrível brecha para que os militares, torturadores e as empresas privadas que financiaram o Golpe de 64 não tenham sido punidos até hoje.

Neste mês de agosto, comemoramos 42 anos da aprovação da lei Anistia. Em um momento em que o governo do Bolsonaro faz constantes ameaças golpistas e autoritários, tenta apagar e reescrever a História, negar as torturas e horrores do regime militar e atacar os anistiados, negando a reparação, é importante resgatar a luta contra a ditadura militar, um dos períodos mais sombrios do país.

Justiça incompleta

Anistia ficou pela metade

A Comissão da Anistia (CA) foi criada no início dos anos 2000, com objetivo de reparar as vítimas de atos de exceção ocorridos entre 1946 e 1988. Os governos de conciliação de classe do PT pouco avançaram nos julgamentos da Anistia, deixando um legado de mais de 18 mil pessoas que tinham direito à anistia na fila de espera. O governo Temer paralisou e interveio no funcionamento da Comissão, questionando sua autonomia e independência.

No governo de Bolsonaro, a situação piorou muito, com o desferimento de gravíssimos ataques à anistia política, seja pela potencialização de um problema crônico de desmobilização dos recursos e condições para o trabalho da Comissão, seja pela interferência direta do Estado em suas decisões, em aberto desrespeito à autonomia de estado e a credibilidade da Comissão.

Anteriormente, a CA integrava a pasta do Ministério da Justiça; mas, com Bolsonaro, desde janeiro de 2019, passou a fazer parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o comando da ministra bolsonarista Damares Alves.

Hoje, nos deparamos com um verdadeiro desmonte das políticas públicas criadas para reparação dos crimes da ditadura militar. No início de 2020, foram feitas mudanças na Comissão da Anistia e na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos que vêm resultando em vários ataques, como indeferimentos em massas de processos, pendências, não-publicação de ações de revisão ganhas por anistiados, inclusive de militares que se rebelaram no período da ditadura. Anistiandos (candidatos à anistia) ficaram pelo caminho, sem reparação e não se avançou na justiça de transição, sintetizada no lema “Verdade, Memória, Justiça e Reparação.”

Resultado

Impunidade trouxe mais violência contra o povo pobre

Passadas quatro décadas da sua entrada em vigor, a legislação ainda é alvo de questionamentos da sociedade civil brasileira, que vê no dispositivo uma fonte de impunidade para os agentes da ditadura e uma violação à legislação internacional de direitos.

A Comissão Nacional da Verdade, que funcionou entre 2012 e 2014 e apurou crimes da ditadura, recomendou, em seu relatório final, a revisão do trecho da Lei da Anistia que estendeu o benefício para torturadores e agentes da ditadura.

Como é em outros países?

Outros países latino-americanos que tiveram ditaduras militares também criaram leis análogas à Lei da Anistia brasileira no processo de reabertura. Em muitos casos, essas iniciativas foram posteriormente barradas pela Justiça ou pelo Legislativo, abrindo espaço para que agentes da ditadura fossem julgados e condenados.

É o caso, por exemplo, da Argentina, onde cerca de 200 agentes do regime militar receberam condenações, incluindo todos os presidentes do período. Chile, Uruguai, Peru e El Salvador também puniram ditadores e outros agentes repressores.

Espaço aberto para as ameaças golpistas de Bolsonaro

No Brasil, ainda temos outro agravante: o aparato repressivo e as Policias Militares não foram desmantelados, continuam intocáveis e têm se mantido ativos desde o golpe de 1964.

Para piorar, em 2013 a presidente Dilma sancionou a Lei Antiterror, criando o perigoso precedente de utilização da Força Nacional contra as manifestações populares em “ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e em defesa do patrimônio”. Precedente esse que, hoje, está sendo utilizado por Bolsonaro para chantagear e justificar o golpe.

A impunidade e os aparatos repressivos são responsáveis pelo aumento da violência contra a classe trabalhadora e contra o povo preto, pobre, oprimido e explorado das periferias, como também pela repressão e criminalização dos movimentos sociais.

Fora Bolsonaro e Mourão! Ditadura nunca mais!

Agora, o governo Bolsonaro, corrupto e genocida, também se aproveitando da impunidade e dessa brecha, elogia torturadores e faz apologia, aberta e escancarada, da ditadura militar. Na prática, estão acabando com a Comissão Anistia e negando todos os pedidos de reparação. Mais do que isto, Bolsonaro está atacando as liberdades democráticas e quer, abertamente, a volta da ditadura, ainda que não tenha força para impor esse novo regime.