Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto
Vera, de São Paulo (SP)

A imagem da passagem da faixa durante a posse presidencial foi muito forte e impactante. No lugar dos fardados exalando naftalina saudosos da ditadura, um indígena, um operário, um menino negro, um garoto PCD, uma cozinheira, uma catadora, etc. Uma pequena amostra dos mais explorados e oprimidos desse país.

A fuga covarde do genocida possibilitou esse arranjo eivado de simbologia, que diz: o povo passa o poder ao presidente eleito. Ou seja, o poder está nas mãos do povo, que o delega ao presidente eleito nas urnas. A emoção dessa cena é legítima, principalmente entre aqueles lutam por um mundo mais justo, e enfrentaram um período de dura repressão, retrocesso e perseguição.

O problema é o que está por trás dessa cena. O novo governo que sobe ao poder, é preciso dizer, não representa esses setores. A cozinheira ao lado de Lula poderia muito bem ter sido uma das vítimas do massacre do Pinheirinho perpetrado por Alckmin. O indígena, uma vítima da expansão das fronteiras agrícolas perpetrada pelo agro nos governos Lula.

A realidade por trás desse simbolismo é mais dura e cruel: o governo Lula-Alckmin representa o mesmo agro que destroi o meio ambiente e dizima os povos originários. Está com as grandes empresas e multinacionais que demitem e arrancam os direitos dos metalúrgicos. Está a serviço dos banqueiros que extorquen e drenan as riquezas produzidas pela classe trabalhadora. A lei antidrogas, sancionada por Lula, multiplicou o número de jovens negros encarcerados.

A fim de representar fielmente o caráter do governo Lula-Alckmin, seria mais realista estarem ali Olavo Setúbal, Benjamin Steinbruch, Luiz Trabuco do Bradesco, Rubens Ometo da Cosan, Armínio Fraga, enfim, homens brancos, bilionários, representantes do grande capital. Os mesmos que sempre estiveram por ali nos últimos 500 anos.

Gente que, dentro e através deste governo, vai continuar atacando justamente aquelas pessoas que passaram a faixa a Lula.

Os símbolos são importantes e indicam determinada persona. Seja de uma pessoa, uma instituição ou um governo. Mas a prática e a realidade são cruelmente determinantes.

Contudo, aquela cena me emocionou, como a muitos outros. Mas não exatamente pelo que ocorria ali, uma cerimônia protocolar. Imaginei quando os operários, os indígenas, as mulheres, a juventude e os mais massacrados pelo capitalismo, finalmente ocuparem o poder, e estiverem em cima da rampa, não como figurantes, mas como protagonistas. Quando tomarem o poder através de suas próprias forças e, com ele nas mãos, decidirem os rumos de seu próprio destino.

Daí então, não os veremos numa encenação de transmissão de um poder que não exercerão. Veremos sim, de fato, eles mesmos recebendo a faixa para governar.

Um feliz 2023 a todas e todos, e que possamos transformar esse sonho em realidade.

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