Greve geral do ABC, em 1980 | Foto: Fernando Uchoa
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Neste 1º de Maio, as LGBTIs estão colocadas diante de uma situação semelhante ao Dia Internacional de Luta da Classe Trabalhadora de 1980, quando um dos primeiros e mais importantes grupos de combate à LGBTfobia que surgiram no final dos anos 1970, na esteira das lutas contra a Ditadura Militar, o “Somos: Grupo de Afirmação Homossexual”, organização que contou com a militância da Convergência Socialista (CS), se dividiu em duas alas: uma, apoiada pela CS, foi para o Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo, para defender o fim da intervenção nos sindicatos e apoiar a greve metalúrgica; outra, foi fazer um piquenique, num parque em São Paulo.

Em 2021, também, há duas “opções”: o “1º de Maio classista, de luta e internacionalista, organizado pela CSP-Conlutas e a Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora) e o ato organizado pela CUT, CTB, Força Sindical, CGTB, CSB, Intersindical, UGT, Nova Central, com apoio do PT, PSOL e PCdoB, para o qual foram convidados alguns dos nossos mais destacados inimigos de classe, alojados em partidos como o DEM, o MDB, o PSDB, o PDT e o PP.

Ou seja, de um lado, a construção da necessária unidade com a classe trabalhadora, com independência de classe em relação aos governos e aos patrões, dentro de uma perspectiva anticapitalista; do outro, um intragável banquete, celebrando a conciliação de classes e a ilusão de que é possível reformar o capitalismo em aliança com os mesmíssimos responsáveis pela situação em que chegamos.

Uma situação irremediável, marcada por uma pandemia que já levou 400 mil vidas, muitas, inclusive, de nossos irmãos e irmãs LGBTIs, seja na linha de frente, seja no abandono das comunidades carentes e das ruas, seja na fila de um sistema hospitalar colapsado, e, também, pelo aprofundamento da crise socioeconômica, que tem mergulhados milhões e mais milhões na fome, no desemprego e na miséria.

Por isso, neste artigo, queremos resgatar o 1º de Maio de 1980 como exemplo e discutir um pouco como nossas lutas contra a opressão, a marginalização, a discriminação e o preconceito também têm um lado: o do classe trabalhadora.

A repressão às LGBTIs durante a ditadura

Para falarmos disto, é preciso voltar um pouco no tempo. O regime militar, instalado em 1964, voltou suas garras contra todos os movimentos sociais e políticos. O número de torturados e mortos são, lamentavelmente, contados aos milhares, entidades foram fechadas, a censura atingiu todos os campos da sociedade e o conservadorismo correu solto pelo país.

Dentro deste contexto, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos (geralmente chamados apenas de “homossexuais”, na época) também foram alvos de uma intensa repressão. De imediato, foram fechados alguns grupos que haviam surgido nos anos 1960, como “O snob” (1963-69) e a Associação Brasileira de Imprensa Gay (1967-68). Contudo, como revelado pela Comissão Nacional da Verdade, em um relatório elaborado em 2014, no decorrer da década de 1970, a perseguição adquiriu características bastante específicas.

Há um pouco de tudo. E tudo de asqueroso. A prática mais recorrente era o incentivo à “higienização”, através de batidas policiais nos então chamados “guetos gays” e prisões cotidianas, como a “Operação Sapatão” e outras iniciativas do delegado Richetti, em São Paulo, em 1979 e 1980, que só neste último ano foi responsável pelo encarceramento de 1,5 mil LGBTIs, principalmente travestis, o que geralmente resultava em brutais sessões de tortura e espancamentos, além de extorsões.

Além disso, a ditadura praticou ampla censura à grande imprensa quando abordava a temática das “homossexualidades” e aos veículos gays, como o jornal “Lampião de Esquina” e o “Versus”, no final da década e, também, promoveu a demissão de funcionários de cargos públicos em função de suas orientações sexuais, além do tratamento dos(as) ativistas LGBTIs como perigosos “inimigos” de Estado.

Os resultados da pesquisa da CNV foram publicados no livro Ditadura e Homossexualidades: Repressão, Resistência e a Busca da Verdade (Editora EdUFSCAR, 2014), organizado por dois de seus membros, James N. Green (um dos fundadores do Somos) e o advogado e ativista LGBTI e dos direitos humanos Renan Quinalha, que constataram que, em suma, para os “milicos”, ser “homossexual” era algo subversivo e um agravante da periculosidade de uma pessoa frente à Segurança Nacional, pois, além de ameaçar a moral e os bons costumes, corroía as estruturas do sistema, sendo parte da “conspiração comunista”.

Em documentos encontrados pela Comissão, descobriu-se, por exemplo, que o general da Escola Superior de Guerra, Moacir Araújo Lopes, produziu páginas e mais páginas de lixo para denunciar a “exacerbação do sexo” e a “baixa moral” propagada pelo movimento LGBTI, defendendo, dentre outras coisas, que a homossexualidade era uma “arma” que estava sendo usada para, “através da degeneração moral e sexual”, promover o “aliciamento da juventude em prol da construção de comunismo marxista leninista”.

Como consequência disto, ainda segundo o relatório, há provas concretas de que identidade de gênero e orientação sexual eram fatores que determinavam o aumento do grau de brutalidade das sessões de tortura. “Homossexuais que eram presos ou perseguidos politicamente acabavam sofrendo mais. Na visão do regime isto era um agravante na condição deles, o que também acontecia com os negros e as mulheres”, destacou o jurista Pedro Dallari, coordenador da CNV, em artigo publicado pela agência BBC News Brasil, em 10/12/2014.

A reorganização dos movimentos de luta contra as opressões

Essa situação não foi aceita em silêncio ou sem lutas. Nos campos da cultura e da arte, por exemplo, na primeira metade da década, grupos como os Secos e Molhados e o Dzi Croquetes desafiavam “a ordem e os bons costumes” com sua ousadia, dando um alento para as LGBTIs da época. Como também foram muitos os nossos e nossas que se envolveram diretamente no combate à ditadura, inclusive nos movimentos de guerrilha, como Herbert Daniel (1946-92), que cumpriu importante papel na libertação de 110 presos políticos, através do sequestro dos embaixadores da Alemanha e da Suíça.

Contudo, foi somente na segunda metade da década de 1970 que o movimento conseguiu se reorganizar. O Somos, que iniciou seu processo de organização em 1978, em torno do Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais em São Paulo, e adotou este nome em 1979, fez sua primeira aparição pública lançando uma Carta Aberta ao Notícias Populares, em protesto contra as reportagens preconceituosas e ofensivas, publicadas quase que diariamente pelo jornal sensacionalista, atacando gays, lésbicas e travestis.

Vivíamos um momento de enorme efervescência política. A luta contra o totalitário, repressivo, opressor e sanguinário regime militar havia ganhado um enorme impulso, em ondas sucessivas e crescentes de manifestações, contra o assassinato de ativistas e presos políticos, como o jornalista Vladimir Herzog e o metalúrgico Santos Dias (1975/76); pela Anistia dos presos políticos e exilados (1977); através das greves de professores, bancários e outras categorias, a partir de 1978; no movimento contra a carestia (encabeçado pelo movimento popular, com destaque para as mulheres), na mesma época, e o poderoso movimento grevista dos metalúrgicos, logo em seguida.

Todo este processo também estava impactando e moldando a reorganização dos movimentos de luta contra as opressões. Grupos de mulheres surgiam em todo o país. Em 7 de junho de 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) foi fundado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo – também com participação da militância da Convergência Socialista – e, no mesmo ano, foi lançado o jornal Lampião da Esquina, o que impulsionou o surgimento de grupos LGBTIs país afora.

Jornal “Lampião de Esquina”, lançado em 1978, ajuda a impulsionar o surgimento de grupos LGBTIs no Brasil

Além do Somos, em 1979, também surgiu o Grupo Lésbico-Feminista (LF), responsável pela primeira publicação lésbica do país, o ChanacomChana (que, a partir de 1981, foi assumido pelo GALF, Grupo de Ação Lésbica-Feminista), e, no ano seguinte, foi formado o Grupo Gay da Bahia.

O debate sobre o lugar das LGBTIs na luta de classes e na revolução

No interior destes movimentos, havia um intenso debate sobre as perspectivas, programa, alianças e estratégias da luta contra as opressões. Um debate em muito acirrado pela postura equivocadíssima de amplos setores da esquerda da época.

Em função de sua composição e trajetória história (uma mescla de setores sindicalistas, da igreja, de movimentos nacionalista se populistas, além de vários agrupamentos que até então viviam na clandestinidade, defendendo diferentes concepções socialistas), muitos setores se recusavam a apoiar, efetivamente, as lutas de mulheres, negros(as), LGBTIs e demais setores oprimidos, considerando-as “lutas menores” ou, ainda pior, no caso das correntes stalinistas e setores religiosos, como algo completamente alheio às lutas do povo e, particularmente, da classe trabalhadora.

Uma postura particularmente grave dentre os grupos stalinistas e maoístas, que não só defendiam publicamente, em jornais como a Tribuna Operária (PCdoB), Voz da Unidade (PCB) e Hora do Povo (MR8), que a homossexualidade era, literalmente, uma doença, como também, com frequência, hostilizavam e chegavam a agredir ativistas LGBTIs, defendendo que nossas lutas não tinham absolutamente nada a ver com a revolução.

Nesta época, também ficou lamentavelmente famosa uma frase de Luis Inácio da Silva, o Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, recém arrancado das mãos dos pelegos e que havia se tornado e símbolo e esperança da luta contra o regime, numa entrevista dada ao Lampião de Esquina, nº 14, em julho de 1979: “Homossexualismo na classe operária? Não conheço”.

Esta situação, evidentemente, impactava e dividia os(as) ativistas que se organizavam a luta contra as opressões, particularmente as LGBTIs, sendo muitos os setores que defendiam que nós, também, não deveríamos tentar proximidade alguma com a classe operária, ela própria mergulhada em preconceitos e LGBTfobia. Um debate que “explodiu” no 1º de maio de 1980.

Opressão e exploração: duas faces de uma mesma moeda

A crença de Lula, obviamente, não tinha nenhuma base na realidade. Coisa, inclusive, que também foi registrada pela reportagem no Lampião da Esquina, quando um operário interrompeu o dirigente sindical e disse: “(…) Viado aqui no ABC? Tem, sim. Só que eles dão duro igual a nós (…)”. Essa era a mesma certeza dos militantes da Convergência Socialista que atuavam no Somos, como também de alguns outros grupos que se organizavam na época.

Na Convergência Socialista, em particular, os militantes organizados na “Facção Homossexual”, uma secretaria interna à organização, estavam resgatando a tradição do marxismo revolucionário e do trotskismo, que, há muito, discutiam (não sem dificuldades e problemas, evidentemente) a importância de entender não só que as lutas contra a opressão deveriam ser combinadas com o combate ao sistema capitalista, como também parte deste processo implicava na construção da unidade com a classe trabalhadora.

Exemplo disto, durante a Revolução Bolchevique, foi um decreto, de 1922 (depois banido pelo stalinismo), que lembrava que “a atual legislação sexual da União Soviética é obra da Revolução de Outubro. Esta Revolução é importante não somente como fenômeno político que garante o governo político da classe operária, mas também porque as revoluções que emanam desta classe chegam a todos os setores da vida (…)”.

O decreto, ainda, declarava a “absoluta não interferência do Estado e da sociedade nos assuntos sexuais”. “(…) A respeito da homossexualidade, sodomia [termo utilizado, na época, para o sexo anal] e outras várias formas de gratificação sexual, que na legislação europeia são qualificadas como ofensas à moral pública, a legislação soviética as considera exatamente igual a qualquer outra forma da chamada relação ‘natural’ (aspas deles). Qualquer forma de relacionamento sexual é um assunto privado. Somente quando se emprega a força ou coação, e geralmente quando se ferem ou se lesam os direitos de outras pessoas, existe motivo de perseguição criminal”, concluía.

Vale dizer que a abordagem socialista da luta contra a LGBTfobia nasceu praticamente colada ao movimento LGBTI moderno, já que Magnus Hirschfeld, fundador do primeiro grupo especificamente voltado para a organização de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, o Comitê Científico Humanitário, criado, na Alemanha, em 1897, era militante do Partido Socialista em seu país.

“Além do verdadeiro Estado Popular, com uma genuína estrutura democrática, nós queremos uma República Social. Socialismo significa: solidariedade, comunidade, mutualidade, avanços no desenvolvimento da sociedade em direção a um corpo social unificado. Um por todos e todos por um. E ainda queremos uma terceira coisa: uma comunidade de povos, a luta contra o racismo e o chauvinismo nacional, a retirada de limitações nas relações econômicas e pessoais, o direito à autodeterminação dos povos no que se refere às suas relações com o Estado e as formas de governo”, defendeu Magnus em um ato, em 1918, quando os trabalhadores, em luta pela revolução socialista, haviam transformado a Alemanha na República de Weimar.

Entre o final dos anos 1800 e início dos 1900, foram vários outros socialistas que construíram pontes entre as lutas contra a LGBTfobia e as dos trabalhadores contra o capitalismo. Estiveram, por exemplo, profundamente envolvidos na campanha, em 1900, que tentou impedir que o escritor Oscar Wilde fosse condenado em função de sua homossexualidade.

Uma campanha derrotada o que, inclusive, contribuiu para que, já preso, Wilde escrevesse A alma do homem sob o socialismo, lembrando que “seria necessário a supressão da propriedade privada”, transformando toda ele em “bem público”, que permitisse que “todos tenham o suficiente para suprir as suas necessidades”, para que, então, num mundo socialista, ninguém mais interferisse na vida de ninguém.

Da mesma forma, não faltaram vozes que defenderam a unidade com a classe trabalhadora e o socialismo durante a Revolta de Stonewall, iniciada em 28 de junho de 1969, em Nova York (EUA), que, não por acaso, teve na sua linha de frente “aqueles que não tinham mais nada a perder”, como jovens que, expulsos de casa, viviam nas ruas, travestis e transexuais, e muitos negros e latinos, como Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera. Um dos porta-vozes desta perspectiva foi a “Frente de Libertação Gay” (GLF, na sigla original).

“Em função da crescente repressão que nós vemos – de negros, dos povos do Terceiro Mundo, das mulheres, dos trabalhadores (…), muitos de nós entendem que nossa luta não pode ser bem sucedida sem uma mudança fundamental na sociedade, que ponha as fontes do poder (os meios de produção) nas mãos do povo que, no presente, não tem nada. (…) Nossa libertação está intrinsecamente ligada à libertação de todos os povos oprimidos”, escreveram os militantes do GLF de Chicago, em um panfleto publicado em setembro de 1970.

Nós, do PSTU, não temos concordância absoluta com a forma de socialismo, princípios ou métodos defendidos por Hirschfed ou pelo GLF, nem sequer na forma como eles viam que se daria a unidade com a classe trabalhadora. Contudo, divergências à parte, o fundamental é, assim como nós, eles entendiam que não haveria como construir uma sociedade sem LGBTfobia sem que nos voltássemos, também, contra o sistema que a propaga e dela se beneficia: o capitalismo.

E, por isso mesmo, hoje, mais do que nunca, acreditamos que esta luta precisa ser, obrigatoriamente, travada com a classe trabalhadora, a única que pode nos conduzir à tomada do poder econômico e político, à destruição da propriedade privada e, consequentemente, a um mundo onde não só possamos suprir todas nossas necessidades materiais, mas também criar os mecanismos políticos e as bases culturais que nos garantam a igualdade, a justiça e a liberdade que, inclusive, reflitam a diversidade existente no interior da própria classe trabalhadora.

1º de Maio de 1980: “Contra a discriminação do trabalhador/a homossexual”

Neste sentido, a participação do Somos e seus aliados naquele 1º de Maio teve uma importância que extrapolava os muros do Estádio de Vila Euclides. Primeiro, ir ou não ao ato, atravessou todos os debates do I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais, realizado em São Paulo, em abril, culminando com uma plenária, aberta, com mais de 800 ativistas.

Como relatado no livro Homossexualidade: da opressão à libertação (Editora Sundermann, 2015, 2ª edição), durante a parte do Encontro fechada aos grupos, a participação no 1º de Maio foi derrotada por um voto. Contudo, uma moção em apoio aos metalúrgicos do ABC, em plena greve, apresentada na plenária final, e muito aplaudida, reacendeu os debates.

Dentro do Somos, também não havia consenso e, assim, o setor favorável à ida ao ato organizou uma “Comissão de Homossexuais Pró-1° de Maio”, contando com aliados de outras entidades, que também escreveu um panfleto que, além de levantar as pautas específicas do movimento, lembrava a todos e todas que, somos, sim, parte da classe operária. Uma parcela que, além da exploração capitalista, sofre com a opressão que se manifesta cotidianamente nos locais de trabalho.

“Somos mandados embora se o patrão souber que somos homossexuais. Ou nem chegamos a ser admitidos. Somos forçados a esconder as nossas preferências [ou orientação sexual, como diríamos, nos dias de hoje], fingindo uma padronizada masculinidade (no caso dos homens) ou igual feminilidade (no caso das mulheres) para não sermos alvos de piadas, agressões e isolamento”, dizia o panfleto.

De forma completamente oposta à previsão dos que se opuseram à participação do ato, ao invés de escorraçados e humilhados pelas dezenas de milhares que lotavam o Estádio o pequeno grupo, extremamente visível devido duas enormes faixas, foi recebido de forma entusiasmada, como também é relatado no livro.

“Havia certa apreensão por parte dos ativistas quanto à reação dos operários a essa atuação inédita na história do país. Mas, quando os 50 homossexuais, homens e mulheres, entraram no Estádio de Vila Euclides, a reação dos 100 mil operários ali reunidos foi das mais inesperadas. Aplaudiram vivamente o grupo que portava duas faixas: ‘Contra a intervenção nos sindicatos’ e ‘Contra a discriminação do trabalhador(a) homossexual’ (p. 32)

Enquanto isso, os membros do Somos que se opuseram à participação no ABC faziam um piquenique no Zoológico e, semanas depois, abandonaram o grupo, defendendo a impossibilidade de unidade com a classe trabalhadora, por serem homofóbicos e a oposição às posturas “de esquerda” que haviam tomado o Somos.

O fato é que o episódio não dividiu apenas o Somos. Ele é um marco divisor de águas entre duas concepções que, como afirmamos no início, extrapolam, inclusive, os limites do movimento LGBTI. No nosso caso, vale dizer que, naquela época, a participação no 1º de Maio foi decisiva inclusive para impulsionar o debate sobre o combate à LGBTfobia para dentro das organizações sindicais e políticas que estavam sendo criadas naquele exato momento, a começar pela CUT e o PT.

Além disso, também se refletiu, diretamente, nas lutas que se seguiram. Poucas semanas depois, no dia 13 de junho, por exemplo, cerca de 1,5 mil pessoas (muitas delas ativistas de entidades sindicais e estudantis) atenderam ao chamado das organizações LGBTIs, de mulheres, negros e negras e direitos humanos, para uma manifestação que, saindo do Teatro Municipal de São Paulo, percorreu as ruas do Centro contra a violência e  a repressão capitaneada pelo asqueroso Delegado Richetti. Leia mais no artigo “13 de junho: 40 anos de um marco da luta LGBT no Brasil”.

Em homenagem ao passado, mirando para o futuro

Resgatar esta história neste 1º de maio é importante não só para homenagear aqueles e aquelas que vieram antes de nós, a começar pelo “Mártires de Chicago”, que deram suas vidas para que, todos e todas nós, da classe trabalhadora, tivéssemos condições minimamente melhores de trabalho e vida, passando pelas LGBTIs que compreenderam a importância da luta combinada contra a opressão e a exploração.

Acima de tudo, este resgate é importante para lembrarmos que, mesmo nos tempos mais sombrios, lutar é possível. Para lembrarmos que mesmo os ainda muito insuficientes direitos básicos que conquistamos (importantíssimos, quando comparados aos anos 1980) foram arrancados com lutas, a maioria delas arrancadas em unidade com a classe trabalhadora ou em momentos de crise do sistema, sacudido pelas lutas gerais da sociedade. E, nestes embates, sempre, tivemos os mesmos inimigos: a burguesia, seus partidos e parlamentares e o sistema que eles defendem para garantir seus interesses e privilégios.

Por isso, resgatar estas história tem que nos servir para olhar para o futuro, com a certeza de que, há muito, a burguesia não tem disposição alguma para conceder “liberdade, igualdade e fraternidade” para “os de baixo”. E, por isso mesmo, somente unidos a eles, os mais explorados e oprimidos, nós, LGBTIs, poderemos construir uma sociedade da qual a opressão seja banida.