Protesto do grupo SOMOS contra Operação Limpeza

 Secretaria LGBT do PSTU-Rio de Janeiro

O mês de junho é internacionalmente dedicado a relembrar e retomar as lutas das lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT). A data faz alusão à revolta de Stonewall, um verdadeiro levante popular das LGBTs que questionou a violência da polícia, a criminalização e a marginalização. Esses questionamentos são mais atuais que nunca, principalmente quando vemos a realidade de negras e negros nos Estados Unidos, que neste momento estão protagonizando um levante justamente contra a opressão e a violência policial.                                                               

Os ventos de Stonewall chegaram aqui também

Já a respeito do Brasil, uma parte pouco lembrada foi protagonizada por lésbicas, gays, bissexuais e travestis em 13 de junho de 1980, há exatos quarenta anos. Foi o primeiro grande ato de rua organizado pelo movimento homossexual no Brasil, sendo importante passo para a luta atual das LGBTs contra a opressão e parte da luta contra a ditadura civil-militar. O ato se concentrou nas escadarias do Teatro Municipal e seguiu em marcha até o Largo do Arouche, local onde historicamente LGBTs frequentam e residem.

Desde abril de 1980 estavam ocorrendo sistematicamente prisões, espancamentos e tortura de LGBTs na região central da cidade de São Paulo, incluindo o Largo do Arouche. A polícia invadia bares, cinemas e saunas, levando todos que ali estivessem. A violência sexual e a extorsão eram também rotina nessas batidas. Esses ataques às LGBTs eram parte das operações Limpeza e Rondão que estavam sob comando do delegado da Polícia Civil José Wilson Richetti. Na prática era um recrudescimento das políticas moralistas e LGBTfóbicas que a ditadura defendia.

O ataque foi brutal e, apesar de ter como foco a população LGBT, negros e negras e prostitutas, a operação prendia qualquer pessoa que fugisse dos padrões morais defendidos pela ditadura. Em uma semana 1500 pessoas foram presas, sendo 187 travestis em uma única noite.

Houve ainda toda uma preparação e apoio midiático e político para que as batidas ocorressem, sendo frequente o posicionamento de jornais de grande circulação denunciando uma suposta invasão de travestis na região central de São Paulo ou ainda a defesa do então governador Paulo Maluf que argumentava que os ataques de Richetti correspondiam a uma “guerra sem quartel”. Isso tudo demonstra que na realidade os ataques policiais não foram uma medida isolada, mas sim uma política concreta de perseguição, controle social, remoção e guetificação dos trabalhadores LGBTs, mulheres e negros articulado, incentivado, financiado e apoiado pela ditadura militar no Brasil. Utilizavam-se da Lei de Vadiagem  que exigia identificação e carteira de trabalho assinada. Isso numa capital com 1 milhão de desempregados já no final dos anos 70. Dentre esses havia muitas Mulheres, negras e negros e LGBTs.

O jornal O Estado de São Paulo articulou uma campanha antes do início da operação, anunciando que existia um plano específico de perseguição, prisão e guetificação das LGBTs. Na edição de 1° de abril de 1980, por coincidência, aniversário do golpe militar, o Estado de são Paulo apresentava que, para além das prisões, a Ditadura pretendia estabelecer prédios específicos e esvaziar parte da cidade para instalar permanentemente as LGBTs. Isto é, empurrar os setores oprimidos cada vez mais para as periferias. O jornal defendia que estas medidas eram maneiras de combater as travestis e higienizar os bairros residenciais[1].

Não é por acaso que os estabelecimentos escolhidos para as batidas eram os cinemas, bares e saunas. São locais historicamente procurados pelas LGBTs, na tentativa de estabelecer uma vida social longe do preconceito e opressão cotidiana. Da mesma maneira, também em junho, mas em 1969 e no bairro do Village em Nova York, uma batida policial resultou na Revolta de Stonewall, que colocou a polícia pra correr e foi o pontapé inicial do Movimento LGBT contemporâneo. Essas batidas e perseguições a estabelecimentos buscam restringir ainda mais o direito das LGBTs à vida social e às suas identidades de gênero e orientação sexual.

Travesti é detida durante Operação Limpeza

O movimento se organiza, enfrenta a ditadura e responde nas ruas!

Anteriormente aos ataques policiais orientados à comunidade LGBT, já existia um forte processo de organização do então chamado movimento homossexual no Brasil, com a formação de diversos grupos homossexuais e também através da imprensa alternativa, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, tendo como principais veículos o jornal Lampião de Esquina e o boletim Chana com Chana. Estes eram perseguidos pela Lei de Imprensa da ditadura, que dava poderes ao governo de censurar ou fechar jornais sob a justificativa de divulgar matérias atentatórias à “moral e aos bons costumes”.

Todo esse processo organizativo estava inserido em uma conjuntura em que cada vez mais a ditadura civil-militar perdia suas bases de sustentação e era empurrada para a reabertura, frente às greves operárias, às lutas da classe trabalhadora e da juventude.

As LGBTs faziam parte desses processos de luta mesmo antes da formação dos grupos homossexuais: seja nas greves operárias que sacudiram o ABC, seja nas lutas estudantis que retomaram as ruas nos últimos quatro anos da década de 70.  Essas mobilizações e a formação de uma vanguarda combativa foram essenciais para que ocorresse uma aglutinação e organização das lésbicas, gays, bissexuais e travestis.

Um dos primeiros grupos a se formar no Brasil foi o SOMOS – Grupo de Afirmação homossexual.  O SOMOS teve ainda grande importância neste início do movimento do Brasil, sendo um dos organizadores do ato de 13 de junho de 1980. Juntamente a grupos feministas, ao movimento negro e organizações de esquerda, construiu a mobilização que contou com mais de 1000 pessoas e significou o primeiro grande ato de rua LGBT no Brasil

A Convergência Socialista, organização que deu origem ao PSTU, participou da fundação do SOMOS e de momentos mais importantes da história do grupo: o 1° de maio de 1980 quando parte do SOMOS participou do ato histórico na Vila Euclides levando faixas de apoio dos operários em greve e do Encontro de Grupos Homossexuais na USP. Também nas mobilizações de 13 de junho a Convergência esteve como uma das organizações que convocaram o ato.

A articulação entre o combate às opressões e as pautas gerais da classe trabalhadora foi fundamental para contestar o plano racista e LGBTfóbico de prisões, violência policial, tortura, extorsão e despejo das moradias através das operações Limpeza e Rondão. Para isso, foi escrito também um panfleto assinado por todas as organizações presentes, dialogando com a população e exigindo: a destituição de Richetti, contra a violência policial, contra a perseguição às prostitutas, negros e LGBTs, contra o desemprego e contra discriminação racial e sexual.

Delegado Richetti

Polícia: ferramenta burguesa a serviço da opressão

Recentemente, o mundo tem acompanhado a luta antirracista que está tendo como epicentro os Estados Unidos. A explosão social em curso partiu justamente em resposta a mais uma ocorrência da violência policial. George Floyd foi assassinado pela polícia de Minneapolis, estrangulado até a morte em um típico ataque racista patrocinado pelo estado em 25 de maio.

Esse caso deixa claro que a violência policial é uma das práticas essenciais para o controle social e para a manutenção do sistema capitalista. Este braço armado do Estado está sempre à disposição para reprimir as manifestações dos trabalhadores e completamente submerso nas ideologias racistas, LGBTfóbicas e machistas. Entre as LGBTs, o alvo principal da polícia no Brasil e no mundo são as travestis e transexuais que, por falta de acesso ao emprego e à formação, são levadas à prostituição em sua maioria.

A PM brasileira é uma herança direta do regime militar e da escravidão. Estão a serviço do genocídio da juventude negra e que não poupa a vida sequer das crianças negras. Agatha, João e diversas outras crianças foram covardemente assassinas pela polícia. Trabalhadores negros e negras sequer têm sossego mesmo no período de pandemia e muitas vezes são mortas dentro de suas casas!

Quanto às LGBTs, ainda persiste a violência policial, sobretudo às pobres e negras e travestis, como por exemplo: a batida policial no bar da Ângela no bairro Guamá em Belém do Pará, que contou com xingamentos, humilhações e extorsões feitas pelos policiais em janeiro de 2012. Se não bastasse a agressão vivida por Luana Barbosa; negra, lésbica e periférica, que foi brutalmente espancada em uma abordagem policial ao levar seu filho de 14 anos à aula de informática no ano de 2016. E não fica por aí, Guilherme Kieras e João Henrique foram agredidos por doze policiais militares no carnaval de São Paulo em 2019, sofreram com socos e um ‘mata leão’ que desacordou o primeiro. Basta! Vidas LGBT e Negras importam!

Exigimos

– Desmilitarização da PM!

– Uma polícia eleita pelos trabalhadores.

– Criação de casas abrigo para LGBTs vítimas de violência e em vulnerabilidade.

-Punição exemplar aos policiais agressores.

-Fora Bolsonaro, Mourão e seus capangas.

– Uma sociedade socialista sem opressão e exploração!

Referência:

[1] (Ditadura e Homossexualidades: Iniciativas da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, 2013).