Pedro Henrique, do PSTU (RJ) e Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU
Faleceu, neste dia 4, no Rio de Janeiro, o ator Paulo Gustavo, em consequência de complicações da COVID-19. O ator, que tinha apenas 42 anos, e era pai de duas crianças com pouco mais de um ano, estava internado desde o dia 13 de março, em um hospital da zona sul da cidade, e mesmo com todas as intervenções que sofreu e o tratamento com aparelhos de ponta, como ECMO (uma espécie de pulmão artificial), não resistiu ao grave quadro.
O ator era amplamente reconhecido pelo seu trabalho no teatro, cinema e televisão, tendo alcançado grande sucesso com seu humor baseado na vida cotidiana e em personagens de personalidades marcantes, muitos deles LGBTIs ou rompendo as fronteiras da identidade de gênero, como a impagável Dona Hermínia, inspirada em sua própria mãe, e protagonista dos filmes “Minha mãe é uma peça”.
Por isso mesmo, Paulo Gustavo, que nunca deixou se manter preso ao “armário” construído pela opressão, se transformou numa grande referência como artista LGBTI, influenciando toda uma geração de comediantes, atores atrizes.
Sua postura, ousada na Arte e na vida, ao mesmo tempo em que ganhou a admiração de fãs em todo país, também atraiu a ira LGBTfóbica e fundamentalista, algo que assumiu dimensões particularmente cruéis no período da sua internação, quando o Pastor Olímpio, da Assembleia de Deus, declarou estar rezando para que o “diabo o carregasse”, como noticiamos no artigo “Crueldade fundamentalista: pastor reza pela morte do ator Paulo Gustavo”.
Uma vida celebrando a diversidade e a alegria
Nascido em Niterói, Paulo formou-se pela Escola de Teatro da Casa de Artes Laranjeiras e começou a se destacar, em 2004, na peça “Surto”, quando apresentou ao público a personagem Dona Hermínia, inspirada em sua mãe, Déa Lúcia. Nos palcos, Paulo brilhou, ainda, em “Infraturas”, “Minha Mãe É uma Peça” (que deu origem aos filmes, em 2013), “Hiperativo”, “220 Volts” e “Online”.
Estreou na TV em 2006, na novela “Prova de amor” (Record), participando, depois, em seriados “Minha nada mole vida” e “A diarista”. De lá até ser atingido pela pandemia, realizou várias outras produções, sempre interpretando, com respeito, irreverência e criatividade, múltiplos e hilários personagens, como Senhora dos Absurdos e Maria Enfisema, dentre outros.
Como no caso de todo ou qualquer artista, sua trajetória não foi isenta de polêmicas ou mesmo erros. Mas, há de se destacar que, pelo menos no seu caso, ele demonstrou sensibilidade e autocrítica em relação a eles. O maior, talvez, tenha ocorrido em 2016, quando ao representar uma mulher negra, Ivonete, foi acusado de fazer “black face” (uma prática do teatro norte-americano, no século 19, que satirizava e ridicularizava negros e negras, representando-os de forma extravagante e caricata). Depois de ouvir as críticas, Paulo, mesmo fazendo ressalvas, decidiu mudar a etnia da personagem, em respeito à população negra.
“Li, ouvi, pensei e entendi que há uma longa discussão sobre o uso de “blackface” muito anterior e muito maior do que eu, minha carreira, minha personagem e o 220 volts, por isso decidi refazer a Ivonete sem que ela pareça uma caricatura risível da mulher negra. Ela não é. Ivonete é esperta, crítica, consciente e questionadora. (…) Ela se revolta, reclama, exige, sofre, mas não perde o rebolado, mantém-se de cabeça erguida, forte, guerreira e sobretudo alegre. Mas o blackface historicamente remete a experiências que são dolorosas para muitas pessoas e, mesmo não sendo a intenção, eu peço desculpas se ofendi ou magoei alguém. Eu posso pintar minha pele, posso fingir, representar, tentar dar voz a essa mulher, mas eu nunca saberei de verdade como é ser uma mulher negra. Nos textos, a alegria da personagem não fazia dela uma alienada, mesmo assim eu compreendi que a negra animada é um estereótipo que os movimentos negros combatem com razão pois na vida real, muitas vezes, não é nada engraçado. Apesar de conhecer e adorar muitas Ivonetes, ser negro no Brasil é difícil sim. Como ser mulher também é difícil; como ser gay também é difícil”, lamentou em postagem nas redes sociais.
Transformar o luto em luta!
A militância do PSTU, particularmente nós, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexos, transmitimos toda nossa solidariedade aos seus familiares, em especial seu marido, o médico Thales Bretas, e seus filhos, Gael e Romeu, seus colegas de trabalho e seus fãs.
Paulo Gustavo, infelizmente, se juntou às mais de 411 mil vidas perdidas neste país. Para que histórias tristes e lamentáveis como a dele parem, é preciso por um fim ao genocídio em curso! E, pra isso, é preciso, em primeiro lugar, botar para fora Bolsonaro e Mourão, quebrar as patentes e garantir vacina para todos, estancar o colapso no sistema de saúde e garantir tratamento de qualidade e gratuito para todos e todas.
Particularmente no que se refere a Bolsonaro, nosso ódio e desprezo ao presidente genocida, só aumentou diante de uma postagem no Twitter, feita após a morte do ator. Algo que só podemos considerar um deboche, típico da seu caráter miliciano e autoritário, sempre disposto a tripudiar sobre o sofrimento alheio. “Meus votos de pesar pelo passamento do ator e diretor Paulo Gustavo, que com seu talento e carisma conquistou o carinho de todo Brasil. Que Deus o receba com alegria e conforte o coração de seus familiares e amigos, bem como de todos aqueles vitimados nessa luta contra a Covid.”
É exatamente por não acreditamos em seus votos e considerá-lo responsável direto pela morte de quase 411 mil outros Paulos Gustavos país afora, em função de seu negacionismo e aposta na “preservação da saúde da economia” (sempre contando com a cumplicidade de governadores e prefeitos) que acreditamos que não é possível esperar pelos resultados da CPI da Pandemia, muito menos pelas eleições de 2022. É preciso, agora e já, lutarmos pela construção de uma greve geral sanitária. É preciso transformar o luto em luta!