Secretaria Nacional LGBT
Por Dayse Oliveira, Dani Bornia (PSTU Niterói/São Gonçalo) e Pedro Henrique Ferreira (PSTU Rio de Janeiro)
Na quinta, 15 de abril, o pastor José Olímpio, da Igreja Assembleia de Deus de Alagoas, publicou, no Instagram, uma imagem do ator Paulo Gustavo dizendo “orar para que o dono dele o leve para junto de si”. Como se sabe, o ator está internado numa Unidade de Terapia Intensiva, desde 13 de março, lutando bravamente contra o COVID-19, que o colocou em estado grave, com sua vida sendo mantida através da respiração artificial, vários aparelhos e procedimentos cirúrgicos.
A “praga” rogada pelo pastor e o desejo que “o diabo o carregue” se devem ao fato do ator ser gay e casado com o médico Thales Bretas, com quem tem dois filhos, além de ter construído uma sólida carreira no teatro, no cinema e na TV, frequentemente representando personagens LGBTIs e femininas, sempre com respeito e excelente senso de humor, o que o transformou em referência para comediantes e atores LGBTIs das gerações mais recentes.
Diante da péssima repercussão, inclusive dentre fiéis das igrejas evangélicas, o pastor fundamentalista e ardente bolsonarista retirou a postagem de suas redes sociais e apresentou uma desculpa esfarrapada. Mas, já era tarde. Seu crime e sua asquerosa crueldade já haviam se tornado públicos. E, agora, há dezenas de entidades dos movimentos LGBTIs e de direitos humanos, além do Ministério Público, entrando com processos contra ele.
Uma crueldade desumana, para além das religiões
A popularidade do ator e seu estado crítico têm provocado uma onda de comoção, até mesmo porque, durante os últimos dias, acreditou-se que ele, lamentavelmente, poderia se juntar às mais de 370 mil vítimas do genocídio praticado por Bolsonaro, com a conivência de prefeitos e governadores e todos que colocam a “saúde da Economia” à frente da vida da população.
Contudo, em meio às muitas demonstrações de solidariedade, também não têm faltado exemplos de ataques LGBTfóbicos, principalmente nas redes sociais. Mas, com certeza, poucos foram tão asquerosos e inaceitáveis como o desferido pelo Pastor Olímpio, até mesmo porque ele, como assessor e braço direito do reverendo José Orisvaldo Nunes de Lima, presidente da Assembleia de Deus no estado, falou (mesmo que, agora, negue) em nome da instituição religiosa que representa.
Por isso mesmo, de imediato, queremos ressaltar que as críticas que fazemos e a punição exemplar que exigimos não devem ser confundidas com uma condenação daqueles e daquelas que são fiéis evangélicos, cristãos ou, inclusive, adeptos de quaisquer outras religiões. O marxismo, por princípio, defende a mais ampla liberdade religiosa.
Nossos questionamentos e oposição relacionam-se com as instituições e indivíduos que se apropriam da fé popular e se enredam nas estruturas da sociedade capitalista para, literalmente, defender seus interesses privados (e nada religiosos) e, ainda, pregar preconceitos e opressão, utilizados, desde sempre, para superxplorar enormes setores da população, tentar dividir a classe trabalhadora e, assim, enfraquecer nossas lutas contra o capitalismo.
Essas práticas não são exclusivas das denominações evangélicas, nem mesmo do cristianismo. Há, também, lamentáveis exemplos dentre correntes do Islamismo, de crenças orientais e de religiões praticadas por povos originários mundo afora. Como também há saudáveis exceções. Contudo, o denominador do comum do grupo no qual a Assembleia se enquadra é o mesmo: fundamentalismo religioso, colocado a serviço de uma crueldade desumana. Algo no que a igreja pastoreada por gente como Olímpio é horrorosamente exemplar.
A Assembleia de Deus e a sua longa história de demonização das LGBTIs
O fato é que o ataque do pastor ultraconservador a Paulo Gustavo se baseia na feroz LGBTfobia que caracteriza a Assembleia de Deus, basta lembrar que dentre seus membros mais venerados estão figuras nefastas como Silas Malafaia, Eduardo Cunha e Marcos Feliciano.
Malafaia, que, além de telepastor e vice-presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (CIMEB), foi um dos principais dirigentes, em junho de 2018, de uma manifestação diante do Congresso Nacional, contra o Projeto de Lei 122 (PL 122), que, em suas palavras, ao criminalizar a LGBTfobia, seria a “primeira porta para a pedofilia”. Também foi ele que espalhou cerca de 600 outdoors pela capital carioca com os dizeres “Em favor da família e da preservação da espécie humana. Deus fez macho e fêmea. Deus é mais, homossexuais são menos”.
Cunha, hoje cassado por corrupção e em prisão domiciliar, foi uma das vozes mais ativas contra as LGBTIs no Congresso. São de sua autoria projetos como o que visava a proibição da adoção de crianças por homossexuais, o que tentou criar o “Dia do Orgulho Heterossexual” e, outro, que criminalizava a “heterofobia”, além de várias iniciativas contra o “casamento gay” e declarações sobre o perigo da instalação de uma “República Gay” no país.
Outra de suas lamentáveis contribuições, esta com a benção do Partido dos Trabalhadores, foi ter ajudado a colocar, em 2013, o deputado e empresário Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, um verdadeiro insulto, já que o pastor da Catedral do Avivamento (igreja neopentecostal ligada à Assembleia de Deus) é conhecido por frases como “A podridão dos sentimentos homoafetivos leva ao ódio, ao crime e à rejeição” (2011), “A Aids é o câncer gay” (2012) ou que “[A homossexualidade] é uma doença que pode levar ao assassinato” (2013), dentre muitas, muitíssimas, outras barbaridades.
Atrocidades que, assim como no caso de outros pastores, não se limitam a LGBTIs, já que todos eles também são conhecidos por declarações machistas e racistas. O fato é que, para estes exploradores da fé, a punição cabível pelo “pecado” de ser LGBTI é a morte e a abertura das portas do inferno ainda na terra. Seja a desejada para Paulo Gustavo, seja a promovida pela falta de direitos e acesso a serviços, seja a que se manifesta na violência, que faz com que o Brasil siga sendo o país do mundo onde mais LGBTIs sejam mortos, ano após ano.
E vale destacar que a “naturalidade” com a qual tipinhos como Olímpio defendem a simples “não-existência” de LGBTIs é tamanha e tão despropositada que transparece até mesmo no momento de se desculpar por aquilo que é imperdoável. “(…) Peço desculpa, pois nunca foi intenção do meu coração ferir, ofender ou machucar a nenhum dos ofendidos. A começar do ator Paulo Gustavo (…). A minha insensatez foi tentar defender a honra de meu Deus, muitas vezes ultrajada de muitos modos”, escreveu Olímpio, no dia 19, quando dezenas de processos apontavam em sua direção e até mesmo o Conselho de Ética de sua instituição estava sendo pressionado a adverti-lo.
O acirramento do fundamentalismo sob Bolsonaro e a pandemia
É evidente que o Pastor Olímpio sentiu-se “à vontade” para dizer o que disse porque está sintonizado com o governo Bolsonaro e faz parte daqueles que buscam bodes expiatórios para responsabilizar pelo genocídio em curso, e, ainda, desviar a atenção da combinação explosiva da crise sanitária com a econômica, social e, também, política.
Contudo, fazer de um gay um alvo preferencial nesta história é algo que tem caracterizado o discurso fundamentalista desde o início da pandemia, como discutimos no artigo “Covid-19 e as LGBTs: fundamentalismo religioso, LGBTfobia e ataque à Ciência”, relatando como aqui, nos Estados Unidos, no México, em Israel ou na Europa, não foram poucos os que associaram o coronavírus à “ira de Deus” contra a liberalidade das LGBTIs, lhes deram o nome de “homovírus” ou defenderam que a pandemia era uma “retribuição de Deus” contra as Paradas do Orgulho LGBT.
Uma situação que, evidentemente, encontra terreno fértil no governo Bolsonaro que pode ser comparado a uma ilha, em plena Terra Plana, cercada de fundamentalismo e negacionismo por todos os lados e habitada por figuras como a ministra-pastora Damares Alves, responsável pelo ministério da “Mulher, Família e Direitos Humanos”; o atual ministro da Educação Milton Ribeiro (também pastor e militar da reserva do Exército); ou, ainda, os muitos pupilos e seguidores do guru esotérico-cristão Olavo de Carvalho.
Um governo que não só estimula a violência LGBTfóbica através de falas e posturas que dividem o mundo “em rosa e azul” ou defendem, abertamente, que prefeririam um filho morto a um herdeiro gay, como também alimenta o fundamentalismo de forma bastante concreta, como através do Projeto de Lei 1581/2, que dá às igrejas o perdão de mais R$ 1 bilhão em dívidas de impostos, significando, na prática, um repasse bilionário para figuras como Malafaia, Olímpio, Edir Macedo, dentre muitos outros.
Repudiar o fundamentalismo e defender a vida
O ataque nojento, desumano e criminoso ao ator Paulo Gustavo, seus familiares, amigos e fãs é, na verdade, um ataque a todos e todas nós LGBTIs. E mais: é uma agressão a todo povo brasileiro, particularmente os mais pobres, negros, indígenas e periféricos, já que praticamente não há uma única pessoa que não tenha se enlutado pela perda de um familiar, amigo ou colega, dentre os mais 370 mil mortos, ou sofrido com os horrores que acompanham o tratamento precário dado aos 14 milhões de infectados, em meio ao colapso do sistema de saúde.
Por isso, ao mesmo tempo em que é necessário estender nossa solidariedade incondicional ao ator, também é preciso tomar esta história como exemplo da necessidade de lutarmos pela vida de todos e todas, a começar por aqueles e aquelas que sequer têm acesso à rede hospitalar ou estão morrendo sem conseguir tratamento adequado, respiradores mecânicos ou até mesmo sedativos para intubação, jogados nos corredores da Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e sem acesso às UTIs.
É preciso unificar toda indignação contra o discurso de ódio contra as LGBTIs proferido pelo pastor ao nosso repúdio ao governo, exigindo o “Fora Bolsonaro e Mourão, já”, além da imediata quebra das patentes, da vacinação para todos e da quarentena geral, com auxílio-emergencial digno. Algo que, acreditamos, só poderá ser conquistado com a organização de uma greve geral sanitária, que derrube esse governo LGBTfóbico e genocida.
Em relação ao pastor, especificamente, é preciso exigir punição exemplar pelo crime cometido. E que isto, inclusive, sirva para que avancemos na conquista de um Estado realmente laico, onde líderes e instituições religiosas não interfiram, de forma alguma, em questões públicas. Coisa, diga-se de passagem, que sequer foi garantida durante os governos petistas, que promoveu negociatas escusas com parlamentares-pastores, rifando os direitos LGBTIs, e, ainda, deixou público seu não-compromisso com questões como “aborto, formação familiar, uniões estáveis”, através da “Carta Aberta ao Povo de Deus”, assinada por Dilma, em 2010.
Por isso, também, dar uma resposta urgente aos ataques do pastor José Olímpio e de Bolsonaro implica em apontar uma saída revolucionária e socialista, no sentido de se avançar na organização, por baixo, dos trabalhadores e do povo pobre e oprimido, rumo a um governo dos trabalhadores, apoiado em conselhos populares. Só assim é possível superar a LGBTfobia, o racismo e o machismo, mas também a pandemia, o desemprego, a fome e a miséria.