Representação da variante Ômicron do vírus SarsCov 2
Dr. Ary Blinder, médico do SUS em São Paulo (SP)

O hemisfério norte vivencia no momento a quarta onda da Covid-19, basicamente causada pela disseminação da variante Ômicron. Esta variante, detectada originalmente na África do Sul, tem uma transmissibilidade muito maior do que as cepas anteriores, levando a recordes do número de casos novos diários no mundo. Por outro lado, tem causado casos menos graves, então, por hora, a explosão de casos novos não está sendo acompanhada por um aumento proporcional de hospitalizações e óbitos.

Ainda não se tem certeza se isso ocorre apenas devido à proteção imunológica trazida pela vacinação em massa ou se, além disso, o fato da Ômicron atacar mais as vias aéreas superiores e menos os pulmões também é um fator de igual importância. O que já se sabe é que as hospitalizações por Ômicron são muito mais frequentes na população não vacinada, assim como os óbitos. A vacinação se mostra um fator de proteção de primeira magnitude.

Nos Estados Unidos, onde esta cepa já é a dominante, crescem exponencialmente os casos novos, inclusive em crianças. Por isso, a discussão de vacinação das crianças se tornou um dos temas mais importante e mais um palco de luta entre os defensores do método científico e os negacionistas. Esta luta se manifestou no Brasil através das ridículas manobras protelatórias de Bolsonaro e Queiroga, que recorreram a uma inacreditável “pesquisa popular” para decidir se a população é favorável à vacinação infantil e se deveria se exigir pedido médico para cada criança a ser vacinada.

A tal pesquisa popular acabou se voltando contra a posição de Bolsonaro e Queiroga de exigir pedido médico obrigatório, culminando em mais uma derrota do governo genocida, mas eles conseguiram adiar em pelo menos um mês o início da vacinação das crianças, o que é extremamente grave em um momento de crescimento acelerado da Ômicron no mundo. Colocam em risco a vida das crianças e aumentam a possibilidade de elas serem transmissoras do vírus para os mais velhos.

Esta cepa é tão contagiosa que a França, que também vem batendo recordes diários de novos casos, acaba de autorizar que médicos portadores de Covid possam continuar a atender pacientes. Uma decisão desesperada e equivocada que mostra o temor da possibilidade de falência iminente do sistema de saúde. Esta decisão só mostra quão errada foi a política anterior de não tornar a vacinação obrigatória para toda a população, o que leva agora a esta postura desumana de deixar contaminados atenderem pessoas vulneráveis, além de ser cruel com os profissionais doentes.

A Europa do leste também vem assistindo a uma crescente onda de contaminações, hospitalizações e óbitos, que se iniciou inclusive antes da Ômicron, com a cepa Delta. Rússia, Polonia, Ucrânia e Romênia (entre outros) tem apresentado números alarmantes. Chama muito a atenção o caso da Rússia. Estima-se, baseados em dados da agência russa de estatísticas Rosstat, que a Rússia já tenha ultrapassado o Brasil em número de óbitos, tendo chegado a mais de 660 mil. O número admitido pelo governo Putin é de 313 mil mortos, ou seja, menos da metade.

Frente à explosão de casos no hemisfério norte, para além da atitude desesperada do governo francês, no geral, a postura dos governos (que refletem suas respectivas classes dominantes) está sendo de fingir que a situação está sob controle. Não basta o esforço de vacinação, é fundamental voltar a recorrer a medidas não farmacológicas, ou seja, é urgente o retorno a medidas severas de distanciamento social, os famosos lockdowns, além do uso de máscaras. Os governos relutam em tomar esta providência por pressão de suas burguesias que não querem medidas de esfriamento econômico, mas é a melhor maneira de conter a pandemia, uma combinação de vacinação em massa com distanciamento social.

A burguesia dos países imperialistas também não avança em uma medida fundamental para conter a pandemia, que é garantir a vacinação em massa nos países mais pobres. Ainda é baixa a porcentagem de vacinados em vários países da África e parte da Ásia, o que é um grave problema para estes países, mas também para o conjunto do mundo, pois com o maciço trânsito global de pessoas e mercadorias o vírus e suas variantes se espalham em velocidade espantosa. Desde o início da pandemia temos insistido neste ponto e na necessidade de quebra de patentes das vacinas. Até o presidente Biden chegou a timidamente sugerir isso, mas não houve progresso e o mundo está pagando o preço pela covardia dos governos.

Frente a tudo isso, infelizmente o Brasil navega às cegas. Afirmamos isso não como figura de linguagem. É um fato. Estamos às cegas frente à pandemia por dois fatores principais. O primeiro já foi várias vezes denunciado e comentado, a subnotificação de casos e mortes). A subnotificação se dá principalmente porque somos um país em que a taxa de testagem é muito baixa. Precisamos testar muito mais não por uma questão de preciosismo estatístico, mas para ter uma correta visão de onde há mais casos novos e que medidas para evitar a transmissão precisam ser tomadas.

Um segundo fator veio agravar em muito o problema da subnotificação. Desde que o Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker aos seus sistemas de informática, os municípios e estados tem tido considerável dificuldade de atualização de dados. Por mais que o ministério da saúde diga que está providenciando o conserto de seus sistemas, não há um dia sequer desde o ataque que vários estados não consigam informar seus dados novos, o que causa um represamento grave de números. Este problema, que já era extremamente grave no início de dezembro, quando vivíamos uma onda decrescente de casos, agora com a chegada da Ômicron se transforma literalmente em questão de vida ou morte. Até hoje não se sabe quem foram os autores do ataque hacker, mas é evidente que serviu aos propósitos dos negacionistas de criarem um clima de que a situação da Covid não é tão grave. Diga-se de passagem, mesmo antes dos hackers já havia acontecido um problema de mudança de critérios para se atualizar dados de testagem rápida de Covid no ministério (desde setembro) que já havia causado um aumento da subnotificação de casos novos.

Agrava ainda mais a situação sanitária o fato de estarmos com outra epidemia concomitante, que é o surto de influenza causado pelo H3N2. A vacina para influenza usada na campanha de vacinação de 2021 não é específica para H3N2, além de que os números desta campanha não foram satisfatórios. Já foram detectados vários casos de “Flurona”, em que o paciente tem Covid e Influenza ao mesmo tempo. Obviamente, os mais vulneráveis a estas infecções são a população que não se vacinou e se recusa a usar a proteção das máscaras faciais e os profissionais de saúde que tem de continuar a atender a todos os casos novos que se acumulam.

Esta é a situação atual. Provavelmente já estamos em um novo ciclo de crescimento acentuado de casos novos de Covid provocados pela Ômicron, a vacinação de crianças submetida a um atraso injustificável e desnecessário, as medidas de distanciamento social sendo solenemente esquecidas por todos os governos, inclusive os de oposição  e o país segue sendo governado por um presidente que não sabe mastigar direito os camarões que devorou em suas férias em Santa Catarina, enquanto Bahia e Minas vivem tragédias causadas pelas chuvas e enchentes.