Roberto Aguiar, de Salvador (BA)
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)
O teatro brasileiro perdeu um dos seus mais importantes filhos. José Celso Martínez Corrêa, o Zé Celso, nos deixou, aos 86 anos, na manhã de hoje, 6 de julho de 2023. Ele estava internado no Hospital das Clínicas, na capital paulista, desde a última terça-feira, dia 4, depois de ter tido 53% de seu corpo queimado em um incêndio causado por um aquecedor elétrico que destruiu seu apartamento.
“Você é uma força sagrada da nossa resistência criativa”, disse a atriz Fernanda Montenegro sobre Zé Celso, ontem, em suas redes sociais. Assim como ela, o Brasil torcia pela recuperação da saúde do dramaturgo. Infelizmente, Zé não resistiu.
Rebeldia nos palcos
Zé Celso era um revolucionário rebelde. Fez do teatro uma ferramenta de luta contra a ditadura militar e satirizava a moral e o bons costumes da sociedade capitalista. Foi nesse embate que revolucionou o teatro brasileiro, construiu um estilo próprio de atuação, foi mestre das grandes atrizes e atores e tornou-se o principal tradutor do tropicalismo para os palcos.
Nos anos de 1960, ao lado de Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser, Amir Haddad e Ronaldo Daniel, participou da fundação do Teatro Oficina, espaço cultural que se tornou símbolo do teatro brasileiro.
Em 1967, o Oficina ganha destaque com a histórica montagem de “O Rei da Vela”, baseada no livro de mesmo nome escrito em 1933 por Oswald de Andrade. Uma sátira que afrontava a ditadura militar e o comportamento subserviente do Brasil ao imperialismo e seu mundo desenvolvido. Na peça, sob sua direção, resgatava o conceito da antropofagia modernista, rompia com o modelo de teatro europeu dominante no país e inauguração um novo modelo de atuação nos palcos.
Suas peças eram uma espécie de ‘tapa na cara’ do moralismo conservador, fazia uso da nudez e sempre pautava a doutrina das coisas que devem acontecer no fim do mundo. Transgressão, adjetivo que podemos usar com tranquilidade. Ele agredia a ordem vigente, elemento que se tornou constitutivo da poética do Oficina.
Em 1968, voltou a peitar os militares ao estrear no Rio de Janeiro a peça “Roda Viva”, baseada na composição de Chico Buarque. Com a grande Marília Pêra e Antônio Pedro nos papéis principais, o espetáculo criticava a sociedade de consumo no drama de um cantor que decide mudar de nome, manipulado pelos desígnios da indústria cultural.
O Ato Institucional nº5, o AI-5, já estava em vigor. Aumentou a perseguição e a censura aos artistas. Durante a exibição de “Roda Viva” em São Paulo, os militares invadiram o Teatro Ruth Escobar, agrediram os artistas e destruíram o cenário. A peça foi censurada após uma apresentação em em Porto Alegre (RS).
Zé Celso foi preso numa solitária e torturado pelos ditadores, em 1974. Ele se exilou em Portugal. Lá, ele seguiu atuando e montou o espetáculo “Galileu Galilei”, baseado na teoria do dramaturgo alemão Bertold Brecht. Em 2010, Zé Celso foi anistiado pelo Estado brasileiro, recebendo também uma indenização de R$ 570 mil.
Adeus ao Mestre!
Fernanda Montenegro, Marieta Severo , Zezé Motta, Marília Pêra, Othon Bastos, Etty Fraser, Dina Staf, Bete Coelho, Augusto Boal e uma lista gigante que ocuparia muitos parágrafos neste texto foram dirigidos por Zé Celso. Afirmar que ele é o maior nome da dramaturgia nacional não é exagero. O teatro brasileiro sofre um grande golpe com a sua morte, mas segue em pé, vivo e atuante pelos diversos filhos de palco que Zé Celso criou, educou e lapidou para a vida artística.
Nos despedimos do talento, da garra e da ousadia do menino nascido em Araraquara, no interior de São Paulo, em 1937. Ele que estudou para ser advogado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas que fez do palco do teatro seu púlpito de oratória.
Zé Celso deixa o marido, Marcelo Drummond, ator do Oficina, com quem viveu durante 37 anos. Eles casaram no mês passado, na sede do teatro. Deixa milhares de fãs e admiradores de sua arte. Deixa o teatro brasileiro em luto, sem abandonar a luta.
Zé Celso, presente!