Não é fácil escrever sobre Carlos Marighella. Por uns, é visto como um terrível terrorista; para outros, um grande revolucionário. Outros o vêem como um stalinista inveterado; e ainda há aqueles que o vêem como poeta e sonhador.

Em minha opinião, Marighella era um homem do partido comunista, do seu tempo, de sua escola e de sua tradição.

Negro e baiano, nasceu em Salvador em 5 de dezembro de 1911. Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932, como estudante, após escrever um poema com fortes ataques ao interventor Juracy Magalhães. Em 1934, abandonou o curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Bahia e entrou no Partido Comunista do Brasil (PCB), quando se deslocou para o Rio de Janeiro. Não participou e, talvez, nem soubesse da Intentona Comunista, mas a reivindicou até a morte.

Permaneceu no partido até 1967. Foram mais de 30 anos em que a atividade de Marighella esteve intrinsecamente ligada com a atividade dos comunistas no Brasil. Mesmo depois, ao fundar a Ação Libertadora Nacional (ALN), seja pelas polêmicas políticas ou pela contraposição de atividades, a relação com o PCB se manteve.

Atritos com o PCB

Jacob Gorender levanta a tese que, já em 1945, Marighella discordasse da estrutura de partido leninista, e por isso estaria contra as decisões da Conferência da Mantiqueira e não a reconhecesse, defendendo a concepção de um partido “mais amplo do que poderia ser um partido só de marxistas”.[1] No entanto, outra hipótese, é que Marighella se insurgiu contra esta conferência porque a considerou “golpista”, realizada pelos dirigentes que não estavam no cárcere e que elegerem a si mesmos como uma nova direção, deixando de fora quadros de tradições considerados por eles (no bom estilo stalinista) “liquidacionistas”  tais como Agildo Barata, Orestes Timbaúva e José Maria Crispim.

Mas logo ao sair da prisão Marighella se disciplina a Prestes e à política de unidade nacional. Assim como em todo período em que foi deputado constituinte, chegando, inclusive a apresentar uma emenda que flexibilizava o monopólio estatal do petróleo e da exploração mineral, em virtude dos acordos entre URSS e Estados Unidos, pós-Segunda Guerra.

Durante a Guerra Fria, se alinha com a política do partido de ataques aos governos de Dutra e Getúlio e somente muda de posição após o suicídio deste último, voltando, com o partido, a uma linha de total defesa da democracia burguesa e do apoio a JK e ao general Lott.

Suas discordâncias começam a surgir em 1961 quando se contrapõe à passividade com que a direção do PCB reage à tentativa dos militares golpistas não deixarem Goulart tomar posse, e se aproxima de Brizola e da sua política de resistência armada. Mas permanece disciplinado ao partido e sua política de conciliação de classes até o golpe de 1964, que joga por terra qualquer ilusão ou perspectiva revolucionária. A ruptura se fundamenta na discordância ao pacifismo e a falta de iniciativa de Prestes e do partido, que não preparam nenhuma resistência.

Manifesta isso de forma individual quando resiste à prisão dentro de um cinema no Rio de Janeiro, recebendo um tiro à queima-roupa no peito. Descrevendo o episódio no livro “Por que resisti à prisão”, ele afirmaria: “Minha força vinha mesmo era da convicção política, da certeza (…) de que a liberdade não se defende senão resistindo”. Neste livro dedica os dois últimos capítulos a iniciar a apresentação de suas divergências com a maioria da direção. Elas vão se aprofundando nos textos posteriores até romper definitivamente em 1967, quando vai à Conferencia da Organizações Latino Americanas (OLAS), em Cuba, contra a posição do PCB.

Até romper com o PCB e sua linha pacifista, Marighella concordou e aplicou disciplinadamente toda a política do partido. Rompe com a política pacifista, mas não com o frente-populismo, e as alianças estratégicas com a burguesia progressista, e nem com a teoria da revolução por etapas, que prioriza a libertação nacional como primeiro momento antes da luta pelo socialismo. Rompe com a concepção leninista do partido centralizado e centrado na classe operária, defende uma organização horizontal sem centralização, mas mantém suas ligações com o castrismo e reivindica o guevarismo.

Passou a ser o maior mentor intelectual da luta armada, com projeção internacional, chegou a ser considerado o inimigo “número um” no regime militar. Defendeu a luta armada, o terrorismo e a violência revolucionária. Introduziu na guerrilha urbana a metralhadora nos assaltos a bancos, atirar nos pneus para evitar perseguição e fechar as pessoas no banheiro para consumar os assaltos.[2]

Mas cometeu uma falta grave no seu esquema de segurança ao confiá-lo mais em freis dominicanos do que em sua estrutura partidária e organizacional.

Marighella morre como um comunista que lutou contra a ditadura. Sua grande qualidade e mérito é que sempre deu seu exemplo pessoal, não era um administrador burocrático de militantes, elaborava, propunha e aplicava o que dizia. Esteve sim, na linha de frente do combate aos trotskistas quando achou correto. Foi parlamentar e figura pública do partido; esteve à frente da construção e organização do PCB em São Paulo, profundamente enraizado na classe operária, participando da greve dos 300 mil em 1953 e  da greve dos 700 mil de outubro de 1963. Quando opta pela luta armada participa das expropriações, assaltos e enfrentamentos, pessoalmente, com mais de 55 anos de idade.[3] Um homem de partido, disciplinado e do seu tempo.

1935, sem classe operária

A aventura comunista em novembro de 1935, orientada diretamente pela Internacional, foi feita basicamente pelo setor militar, os militantes civis e a classe operária em particular, de maneira geral, não participaram dela. Nem mesmo os comitês regionais ou as células de base.

No entanto, a repressão se abateu sobre todos. Os presos políticos eram tantos que as celas normais não foram suficientes. Passaram a utilizar as prisões de Ilha Grande, e quando estas lotaram, utilizaram o navio flutuante Pedro I, e em São Paulo a tecelagem Maria Zélia.

O PCB estimou 15 mil presos. Mais de 7 mil somente no Rio de Janeiro. O secretário geral do PCB, Antônio Maciel Bonfim, o Miranda, foi muito torturado e preso por vários anos. O representante da Internacional, Arthur Ernest Ewert, foi torturado até a loucura. Sua esposa Elise Saborovsky Ewert, chamada Sabo, foi presa junto com Olga Benário, torturada durante semanas, espancada, eletrocutada e estuprada diante do marido. Depois, Getúlio Vargas deu ordem para deportá-las para a Alemanha Nazista, sendo aque Olga estava grávida de 7 meses. Ambas foram assassinadas.

Além disso, a polícia apreendeu na casa de Prestes, que fugiu pouco antes, uma ampla documentação sobre o partido e a revolta. O agente duplo, Franz Paul Gruber (Johnny Graaf) era representante do serviço militar soviético e trabalhava para o Secret Intelence Service britânico.

Os membros da direção que não foram presos fugiram para Salvador e Recife. Marighella passa a assumir um papel de primeira linha na organização em São Paulo, encarregado das finanças, produção gráfica, literatura e propaganda, na mais dura clandestinidade.[4] Até o fim da vida Marighella reivindicou o levante.[5]

A segunda prisão de Marighella foi após o ato de 1º de maio de 1936, durante a ditadura de Getúlio Vargas, violentamente torturado pela polícia de Filinto Müller, durante 23 dias, chamado grotescamente por seus carrascos “como o único macho do PCB[6], por sua resistência. Nunca falou nada, por isso ganhou fama na esquerda, no partido e na polícia. Permaneceu preso por um ano. Ao sair da prisão entrou para a clandestinidade.

Combate aos dissidentes trotskistas

Neste período, militando na clandestinidade, Marighella foi enviado a São Paulo para combater os dissidentes trotskistas “inimigos do partido”. “Dentro da concepção própria do stalinismo, o trotskismo seria uma doutrina de espiões, de agentes policiais e de lacaios da burguesia[7] , pontuou Gorender. Atuou em parceria com Joaquim Câmara.[8]

Fez parte da equipe que expulsou os “hereges”, “renegados trotskistas”, e manteve o partido fiel à linha nacional.

Hermínio Sacchetta

Dentre os expulsos, Hermínio Sacchetta, que vinha rompendo com a política stalinista de apoio às burguesias nacionais. Após a derrota do levante de 1935, Sacchetta, que dirigia o Comitê Regional de São Paulo e participava do Bureau Político Nacional, começou a tecer críticas à política da Direção Nacional. Particularmente, a partir de 1937 vinha divergindo do Comitê Central a respeito da política para as eleições presidenciais. O PCB passou a apoiar o candidato de Getúlio para eleições de janeiro de 1938: Jose Américo de Almeida. Era a “união nacional contra o fascismo”. O baluarte da defesa desta política era o secretário geral do partido, Lauro Reginaldo da Roca (Bangu). Seu maior opositor era o Comitê Regional de São Paulo, com Sacchetta à frente.

Tempos depois, Joaquim Câmara contou a Sacchetta que o Bureau Político mandou matá-lo no auge da luta interna. Câmara foi o encarregado, mas não o fez em nome do velho companheirismo.

Marighella foi responsável pela edição impressa do Boletim Interno Regional onde apareceram os nomes de Sacchetta, Hélio Mana e Heitor Silva como divisionistas, sabotadores, espiões e provocadores fascistas. Desta maneira, foram identificados publicamente três ex-militantes de uma organização proscrita que lutava contra a ditadura de Vargas. Sacchetta foi preso em junho de 1938.[9]

Marighella sentiu na pele o mesmo tratamento quando apresentou suas divergências duas décadas e meia depois e foi tratado da mesma maneira pela direção nacional, sofrendo na mão do interventor Hercules Correa.

Três décadas depois se encontrou com Sacchetta novamente através de Câmara para pedir ajuda em uma empreitada contra a ditadura, no que foi auxiliado pelo velho trotskista.[10]

Expulso do PCB, Sacchetta esteve entre os fundadores do Partido Socialista Revolucionário (PSR), ligado à Quarta Internacional (trotskista).

Marighella passou a ser o principal organizador do partido no estado de São Paulo. Perseverante, não era da direção nacional, não era considerado um intelectual como Câmara ou Noé Gertel, mas disciplinado e sistemático. Foi novamente preso em janeiro de 1939.

União nacional com Vargas e Dutra

Marighella fica na prisão até 1945, quando foi beneficiado com a anistia pelo processo de redemocratização do país. Na prisão, aceitou as justificativas para o pacto Molotov-Ribertropp, em 1939 (o acordo de paz da URSS com a Alemanha), dado, entre outros, pelo representante da internacional Rodolfo Ghioldi, como um expediente de Stalin para ganhar tempo para depois atacar Hitler. Não citava a partilha da Polônia e nem a defesa de Molotov por uma “Alemanha forte” por uma paz na Europa.

A partir de 1943, após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial para combater o nazi-fascismo, o PCB adotou a tese da “união nacional”, afirmando que todos os brasileiros deveriam dar apoio à política de guerra do governo Vargas e lutar pela normalização democrática do país.

Nessa época, o PCB estava desarticulado, a Comissão Nacional de Organização Provisória, CNOP, criada em 1942, que tinha à frente Maurício Grabois, e com ele João Amazonas e Pedro Pomar, fugitivos do Pará, e Diógenes de Arruda, da Bahia, não tinham prestígio na organização. Inclusive a direção do PC na Bahia lhe era refratária, mas realizaram a Conferência da Matiqueira e elegeram uma nova direção. Dentro das orientações da Internacional, adotou a linha de união nacional e a palavra de ordem “Apoio a Getúlio, na guerra e na paz”.

Prestes, preso, logo apoiou esta política. Marighella, eleito para o Comitê Central nesta conferência, inicialmente foi contra, não a reconheceu e se recusou a aceitar o cargo no CC. No entanto, ao sair da prisão, frente à pressão dos outros dirigentes do partido e de Prestes em particular, (“que ele glorificava com devoção só comparável a que tinha pelo marechal Stalin”)[11] mudou de posição ficou na direção e apoiou a política.

No primeiro semestre de 1945, Vargas anistiou os presos políticos. O PCB foi legalizado e, na legalidade, conseguiu grande visibilidade. Chegou a contar com mais de 100 mil filiados. Nas eleições de 2 de dezembro de 1945, concorreu à presidência da República e à Assembleia Nacional Constituinte, alcançando um resultado surpreendente. Obteve 10% da votação nacional e elegeu 15 deputados federais e um senador. Luís Carlos Prestes foi o segundo mais votado no país, suplantado apenas por Vargas, também eleito senador. Entre as 13 agremiações partidárias, o PCB tornou-se a quarta força eleitoral, atrás do Partido Social Democrático (PSD), da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Foi neste período que Marighella escreveu “A Democracia Está em Marcha”: “A única legalidade que hoje é capaz de vigorar é a legalidade democrática. (…) Os golpes armados, a desordem, a violência não ajudarão a marcha da democracia para a frente, que deve ser feita sem esses atropelos. (…) Num clima de ordem, paz e tranquilidade, é possível fazer a unidade do povo e resolver nossa grave crise econômica.”

Reivindicando Prestes, que orientava os operários: “É por intermédio de suas organizações sindicais que a classe operária poderá ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficientes para os graves problemas econômicos do dia.” Concluindo: “Com os sindicatos — e sob a bandeira da unidade — desenvolvamos o cooperativismo livre e democrático, não tenhamos o receio de estender a mão à burguesia progressista e façamos ver aos patrões progressistas a necessidade de uma colaboração sincera com o trabalhador, em benefício do progresso geral, da criação de um mercado interno e da liquidação da fome, da miséria e do atraso.”

Com o avanço da redemocratização, o movimento operário ganhou força, o número de sindicalizados cresceu e várias greves aconteceram. Para barrar o avanço da classe trabalhadora o novo governo Dutra, baixou um decreto proibindo o direito de greve.

Mas o partido continuou a apoiá-lo. Marighela elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946 e, da tribuna da Assembleia Constituinte, explicava porque o PCB apoiava Dutra, juntamente com Prestes: “estamos prontos a apoiar o governo General Dutra, a mobilizar todas as massas que já aceitam a nossa direção, para apoiar seus atos honestos e sinceramente democráticos”.[12]

No final de 1946, a direção do partido defendia a tese sobre a possibilidade da conquista do poder através de meios pacíficos e legais, uma “democracia progressista capaz de assegurar a solução progressista dos mais sérios problemas do nosso povo”. Para justificar sua tese reformista, de negação da revolução e da ditadura do proletariado, utilizaram-se de uma famosa – e polêmica – afirmação de Dimitrov: “A vantagem dessa democracia popular é que a passagem ao socialismo torna-se possível sem ditadura do proletariado. Cada país passará ao socialismo pelo seu próprio caminho”.[13]

Sendo um exemplar representante do Partido Comunista, Marighella apresentou em junho/julho de 1947 um projeto sobre o petróleo que formava uma autarquia, o Instituto Nacional de Petróleo, que constituía uma sociedade de economia mista para exercer atividades relacionadas com o abastecimento nacional, e o governo somente deteria 51% das ações, deixando o resto para a iniciativa privada, excluindo os capitalistas estrangeiros, mas não defendendo o monopólio estatal.

Isso porque antes da Guerra Fria, com a colaboração entre os Estados Unidos e União Soviética, o Partido Comunista foi a favor da exploração de jazidas minerais pelos Estados Unidos e pelo capital internacional. A emenda 3259 da constituinte apresentada por Prestes, Marighella e Grabois, entre outros, estabelecia o direito de exploração dos estrangeiros igual aos brasileiros, independente do domicilio eleitoral.[14]

Atitude completamente distinta que teve na década de 50, quando Marighella e o partido estiveram na vanguarda da campanha “O Petróleo é nosso”.

Como homem do partido, Marighella recebia no cargo de deputado constituinte o equivalente a 34 vezes o valor de um salário mínimo, mas não tinha dinheiro para comprar um cinto. “Nem via a cor do dinheiro. Os comunistas assinavam uma procuração à tesouraria do partido, que sacava os salários na boca do caixa e lhes entregava 1.200 cruzeiros.(…) Ele renunciava a 92% dos ditos subsídios do deputado[15].

Nas eleições para as assembleias estaduais, os comunistas elegeram 46 deputados em quinze Estados e no Distrito Federal. Nas eleições suplementares para a Câmara Federal, realizadas em São Paulo, foram eleitos Pedro Pomar e Diógenes Arruda, sob a legenda do Partido Social Trabalhista.

Mas em março de 1946, representantes da burguesia haviam entrado com um pedido de cassação do registro partidário. A direção nacional não deu muita atenção àquela solicitação, de tão adaptada que estava à democracia burguesa. Prestes falava que isso era demonstração de fraqueza. “O imperialismo está com os dentes quebrados[16]

Meses mais tarde, em uma diligência policial, foi encontrada uma cópia do projeto de reforma dos estatutos. Surgiu, então, a acusação de que o PCB tinha dois estatutos, um registrado no cartório e outro ilegal que, de fato, regeria a vida dos militantes. A partir desse material o Ministério Público apresentou as acusações de que o “partido era comunista e era do Brasil, não brasileiro”.

As mudanças no cenário internacional influenciaram a realidade brasileira. A aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética começou a ser desfeita. Era o início da Guerra Fria. Conclusão: no dia 7 de maio de 1947, o PCB teve seu registro cassado.

Nesse mesmo dia, o Ministério do Trabalho decretou a intervenção em vários sindicatos e fechou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, criada em setembro de 1946. Em outubro de 1947 rompeu as relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética.

Em seguida, os comunistas tentaram organizar uma nova agremiação partidária, o Partido Popular Progressista (PPP). O TSE também negou o registro para o PPP. A exclusão dos comunistas do sistema político- partidário culminou em janeiro de 1948, com a cassação dos mandatos de todos os parlamentares que haviam sido eleitos.

Marighella perdeu o mandato em 1948 e voltou para a clandestinidade. Daí então o partido lança um manifesto pregando a derrubada imediata do governo Dutra, considerado um governo “antidemocrático”, de “traição nacional” e “a serviço do imperialismo norte- americano”.

De volta à luta armada

Desenvolveu então uma política de chamamento à luta armada. Em 19 de agosto de 1950, assinado por Prestes em nome do Comitê Central, é lançado o “Manifesto de Agosto”  que prega o “armamento geral do povo” e defende a criação de um “exército popular de libertação nacional“.

Participaram de conflitos no campo, como em Porecatu, no Norte do Paraná; Capinópolis, no Triângulo Mineiro; e na região de Trombas e Formoso, em Goiás. Chegaram a formar um “território livre” de 10 mil km2, com governo paralelo e milícias armadas.

O manifesto, entretanto, não teve a menor ressonância. A classe operária, contrariando a indicação de votar em branco, votou maciçamente na chapa encabeçada por Getúlio Vargas.

O novo governo de Getúlio Vargas vacilava entre o nacionalismo, o entreguismo e o estatismo. Pela direita, Carlos Lacerda o criticava através do jornal “A Tribuna da Imprensa”. Pela esquerda, os trabalhadores começavam a se organizar e recuperar o período perdido durante o Governo Dutra e queriam a nacionalização dos setores básicos da economia.

Getúlio deu a pasta da Fazenda para Oswaldo Aranha e a do Trabalho para João Belchior Marques Goulart. Foi apresentado ao Congresso, em 5 de dezembro de 1951, o Projeto de Lei número 1516 que criava o monopólio estatal do petróleo.

O ano de 1953 marcou a luta pelo estabelecimento do monopólio do petróleo, apoiada pelos estudantes, sindicatos e associações profissionais. Aprovada em 3 de outubro de 1953, com a criação da Petrobrás e em 10 de maio de 1954 ela foi instalada. O monopólio estatal do petróleo foi estabelecido incluindo a pesquisa, a lavra, o transporte especializado e a refinação.

Em janeiro de 1954, Goulart apresentou a proposta de aumento de 100% no salário mínimo, os militares pediram sua derrubada em fevereiro de 1954, com o “Manifesto dos Coronéis”, assinado, entre outros, por Golbery de Couto Silva e Sílvio Frota. Getúlio demitiu-o, mas em 1o de maio concedeu o aumento do salário mínimo por ele proposto.

Enquanto isso, o PCB denunciava: “O governo Vargas é um governo de traição nacional[17]

Marighella permanece em São Paulo até 1953 trabalhando no setor operário, e atuando na organização da greve dos 300 mil. Depois convidado pelo Comitê Central, passou os anos de 1953 e 1954 na China, a fim de conhecer a Revolução Chinesa.

Getúlio ficou o tempo todo de seu governo sob o ataque incessante do PCB. Quando a crise chegou ao seu auge em agosto de 1954, e Getúlio cometeu o suicídio, as massas trabalhistas saíram às ruas em protestos contra seus opositores. Surpreendidos que foram pelas massivas manifestações antigolpistas, foram empurrados novamente para outro caminho.

A volta da atuação dentro do regime e da ordem

Depois da guinada à esquerda, o PCB volta ao leito da ordem e da democracia burguesa com o apoio a Juscelino Kubitschek. Clara Chaft afirma que Marighela participou diretamente das negociações do apoio.

JK tomou posse com dificuldade[18], necessitando do apoio do Ministro da Guerra, general Teixeira Lott. Começou seu governo com o Plano de Metas. O governo de JK caracterizou-se pela ausência de presos políticos e pela liberdade de imprensa.

O PCB defendeu então que o governo de JK apresentava a perspectiva de um desenvolvimento progressista do país. De acordo com a análise da direção do partido, o governo de JK era um governo em disputa entre duas alas: uma nacionalista e outra entreguista. A ala nacionalista tinha o general Lott como seu representante, ao passo que o representante da entreguista era o ministro Roberto Campos, superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)5, apelidado de Bob Fields. Dizia-se que falava o inglês melhor que o português.

A crise stalinista

Neste período, uma enorme crise atinge a Internacional Comunista a partir da realização do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em fevereiro de 1956. Nikita Kruschev, então secretário geral do PCUS, aproveitaria o encontro para apresentar um relatório sobre a “Era Stalin”.

No documento, Kruschev acusava o ex-líder soviético, falecido havia menos de quatro anos, pelo uso indiscriminado de violência, execuções, processos fraudulentos contra adversários políticos, violando todas as normas de legalidade revolucionária.

O “Relatório Secreto”, como ficou conhecido, discutia ainda o culto à personalidade, construído por Stalin em torno de sua pessoa, tentando, porém, justificar o fato de, por décadas, Stalin ter agido de forma tirânica, sem que houvesse reação por parte dos demais membros da direção partidária.

Kruschev com este relatório pretendia embasar as mudanças na política internacional soviética, no sentido da coexistência pacífica, e como crescia a luta contra a burocratização no país, que forçava uma abertura, buscava neutralizá-la com denúncias de acontecimentos passados para não perder o controle e direcioná-la segundo os seus interesses.

No Brasil, o Partido Comunista do Brasil (PCB), no início, acompanharia o XX Congresso do PCUS através de informes oficiais da URSS. Não se pronunciaria, a não ser para acusar sua publicação pela imprensa burguesa como “provocação do imperialismo”.

Prestes, por meio de um artigo publicado em fins de abril, adapta-se à linha política de Kruschev (transição pacífica ao socialismo, superação da inevitabilidade das guerras dada a fraqueza do imperialismo etc.), crítica ao período stalinista repetindo os argumentos do Informe (público) de Kruschev. E afirma que PCB no seu IV Congresso (1954) já teria iniciado o combate ao culto à personalidade, desenvolvendo a direção coletiva.

O dirigente do PCB, Diógenes Arruda, que foi ao Congresso do PCUS, retorna em agosto. Reúne-se o Pleno Ampliado do Comitê Central (C.C.) do PCB, confirmando o conteúdo do Relatório Kruschev. Arruda, tentaria passar-se por crítico do stalinismo, mas sofre uma saraivada de críticas. O Pleno acaba suspenso, dado seu clima emocional, sendo convocada nova reunião para dois meses depois.

Marighella ficou muito abalado com estas revelações, chorou copiosamente no Pleno e teve uma crise nervosa, não pode sequer concluir sua intervenção[19]. Para Clara Chaf, Stalin era para Marighella a figura heroica de um gênio militar[20], “de tal maneira a figura o inspirava”[21].

Agildo Barata que defendia a ideia de uma etapa preferencialmente antiimperialista da revolução brasileira, com uma fase inicial de acumulação de forças sem a hegemonia do proletariado, e a formação de uma ampla “frente única, nacional e democrática” exigiu um debate mais profundo. João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e Diógenes de Arruda Câmara (responsáveis, com Prestes e Marighella, pela reorganização do partido desde os anos 1940, através da CNOP, repeliam as críticas ao período de Stalin), foram identificados como o grupo “conservador” e “dogmático”. Perderam seus postos na Comissão Executiva e foram deslocados para outros Estados por decisão do colegiado do CC.

O núcleo dirigente central consolidou-se em torno de Giocondo Dias, Mário Alves, Jacob Gorender e Armênio Guedes, que se juntaram Prestes e Marighella, recusando a crítica aberta dos “renovadores”, ao mesmo tempo em que aceitavam, com cautelas, críticas ao período de Stalin.

Prestes dizia-se a favor da discussão mas dizia que eram inadmissíveis críticas ao PCUS e à União Soviética. Marighella escreveu um artigo “A carta de Prestes e o Internacionalismo Proletário” em que se coloca ao lado de Preste e defende que era inevitável que se tivesse cometido erros e que era necessário se fazer autocrítica, mas com os limites devidos.[22]

Este grupo foi responsável pela redação da Declaração de Março de 1958, aprovada no Comitê Central, após intensos debates.

A declaração de 1958

A “Declaração de março de 1958” representava uma mudança na linha de ação do partido ao sublinhar a necessidade de se criar uma frente única nacionalista para combater o imperialismo e lutar pelo desenvolvimento independente capitalista nacional e pela ampliação das liberdades democráticas. Privilegiava alianças com setores da burguesia e a via institucional de transição ao socialismo, desarmou qualquer possibilidade de resistência popular diante do golpe que se avizinhava.  A proposta de “união nacional” com a burguesia consolidava-se como parte fundamental do projeto de revolução democrático-burguesa

A matriz ideológica deste pensamento encontrava-se nas diretrizes políticas adotadas a partir do VI Congresso da Internacional Comunista, com vistas a orientar a atuação dos partidos comunistas nos países que viviam sob regime colonial, semicolonial ou eram dependentes economicamente dos centros capitalistas.

Esta foi a base para Prestes afirmar em uma entrevista em 1959 “Fidel Castro é um aventureiro pequeno-burguês[23]

O V Congresso do PCB

No ano de 1960, o PCB realiza o seu V Congresso. A diferença ficou ainda maior entre o “núcleo hegemônico” (Prestes, Dias, Marighella, Gorender, Alves, Armênio Guedes, etc.) e, a “oposição dogmática”, Maurício Grabois, Pedro Pomar, e João Amazonas, que, derrotados no Congresso, fundariam o PCdoB dois anos depois. Arruda Câmara passou a se posicionar ao lado da direção.

Apolônio de Carvalho combatia aqueles que recusavam a viabilidade do caminho pacífico para a conquista do poder, acusando-os de estarem aferrados à tendência idealista de ditar as leis em lugar da própria realidade e de interpretar os acontecimentos segundo seus desejos, impondo formas de luta inconsequentes às forças sociais, no afã de criar uma revolução em curto prazo.

A luta pela legalidade

Marighella é um dos maiores defensores da luta pela legalidade. Em setembro de 1960, o PCB decide instituir a campanha para a conquista da legalidade. Adequa-se juridicamente para isso, alterando sua denominação de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, mas mantendo a sigla PCB. Decidiu pelo abandono do IV programa e pela aprovação imediata de outro.

O partido extinguiu a Voz Operária, para que, a partir de fevereiro de 1959, se concentrassem no novo órgão Novos Rumos, dirigido inicialmente por Mário Alves e Orlando Bonfim Júnior, jornal que passou a circular legalmente. Nas eleições de 1960 o partido decide apoiar o General Lott, um militar nacionalista conservador. Intensifica sua política de aliança com a burguesia nacional, e sua intervenção nos aparatos sindicais, com uma linha moderada.

Ruptura de 1962

Liderados por Mauricio Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar, os dissidentes lançam a Carta dos Cem (Em defesa do Partido, assinada por cem militantes, em quatro Estados do País) e iniciam a formação de um outro partido. São derrotados no V Congresso do PCB, realizado em 1960, por amplíssima maioria.

Em 1963, tentaram o reconhecimento da União Soviética, mas não obtiveram êxito. Tentaram aproximação com Cuba, Maurício Grabois traduziu para o português o clássico Guerra de Guerrilhas, de Ernesto Che Guevara, mas não tiveram o apoio dos cubanos.

Após o golpe militar, passou a alinhar-se às teses do Partido Comunista Chinês e à teoria da guerra popular prolongada, na qual o campo deveria cercar as cidades, sob a direção de um exército popular de base camponesa. Esta nova política foi sintetizada, em 1969, no documento Guerra Popular – Caminho da Luta Armada no Brasil, no qual afirmava a superioridade de sua estratégia sobre o foquismo e previa a guerrilha e a criação de um território livre no interior do Brasil, a partir do qual faria a guerra popular prolongada contra a ditadura militar.

A partir do final da década de 60, o PCdoB começou as primeiras discussões com um grupo político de origem cristã, a Ação Popular (AP). Oriundo da esquerda católica, com forte influência no movimento estudantil universitário e secundarista e com trabalho político no movimento camponês, em função de suas ligações com a igreja católica, a Ação Popular também simpatizava com as teses maoístas de Guerra Popular Prolongada.

Realizaram a Guerrilha do Araguaia, até 1972, dramática para seus quadros históricos: o comandante militar da guerrilha, Mauricio Grabois, a principal liderança teórica e política do PCdoB, morreu em combate. Posteriormente, em 1976, foram assassinados outros dois dirigentes históricos, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, no Massacre da Lapa. Em 1978, Jover Telles foi expulso do PCdoB por ser um agente policial infiltrado.

Em 1978, o PCdoB reformulou profundamente sua linha política, mas sem sequer uma palavra autocrítica sobre as posições do passado. Passou a ter como centro da tática a luta pela redemocratização do País e a construção de uma ampla frente democrática para derrubar o regime militar. Isto é, mais de 10 anos depois do VI Congresso de 1967, o PCdoB conseguiu chegar a conclusões semelhantes ao do PCB.

As primeiras críticas

Aparentemente, as primeiras críticas com profundidade de Marighella à política da maioria da direção, surgem em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros e a política de apoio da maioria da direção a uma política pacifista de não resistência. Ao Brizola garantir a posse de Goulart se preparando para o enfrentamento, e construindo a resistência armada no Rio Grande do Sul, há uma maior identificação de Marighella com Brizola, como um verdadeiro burguês progressivo.

Em 1962, Marighela critica a política do partido em um Comitê Central. A imprensa tem acesso a esta notícia e publica a “Denúncia de Prestes”, praticamente sozinho defendia a possibilidade de um golpe de direita e a necessidade da resistência.

A política de Prestes é de capitulação total ao governo Goulart e de adaptação à democracia burguesa. Afirma que o PCB já governa com Goulart e seria impossível um golpe militar.

Prestes tinha ilusões em um esquema militar nacionalista que resistiria dentro das FFAA contra o golpe, afirmava “se a reação levantar a cabeça, nós a cortamos de imediato[24]. Marihella apostava mais na expectativa de que os Grupos dos Onze, organizados pelo Brizola o fizessem, e que grupos de esquerda pudesse retomar a resistência de 1961 ao golpe.

Mas todas foram rapidamente desfeitas e os militares se impuseram rapidamente. A ação rápida de ocupação dos centros fundamentais de poder consolidou o golpe militar. Não houve praticamente resistência, a maioria não estava politicamente ou militarmente preparada para o golpe. A ocupação dos sindicatos, das sedes das entidades estudantis, dos rádios, foi fulminante, deixando a esquerda sem ação e sem voz. Foi por terra também a caracterização de que uma “burguesia progressista” apoiava o governo.

As FFAA apareceram rapidamente unificadas, reprimindo os setores dissidentes e o grande empresariado apareceu apoiando em massa o golpe e a ditadura. Em total conexão com o imperialismo norte-americano.

Os pressupostos básicos da linha do PCB se esfumaram rapidamente.

O início da ruptura

Em maio de 1964, Marighella resiste à prisão, foi baleado e preso por agentes do DOPS dentro de um cinema, no Rio e é libertado em 1965.

Em “Por que perdemos?” Marighella estabelece suas respostas para os fatos ocorridos partindo de uma crítica e de uma autocrítica da esquerda, do PCB e dele mesmo como dirigentes. “A grande falha deste caminho era a crença na capacidade dirigente da burguesia, a dependência da liderança proletária a política efetuada pelo governo de então. A liderança da burguesia nacional é sempre débil e vacilante. (…) A nenhuma resistência organizada no golpe de 1º de Abril, exceto a greve geral, foi resultado mais sensível do erro tático de confiar na capacidade da direção da burguesia sem apelo a organização de massas e a ação vigilância independente”. Mas ainda afirma que: “É impossível rejeitar a aliança com a burguesia nacional, mas também não se pode cruzar os braços e render-se à vontade e discrição.”

Passando a ver a necessidade da ditadura ser derrubada através da violência revolucionária, Marighella vai evoluindo para a necessidade da luta guerrilheira, embora ainda vinculada e conjunta com o movimento de massas. Depois avança mais ainda para chegar à estratégia da luta através da guerrilha, como elemento de atuação de vanguarda, baseado na experiência cubana.

Por que resisti à prisão” começou a circular no segundo semestre de 1965. A publicação em livro impresso, nas condições de clandestinidade, já era uma façanha. Os dois últimos capítulos exibem as maiores diferenças. Põe em descrédito a possibilidade do caminho pacífico e condena as ilusões no potencial revolucionário da burguesia nacional. Salienta o erro da subestimação do aliado camponês, destaca a lição de Cuba e afirma que a luta revolucionária no Brasil poderá levar ao aparecimento de guerrilhas.

Depois vem “A crise brasileira, principal escrito de 1966. Ainda se conserva longe do militarismo agudo e da negação do princípio do partido. Mas é mais contundente as críticas à direção do PCB. Investe contra as ilusões na “tradição democrática” das Forças Armadas e o vício de só confiar nos entendimentos de cúpula com a oposição burguesa, nos jogos eleitorais e parlamentares. Enuncia a proposta de luta de guerrilhas acopladas ao movimento camponês. Mas a guerrilha rural é declarada segunda frente, complementar às lutas do proletariado nas cidades.

Entre 1965 e , Marighela passa a procurar adesões às suas posições políticas dentro do partido. Enquanto isso a ditadura endurece, com a publicação do AI-2, a eliminação dos partidos e a prorrogação do mantado de Castelo Branco. Por outro lado, articula-se a Frente Ampla, a partir de Carlos Lacerda e JK, que buscam João Goulart, Brizola e o PCB.

Logo a direção apontou para a resistência democrática nos espaços legais, juntando-se aos políticos tradicionais que se articulavam na oposição legal – JK, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda. Mario Alves e Marighella divergiram frontalmente desta linha, considerada moderada, assim como Brizola.

O partido se dividiu. Duas alas na oposição que pregaram a luta armada. Uma, pregava a resistência armada vinculada à construção de um partido revolucionário – conduzida por Mario Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho, que desembocaria na fundação do PCBR. Outra, a de Carlos Marighella e Joaquim Câmara que se aproximava mais da política do foco guerrilheiro, apesar de negarem isso.

Nos marcos de defender ainda alianças com a burguesia progressiva, Marighela defende a hegemonia do proletariado nesta frente, e seu papel protagonista. Assim como opta contra o conciliacionismo e pacifismo da direção pela ação armada e violenta “Trata-se da revolução, da preparação da revolução armada. Trata-se do caminho não pacífico, violento – até mesmo da guerra civil. Sem o recurso da violência por parte das massas, a ditadura será institucionalizada por um período maior ou menos duração”.[25]

Em dezembro de 1966, renunciou à Comissão Executiva Nacional do PCB. Consolida sua ruptura com o partido em agosto de 1967, quando participou da I Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), realizada em Havana, Cuba, contra a orientação contrária do PCB.

Depois da expulsão do partido, forma o Agrupamento Comunista de São Paulo, junto com Rolando Frati, Raphael Martinelli, Adolfo Costa Pinto, Câmara Ferreira e Oswaldo Lourenço.

Em fevereiro de 1968, o “Pronunciamento do Agrupamento Comunista São Paulo” expressa o modelo de organização moldado para a luta armada.Pronunciamento afirma que a organização de um partido político implicaria o retorno à rotina burocrática e serviria de emperramento à luta revolucionária.

Ação Libertadora Nacional

Surgiu no fim de 1967/68 e chegou a ser a organização mais estruturada da guerrilha urbana, sendo também aquela em que a quantidade de mulheres vinculadas era proporcionalmente maior do que em outras organizações.[26]  Fundam o jornal O Guerrilheiro (em circulação a partir de abril de 1968), onde procura adaptar o modelo castro-guevarista a certos dados da experiência brasileira. Além de incorporar elementos do pensamento individual de Marighella.

O primeiríssimo princípio é o da ação. É a ação que faz a organização e a desenvolve. Ação significa violência revolucionária, luta armada, guerrilha. A ação cria tudo a partir do nada, do zero. A teoria vista como conversa fiada burocrática, em torno de mesas de discussão. Supostamente, as necessidades teóricas do presente já estão supridas pelo leninismo e pelo castrismo, nada há a acrescentar.

Marighella foi o líder revolucionário dos anos 60 que mais explícita e reiteradamente pregou o terrorismo de esquerda. Neste campo mesmo diferente de Guevara, que advertiu contra os prejuízos do terrorismo, Marighella o incorporou:

Quando nós recorremos aos atos terroristas, sabemos que eles não nos levam diretamente ao poder. (…) Todo ato terrorista revolucionário é uma operação tática tendo por objetivo a desmoralização das autoridades, o cerco das forças repressivas, a interrupção de suas comunicações, o dano às propriedades do Estado, dos grandes capitalistas e latifundiários.

Os atos terroristas revolucionários e a sabotagem não visam a inquietar, amedrontar ou matar gente do povo. Eles devem ser utilizados como tática para combater a ditadura que lança contra o povo as organizações de extrema direita, tais como o CCC (Comando de Caça aos Comunista) e o MAC (Movimento Anticomunista). Implacável e impiedosa, a ditadura recorreu à violência brutal. (…) Nos cárceres, as torturas são indescritíveis. Prisioneiros e suspeitos são assassinados e fuzilados.

Ao terrorismo que a ditadura emprega contra o povo, nós contrapomos o terrorismo revolucionário. Os revolucionários, que praticam o terrorismo e a sabotagem, devem construir uma infraestrutura adequada à execução de sua tarefa. Eles necessitam de meios próprios de fabricação de material bélico e eles devem dividir seu trabalho. Os nomes, endereços, números de telefone, itinerários, nada deve ser escrito. Deve-se comunicar os planos à pessoa indicada: somente os que tem algo a fazer devem saber de sua tarefa.

A arma privilegiada do terrorista revolucionário é a capacidade de iniciativa que o engajará numa atividade permanente. Quanto maior for o número de terroristas decididos e de grupos revolucionários empenhados no terror contra a ditadura e a sabotagem, maior o tempo que o poder militar perderá à procura de pistas, maiores seu medo e angústia por não saber onde o próximo golpe será dado e qual o objetivo escolhido”.[27]

A ALN rompe com a estrutura de partido leninista. Nada de direções centralizadoras e de escalões intermediários. A organização revolucionária se compõe de grupos com inteira liberdade de iniciativa. Os comandos ou coordenações só existem para articular ações de maior envergadura, que envolvem mais de um grupo.

Mas do ponto de vista dos objetivos estratégicos, a ALN herdou do PCB a teoria das duas etapas da revolução. Colocou a libertação nacional como primeiro objetivo, para depois a tomada do poder pelo proletariado.

A guerrilha rural é elevada condição primordial de tarefa estratégica. Após o fracasso, no Brasil, do foco de Caparaó e a derrota de Guevara, na Bolívia, o foquismo puro e simples entra em baixa. Por isso Marighella se declarou contrário aos focos e, inspirado na experiência histórica brasileira (das lutas contra os holandeses ao cangaço de Lampião), apresentou a tarefa das colunas guerrilheiras móveis, que se deslocariam contando com pontos de apoio de antemão assentados. O foquismo se mantém, de fato, na medida em que a guerrilha começa do zero, dissociada de qualquer movimento de massas, e incorpora a função de vanguarda política e localizada em um determinado território.

A guerrilha urbana é somente considerada se uma tarefa tática (fornecimento de quadros e armas, fustigamento do inimigo, etc.). Mas não é alvo de zombaria, como foi feito por Debray.

Sua valorização e a experiência concreta acumulada no Brasil resultarão no Mini-manual do Guerrilheiro Urbano, escrito por Marighella em meados de 1969 que inspirou organizações em todo o mundo, e é considerada a maior obra sobre o tema. A analista internacional Claire Sterling, que faz várias observações sobre a experiência brasileira, no período 1968-1974, no livro de sua autoria “A Rede do Terror; a Guerra Secreta do Terrorismo Internacional”, registra:  “O Mini manual do Guerrilheiro Urbano, do brasileiro marxista-leninista Carlos Marighella, foi a espinha dorsal doutrinária para as atividades terroristas das seguintes organizações: o grupo irlandês Irish Republican Army (IRA); o alemão Baader-Meinhoff; o palestino Setembro Negro; o italiano Brigadas Vermelhas; o basco Euskadi ta Askatasuna (ETA); e outros.”

A ALN iniciou ações para sua estruturação, denominadas de expropriações, como assaltos a bancos, carros e trens pagadores. A maioria de seus militantes era de estudantes que foram à linha de frente da organização. Dos quatro sequestros de diplomatas realizados na história do país, a ALN participou de dois. O primeiro, junto com o MR-8, do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, que conseguiu a libertação de 15 presos políticos. O segundo sequestro o do embaixador alemão Ehrefried Von Holleben, que libertou 40 presos políticos.

O seqüestro do embaixador

Em setembro de 1969, foi sequestrado em uma ação conjunta da Dissidência Comunista da Guanabara, com o nome de MR-8, e pela Ação Libertadora Nacional, o embaixador dos Estados Unidos. Inicialmente o plano era tirar da cadeia o líder estudantil Vladimir Palmeira, principal articulador político das manifestações contra a ditadura em 1968 na Guanabara.

A Dissidência pediu ajuda logística e militar à ALN, de São Paulo, que enviou um de seus líderes, Toledo (Joaquim Câmara Ferreira), justamente com uma equipe chefiada por Jonas (Virgílio Gomes da Silva), e integrantes dos Grupos Táticos Armados (GTA).

O sequestro de Elbrick, comandado por Jonas, se deu no dia 4 de setembro, durou vinte minutos e não fez feridos, salvo uma coronhada na testa do próprio Elbrick. O primeiro cativeiro foi na casa nº 1026 da rua Barão de Petrópolis, no Rio Comprido.

A carta-manifesto, que pedia a libertação de quinze presos políticos em troca de Elbrick, foi escrita por Franklin Martins sob supervisão de Joaquim Câmara. Nela, a ALN e a DI-GB (assinando como MR-8) assumiam a autoria do sequestro e denunciavam os crimes e torturas da ditadura. A carta foi lida em cadeia nacional de rádio e televisão.

O governo militar, na época comandado pela Junta Governativa Provisória de 1969, acabou cedendo às demandas dos sequestradores, em virtude da pressão feita pelo governo dos Estados Unidos.

Marighella só soube do sequestro depois de consumado, foi contra, porque acreditava que o sequestro de um embaixador dos Estados Unidos provocaria retaliações extraordinariamente superiores, em intensidade e violência, ao poder de fogo da guerrilha. No entanto, Câmara não pode ser desautorizado “pois um revolucionário não precisa pedir autorização para tomar ações revolucionarias”.

Após o sequestro de fato, o regime militar aumenta a repressão e concentra esforços em sua captura.

O sequestro teve muitas falhas que permitiram que o governo localizasse o cativeiro, possivelmente através do Cenimar (somente não o estourou em virtude da insistência do governo norte-americano de garantir a vida de seu embaixador) e depois permitiu a prisão da maioria dos sequestradores.

Menos de vinte dias depois de consumado o sequestro, (24 de setembro), Manoel Cyrillo e Luis Balboni foram perseguidos pela polícia na Alameda Campinas. Cyrillo fugiu mas Balboni foi morto. No dia seguinte Takao Amano e Carlos Lichszjm foram presos na mesma Avenida. No dia 29 o comandante Jonas, o operário químico, Virgílio, foi preso,  torturado e morto. Dia 30 foi preso Manoel Cyrillo, dia 31, Paulo Tarso Venceslau. Logo depois Eduardo Pires Fleury. Todos da ALN. Cyrillo, Paulo e Virgílio participaram do sequestro. Em outubro, o comandante Toledo foi obrigado a sair do país.

Na noite de 4 de novembro de 1969, Marighella foi surpreendido por uma emboscada na alameda Casa Branca, na capital paulista. Ele foi morto a tiros por agentes do DOPS, em uma ação coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Joaquim Câmara Ferreira (o “Velho” ou “Toledo”), dirigiu a ALN a partir daí até a sua morte, em 23 de outubro de 1970, quando foi delatado por José Silva Tavares, o “Severino”. Joaquim Câmara foi torturado até a morte pelo Delegado Fleury e membros de sua equipe.

Bibliografia Básica
Marighella, O Guerrilheiro que incendiou o mundo, Mario Magalhães, Companhia das Lestras, 2012

Carlos Marighella, O homem por trás do mito. Organizadores: Cristiane Nova e Jorge Novoa, Editora Unesp, 1999

Combate nas Trevas, A esquerda brasileira: das ilusões perdidas a luta armada, Jacob Gorender, Editora Atica, 1987

Memorias de um stalinista, Hercules Correa, Opera Nostra, 1994

Autopsia do Medo, Vida e Morte do delegado Sergio Paranhos Fleury, Persival de Souza, Editora Globo, 2000

A Revolução Impossível, Luís Mir, Editora:Best Seller, 1994

Mulheres Que Foram à Luta Armada, Luís Maklouf Carvalho, Editora Globo, 1999

 


[1] Jacob Gorender, em Carlos Marighella, O homem por trás do mito

[2] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 372

[3] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 211

[4] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 90

[5] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 101

[6] Luís Mir, “A Revolução Impossível”

[7] Jacob Gorender, Recordações de um companheiro, em Carlos Marighella, O homem atrás do mito, p. 392

[8] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 101

[9] “Marighella — O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, por Mario Magalhaes,

[10] Em agosto de 1969, quando trabalhava no Diário da Noite Sacchetta publicou o pronunciamento da ALN na rádio nacional em Diadema, mesmo sendo contra a luta armada, Por isso, com mais de 60 anos, foi demitido e preso. Marighella também pediu ajuda a Sacchetta para guardar algumas armas roubadas, no que foi também atendido.

[11] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 148

[12] Citado por Weffot F, Democracia e Movimento Operário, algumas questões para a história do período 1945-1964, Revista Cultura Contemporânea n1

[13] http://grabois.org.br/portal/cdm/noticia.php?id_sessao=30&id_noticia=584

[14] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 188

[15] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 170

[16] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 181

[17] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 229

[18] Um movimento golpista composto de militares, civis e do próprio Café Filho. Tornara-se célebre a frase de Carlos Lacerda, pronunciada na televisão: “Juscelino não será candidato; se for candidato, não será eleito; se for eleito, não tomará posse; se tomar posse, não governará”. JK foi aos Estados Unidos, cujo governo estava aflito com as acusações da oposição de que Juscelino tivesse sido eleito com o voto dos comunistas.

[19] Jorge Amado, O homem que ria e que chorava, em Carlos Marighela o homem atrás do mito, organizado por Cristiane Nova e Jorge Novoa.

[20] Carlos meu eterno companheiro, em Carlos Marighela o homem atrás do mito, organizado por Cristiane Npva e Jorge Novoa.

[21] Jacob Gorender, Recordações de um Companheiro, em Carlos Marighela o homem atrás do mito, organizado por Cristiane Npva e Jorge Novoa.

[22] E José, Carlos Marighella, o inimigo número 1 da ditadura

[23] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 267

[24] Mario Magalhaes, Marighella o guerrilheiro que incendiou o mundo, p 281

[25] A crise brasileira ensaios políticos

[26] Luís Maklouf Carvalho, Mulheres Que Foram à Luta Armada

[27]  Escreveu na revista “Les Temps Modernes ” n 280 p 628, em Joacob Gorender, Combate nas trevas, A esquerda brasileira das ilusões perdidas a luta armada, p 96