Redação

Recentemente se tornaram públicos os áudios do Superior Tribunal Militar (STM) revelando que a Corte sabia das torturas realizadas durante a ditadura militar. Ao todo são mais de 10 mil horas de gravações feitas no final dos anos 1970, em que os generais do Tribunal comentam casos como o de uma mulher grávida de três meses que sofreu aborto após ser torturada no DOI-Codi (órgão da repressão) e que sofreu “choques elétricos em seu aparelho genital”. Ou ainda o caso de um homem suspeito de assaltar bancos que acabou confessando o crime após receber “marteladas”. Enfim, os casos são inúmeros e se constituem em uma contundente prova que vem de dentro das próprias estruturas militares, provando que a tortura era generalizada na ditadura.

Contudo, imediatamente, os defensores da ditadura tentaram desqualificar as gravações. O vice-presidente Hamilton Mourão debochou da possibilidade de investigação dos torturadores. “Os caras já morreram tudo. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, disse. Já o presidente do STM, o general Luis Carlos Gomes Mattos, afirmou que as notícias eram “tendenciosas” e que a divulgação dos áudios “não estragou a Páscoa de ninguém”.

Torturadores são covardes

O depoimento de quem foi torturado

Toda essa corja, assim como Bolsonaro, é defensora da ditadura e dos torturadores. Mas, bem diferente das narrativas bolsonaristas, os torturadores, além de serem evidentemente aberrações humanas, não são valentes soldados que enfrentam os inimigos. Ao contrário, torturam prisioneiros amarrados que não podem se defender, inclusive crianças. São estupradores de mulheres e homens.

Em 1977, militantes da Liga Operária, corrente política que daria origem ao PSTU, faziam uma panfletagem de um boletim sobre o 1° de Maio. Parados em uma blitz da polícia, acabaram sendo presos e encaminhados ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Entre eles estavam Celso Brambilla, Márcia Bassetto Paes e José Maria de Almeida, atual presidente nacional do PSTU. Todos foram torturados, principalmente Brambilla, que saiu da prisão com graves sequelas.

“Na madrugada de 26 de abril de 1977 fomos detidos na estação ferroviária de Mauá pela PM. Fomos levados ao Dops e separados. Ao ser levado para a identificação, fui recebido a socos e pontapés pelo policial. Passada uma hora, fui conduzido ao piso superior e lá encontrei nossos companheiros sentados em bonitas poltronas, e perguntei se estava tudo bem. A resposta foi ‘ok’. Em seguida, surgiu um copeiro e ofereceu cafezinho. E eu pensei, são todos loucos! Passados mais alguns momentos, a porrada começou”, explica Brambilla, que trabalhava numa grande fábrica metalúrgica em São Bernardo do Campo (SP).

Márcia Bassetto narrou em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade a humilhação covarde pela qual passou. “Uma das coisas mais humilhantes, além dessas de choques na vagina, no ânus, no seio, foi que eu fui colocada em cima de uma mesa e fui obrigada a dançar para alguns policiais, nua. Enquanto isso, eles me davam choque. […] Celso estava sendo torturado ao lado, também com choque elétrico, me vendo nessa situação.”

As prisões foram o estopim para as primeiras mobilizações estudantis de rua desde 1969. As mobilizações pela libertação dos presos ganharam dimensão nacional e assumiram o caráter pela libertação de todos os presos políticos do país e pela Anistia.

Brambilla lamenta a impunidade contra os torturadores e criminosos da ditadura. Lembra que nos países vizinhos houve uma maior comoção e mobilizações que levaram muitos ditadores e agentes do regime à cadeia. “Lembro-me do Carlos Brilhante Ustra [torturador aclamado como herói por Bolsonaro] encontrar a atriz Bete Mendes no Uruguai e agir como um burocrata, e que tudo seria coisa do passado. [Mesmo com] a reação de horror dela frente ao asqueroso e repugnante torturador, nada foi adiante. Qualquer cobrança dos militares era considerada ‘revanchismo’. Por isso, creio que aquilo que sempre foi sabido e agora divulgado prova que a ‘Justiça Militar’ era consciente e conivente com a prática de perseguição política e tortura”, destaca.

Até hoje muito do que ocorreu no período de 1964 a 1985 ainda está oculto porque a maior parte dos arquivos da ditadura permanece fechada. Nem mesmo sob os governos Lula e Dilma, que foi torturada pela ditadura, o Brasil passou a limpo essa história. E ao não passar a história a limpo, Bolsonaro, Mourão e seus aliados se sentem à vontade para defender a ditadura e seus crimes. Por isso, a nova geração de ativistas precisa exigir e resgatar a memória e a história dos trabalhadores e de suas organizações na luta contra a ditadura.

Mas não é apenas para lembrar algo de um passado distante. Mas para preservar a memória, restituir a verdade sobre um dos períodos mais sangrentos do país, garantir justiça e reparação e, principalmente, para que nunca mais ocorra. “Os militares atuais, apoiados escandalosamente pelo capital parasita, defendem o passado tenebroso e apagam a verdade. Só uma ação corajosa que enfrente esses negacionistas e denuncie o capital poderá modificar esse quadro”, defende Brambilla.