Redação

Há 59 anos no Brasil os militares promoviam o golpe que derrubou o então presidente João Goulart e impôs uma ditadura que durou mais de 20 anos. Atualmente todos sabem que o golpe foi orquestrado pelo embaixador dos Estados Unidos, empresários e políticos do Congresso Nacional.

Hoje é importante desmascarar a falsa imagem que alguns tentam passar da ditadura militar, como se esta tivesse sido um regime de defesa da pátria, incorruptível, de paz, ordem e tranquilidade. O regime instaurado pelo golpe de 1964 se caracterizou desde o começo por uma repressão generalizada. Lideranças sindicais, camponesas e estudantis foram presas, torturadas e assassinadas. Cerca de 10 mil brasileiros foram forçados a deixar o país, e tiveram que viver no exílio em algum momento.

Golpe foi para calar a voz dos trabalhadores e subordinar o país

O motivo do golpe era aplacar a grande efervescência das lutas que brotavam entre operários, camponeses e soldados. Nos anos anteriores a 1964, cresciam a organização e a luta dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho.

A classe operária lutava e na maioria das vezes conseguia arrancar dos patrões aumentos salariais e direitos. Entre 1961 e 1964 quadruplicou o número de greves econômicas nos serviços e na indústria. Os grevistas chegaram a 5,6 milhões, o que foi o maior ascenso grevista da história do país até então. Em outubro de 1963 ocorreu uma grande paralisação, conhecida como a greve dos 700 mil, resultado da unificação de várias campanhas salariais de diversos setores operários.

No campo, as Ligas Camponesas organizavam os trabalhadores rurais em sindicatos, sobretudo no Nordeste. Forçavam os coronéis e grandes proprietários de terras a respeitar os direitos trabalhistas e conquistavam a reforma agrária com a sua luta.

Até mesmo dentro das Forças Armadas havia lutas. Muitos soldados e oficiais de baixa patente apoiavam as lutas operárias e camponesas e também começavam a participar da vida política do país, algo que era (e ainda é) exclusivo apenas aos grandes comandantes e generais.

Antes do golpe, marinheiros se revoltaram contra o alto-comando da Marinha, amotinando-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Eles exigiram o reconhecimento de sua associação, a melhoria da alimentação e que nenhuma medida punitiva fosse tomada contra os que ali estavam. Fuzileiros navais foram enviados para reprimir a revolta, mas se juntaram aos amotinados.

Todo esse cenário efervescente foi tremendamente assustador para a burguesia brasileira e o imperialismo norte-americano. Era preciso dar uma basta e acabar com as liberdades democráticas, como o direito de greve, fechar sindicatos, impor a censura, prender e torturar aqueles que se opusessem ao regime dos militares.

Tortura e assassinatos

Muita gente foi presa e assassinada sob a ditadura. Estima-se que só no campo brasileiro 1.196 camponeses e mais de 8 mil indígenas foram assassinados pela repressão, segundo relatório final da Comissão Camponesa da Verdade de 2014. Centenas de militantes de esquerda e jovens ativistas estudantis também foram assassinados. Até mesmo intelectuais que não representavam perigo algum aos militares foram mortos, tal como Anísio Teixeira, personagem central na história da educação no Brasil.

O “milagre econômico” e a superexploração do trabalhador

Sob a ditadura, os militares favoreceram as multinacionais, as montadoras de veículos e provocaram um enorme endividamento externo com os grandes bancos estrangeiros. O tal “milagre econômico” foi sustentado na base da repressão e enorme exploração. Prometiam crescimento e “divisão do bolo”, mas para os trabalhadores sobraram mesmo os efeitos da crise econômica do final dos anos 1970. A dívida externa explodiu, assim como a inflação. Quem viveu naquela época sabe muito bem o que foram a carestia, o desemprego e a inflação galopante.

A crise levou os operários, os estudantes e os camponeses a retomarem a luta contra o regime. As greves operárias do ABC paulista são um dos episódios mais importantes desse momento. Em 1983-1984 a campanha pelas Diretas Já arrastou multidões às ruas de todo o país. Os militares não conseguiam mais governar, e a ditadura acabou.

Figueiredo abraça Paulo Maluf, um dos filhotes da ditadura
Por baixo dos panos

Na ditadura, corrupção correu solta

A ditadura que teve por objetivo garantir os lucros dos grandes grupos capitalistas promoveu um dos períodos mais corruptos da nossa história. Daquele período surgiu gente como Maluf, Collor, Antônio Carlos Magalhães, Delfim Netto e muitos outros que se tornaram corruptos notórios. Foi a época da farra das empreiteiras, já que a ditadura promovia obras faraônicas para todo lado que se tornaram fonte inesgotável de propinas e superfaturamentos. A diferença é que a censura à imprensa e a repressão impediam que a corrupção viesse à tona e fosse noticiada. Quem ousasse fazer isso poderia ser assassinado.

Anistiando criminoso

Impunidade abriu espaço para ultradireita

A Argentina e o Uruguai também viveram sanguinárias ditaduras militares nos anos 1970. Mas nesses países, generais e torturadores foram julgados e presos pelos seus crimes. No Brasil, infelizmente, a história foi diferente. Por aqui as elites pactuaram para ocultar os crimes dos militares. A Lei de Anistia promulgada em 1979 por João Baptista Figueiredo, o último general que ocupou o poder, anistiou todo e qualquer cidadão que pudesse ser considerado criminoso no período militar, incluindo oficiais e torturadores.

Ao lado disso, nenhum governo que se seguiu ao processo de redemocratização, mesmo os do PT, atuou para abrir os arquivos da ditadura e punir torturadores e militares. O resultado é que os crimes daquele período não foram expiados, a barbárie não veio ao conhecimento do grande público. Assim, as Forças Armadas e sua cúpula saíram incólumes em meio a tantos crimes e sangue. É por isso que até hoje se intrometem na política do país, acreditando ser um “poder moderador”.

Como se não bastasse, a Constituição de 1988 carrega um entulho autoritário negociado com os militares que é o artigo 142. Na interpretação dos militares, o artigo lhes confere  um “poder moderador”, estando assim acima dos três poderes da República, para “garantir a lei e a ordem”.

Se os crimes da ditadura tivessem sido passados a limpo, com oficiais militares levados a julgamento e condenados, certamente não veríamos Bolsonaro e sua corja fazendo elogios a torturadores e assassinos. E seria muito difícil que generais das Forças Armadas tivessem assumido o protagonismo político e ideológico que desfrutaram nos últimos anos.

Bolsonarismo

O projeto político dos militares hoje

Durante o governo Bolsonaro, as Forças Armadas comemoraram abertamente o golpe de 1964. Até hoje nas escolas militares se ensina que o golpe de 1964 foi uma “revolução” em “defesa da democracia”. Torturadores, como Brilhante Ustra, são tratados como heróis.

Os generais que estiveram na linha de frente do governo Bolsonaro foram promovidos pelo PT e passaram em sua maioria pela ocupação do Haiti, tal como foi o caso do general Heleno. Sob Bolsonaro, mais de 8 mil militares ocuparam cargos no governo, recebendo benesses e desfrutando de privilégios. Esses militares defendem ideias ultraliberais e conservadoras, como a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) e a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, tal como mostrou o documento “Projeto de nação, o Brasil em 2035”, assinado pelos institutos Villas Bôas, Sagres e Federalistas. Além disso, consideram a legislação ambiental e de proteção aos indígenas como um obstáculo ao agronegócio e à mineração. “[É preciso] remover as restrições da legislação indígena e ambiental, que se conclua serem radicais, nas áreas atrativas do agronegócio e da mineração”, diz o documento publicado pela imprensa em 2022.

Mas os militares sabem que apenas uma ditadura pode viabilizar seu projeto de extrema-direita. Por isso apoiaram Bolsonaro e, com ele, fizeram ameaças permanentes às liberdades democráticas. Só não conseguiram dar um golpe porque não tinham o apoio nem do imperialismo norte-americano, nem da maioria da burguesia. Mesmo assim, os comandantes militares apoiaram implicitamente a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro.

Sem anistia para golpista!

História precisa ser passada a limpo

Mais do que nunca é preciso abrir todos os arquivos da ditadura, exigir punição exemplar para agentes do Estado que cometeram crimes como prisões arbitrárias e torturas.  Punir os repressores do passado é fundamental para lutar contra os repressores de hoje e de amanhã, uma necessidade para defender as organizações operárias e populares. Enquanto a história não for passada a limpo, a ultradireita vai continuar levantando a cabeça para defender a ditadura militar.

É necessário também punir todos os militares que, sob o governo Bolsonaro, cometeram crimes, tal como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde que usou a população como cobaia para testar a tese anticientífica de imunidade de rebanho.

É preciso punir exemplarmente toda a cúpula das Forças Armadas que esteve envolvida ou foi conivente com a tentativa de golpe. Não podemos mais tolerar os grandes acordões que marcam nossa história e resultaram em impunidade para os criminosos.

É preciso fazer o que não foi feito com a derrubada da ditadura: não dar anistia para nenhum golpista, defensor de ditadura e de torturadores, além de varrer o entulho autoritário da Constituição. Por isso, mais do que nunca, neste 31 de março precisamos entoar em alto e bom som o slogan “Sem anistia pra golpista!”.

Em tempo

Anistia para os perseguidos pela ditadura!

Bolsonaro tentou acabar com a Comissão da Verdade e a subordinou a Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Muitos pedidos de reparação foram indeferidos pelo colegiado. Agora, às vésperas do aniversário do golpe, no próximo dia 30, a Comissão volta a se reunir. Na pauta do colegiado está a revisão de julgamentos realizados na gestão Damares. Defendemos anistia para todo os perseguidos pela ditadura. É preciso lutar por justiça, memória e reparação.