Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista

Recentemente, abriu-se um debate entre o Juntos e o Afronte, ambas organizações de juventude do PSOL. Em duas notas se posicionam de maneiras distintas sobre as táticas e estratégias da esquerda na luta contra Bolsonaro. Este debate tem uma importância grande no momento atual. Embora pareça um debate só, há na verdade dois debates. É verdade que se combinam e se entrelaçam, mas são duas coisas diferentes que, neste primeiro momento, é importante separarmos, para rejuntarmos mais adiante.

Uma coisa é a urgente e imperiosa necessidade da mais ampla unidade para lutar contra o governo Bolsonaro. Outra coisa é que essa ampla “unidade para lutar” se divide em múltiplos programas e projetos quando a discussão passa a ser: qual a alternativa política colocar no lugar de Bolsonaro? E aqui o terreno se complica. Se é verdade que o bloco dos contrários ao presidente só aumenta, não há acordo sequer sobre como e quando tirá-lo do governo, e muito menos sobre o que deve ser posto no lugar.

Unidade na luta contra Bolsonaro

Entre nós do Rebeldia, o Afronte e o Juntos, não há desacordo sobre o fato de a luta pela derrubada de Bolsonaro tem que ser a mais unitária e ampla possível. Que venham setores, inclusive, que votaram no Bolsonaro e romperam com ele, ou, por exemplo, setores da base das Forças Armadas, tanto melhor. Quanto mais gente na rua, mais gente mobilizada e mais gente contra Bolsonaro, melhor.

Mas, depois deste acordo, há uma primeira polêmica sobre como construir esta mobilização. Aqui as duas organizações citadas cometem erros aparentemente opostos. Afronte tenta enquadrar a luta obrigatoriamente sob o manto da direção do PT. Apoiam-se na opinião de que o PT ainda tem grande peso entre os trabalhadores. Por outro lado, o Juntos erra quando, para tentar construir um polo alternativo à ingerência petista, faz uma política como a da Assembleia Popular, com aparência de ser algo de base para unificar todo o movimento, mas que se demonstrou fértil a manobras burocráticas de setores que vem das tradições do PC (UP e PCB), como ficou demonstrado tanto pela convocação como pelo fato de terem impedido uma fala do PSTU naquele espaço.

Mas o fato é que sequer é correto dizer que a tal “unidade para lutar” hoje esteja garantida. Ou mesmo que haja acordo pela derrubada do Bolsonaro entre os setores de oposição ao governo. Por exemplo, vejamos a postura do PT com Quaquá e o do presidente do PT da Bahia, ou mesmo o silêncio de Lula sobre os atos. Então, é preciso lutar contra essa política do PT e de todos os setores da oposição que vacilam na luta pela derrubada do presidente, ou a postergar para as eleições em 2022. Isso não se faz nem construindo espaços artificias de unificação com manobras burocráticas que impeçam a participação de outros setores como fez o Juntos. Nem com simples apelos à direção do PT como faz o Afronte, como se houvesse esperança de mudar em 2021 um projeto político que só se degenerou e se tornou cada vez mais burguês desde 1989.

Precisamos denunciar as manobras e vacilações do PT, CUT, UNE e de todos os setores da oposição. Mas também apontar a necessidade de construir pela base uma alternativa de luta unificada, democrática, popular e independente dos trabalhadores.

PT: Frente Ampla para governar com a burguesia

A questão é que se engana quem pensa que o PT está fazendo corpo mole para os atos, para o impeachment ou para derrubar Bolsonaro agora, por um problema tático, ou de avaliação equivocada, ou uma má localização ou qualquer coisa do tipo. Na verdade, se trata de um caminho bem pensado e definido. O PT não quer derrubar presidentes ou mudar as coisas com a luta dos trabalhadores e da juventude. Este partido tem uma política para a situação atual do país que já foi expressa por Lula diversas vezes: querem construir uma ampla aliança com a burguesia para governar o país. Isso significa que precisam aparecer como alternativa viável para os ricos e poderosos, aparecer como confiáveis e sendo fiadores dos esforços de manutenção da estabilidade burguesa. Ou seja, a tática equivocada do PT de não fomentar a luta está estritamente ligada com seu programa, sua estratégia e seu projeto eleitoral.

Ao tentar apresentar uma “alternativa política unitária” desta “unidade para lutar”, se esquece das contradições profundas que existem no campo de oposição ao Bolsonaro. Por exemplo, se vamos debater as medidas necessárias para uma retomada da economia, para garantir a saúde em tempos de pandemia ou sobre a miséria que se abate sob os trabalhadores, a polêmica entre os setores da oposição ao Bolsonaro, que engloba até setores tradicionais da direita brasileira, se torna gigantesca. O PT mesmo, por exemplo, não move um centímetro em seu programa no sentido de atender aos interesses dos trabalhadores e enfrentar o poder dos capitalistas brasileiros e internacionais que, mesmo na pandemia, vem sugando os recursos nacionais, enriquecendo muito e deixando o povo à míngua.

O projeto do PT é justamente tentar transformar esta “unidade dos que são contra Bolsonaro” em “unidade para governar com todos os setores da burguesia”, incluindo aí ex-bolsonaristas, militares que até ontem estavam no governo, setores do centrão e do que há de pior no país, MDB, PSDB, DEM, e tudo mais. Na verdade, ao invés de enfrentar a direita, querem colocar a direita dentro de um governo seu. E este filme é repetido, não uma vez, mas milhões de vezes, se levarmos em conta as experiencias históricas de diversos lugares. E no fim quem leva o Oscar é sempre os ricos e poderosos.

Afronte e Juntos: Duas estratégias políticas e eleitorais

O primeiro problema de fundo é misturar a unidade para lutar com a unidade para apresentar uma alternativa política, embora com diferenças quanto à amplitude que cada organização dá à sua própria proposta de alternativa política e eleitoral, do seu arco de alianças e do seu programa.

O Afronte, como o Resistência do PSOL, defende uma frente eleitoral de esquerda que congregue todos os partidos que consideram de esquerda incluindo o próprio PT. O Juntos, por sua vez, são críticos da aproximação eleitoral com o PT, defendem uma candidatura do PSOL e para isso já lançaram Glauber Braga, mas não negam alianças com alguns partidos burgueses como o PDT, por exemplo.

Indo ao que significa a posição de cada um, percebemos que o Afronte, com uma política de tentar puxar Lula para a esquerda, como se isso fosse possível, acaba por ser tragado para uma frente sem delimitação de classe, encabeçada pelo PT, mas composta por vários setores da burguesia. O Juntos, embora defenda uma frente mais restrita que a do Afronte, e com críticas ao PT, também defende acordos com setores da burguesia ainda que com amplitude menor.

É emblemático, inclusive, que o Juntos termine sua nota saudando a vitória de Castillo no Peru como expressão desse novo espaço à esquerda que o PSOL pode ocupar. Embora tenha sido positivo ter derrotado eleitoralmente o fujimorismo, Castillo já sinalizou que construirá um governo em aliança com setores da burguesia e inspirado nas experiências do PT no Brasil ou Evo na Bolívia, ou seja, com nenhuma ruptura com o capitalismo.

Esta polêmica também já é parte do debate sobre o próprio projeto do PSOL haja visto a força gravitacional gigantesca que tem exercido o PT, alimentadas pela discussão de propostas de alianças cada vez mais amplas com a burguesia e até mesmo possibilidades de governar de fato grandes estados e cidades. A saída de Freixo ou Jean Wyllys é parte do mesmo processo. Mas este é outro debate.

Só para fechar, são destas diversas estratégias eleitorais e políticas que derivam as táticas de ambas as organizações. Em resumo: a tática do Afronte no movimento foi até agora não se enfrentar com o PT. E a tática do Juntos foi até agora construir espaços seus para empalmar com sua candidatura.

Não há atalhos na luta política

Diferente da maioria das organizações, não colocamos um sinal de igual entre a tática para a luta com a tática para a construção de uma alternativa política e eleitoral. Por que? Porque ambas obedecem a necessidades e pressupostos diferentes.

Seguimos nas ruas unificados com todo mundo na luta direta mais ampla possível para derrubar Bolsonaro hoje. Mas, quanto à saída estratégica para o país, não titubeamos em dizer que precisamos de uma alternativa independente dos trabalhadores, socialista e revolucionária, apoiado em um programa de medidas que ataque a propriedade dos milionários e avance para a expropriação dos grandes grupos capitalistas.

O papel dos revolucionários e socialistas é participar da eleição com este critério. Inclusive, disputando os milhares de ativistas que estão nas ruas contra Bolsonaro para este projeto. Que se discuta voto útil quando for necessário é uma coisa. Mas, que se misturem bandeiras e programas irreconciliáveis, que se coloque o programa dos trabalhadores dentro de uma frente com a burguesia, isto não serve nem na dimensão histórica da luta dos trabalhadores, nem tampouco na dimensão mais imediata para derrotar o bolsonarismo e a ultradireita.

Os atalhos na luta política mudam o caminho. Você pensa que está encurtando o trajeto, mas na verdade está indo para outro lugar. Apresentar governos capitalistas como saídas, ainda que mediadas, não apresentar uma saída dos trabalhadores, é alimentar ilusões que servem para desmoralizar os trabalhadores e ajudam a alimentar a ultradireita. A única vacina eficaz contra o bolsonarismo, contra toda reação, é a derrota do capitalismo e somente uma alternativa independente dos trabalhadores é capaz de fazer isso.

Este programa não é expresso na candidatura do PT de jeito nenhum. Nem na do PSOL, embora este tenha um programa um pouco mais à esquerda. Mas mesmo no PSOL, há diversos setores defendendo coisas bem diferentes, ainda que ambas com limites programáticos. Por exemplo, a candidatura Glauber se diz anticapitalista, mas se restringe a questionar algumas medidas neoliberais .  Outra diferença é que o PT já governou o país, o PSOL não, embora nas prefeituras já se expressem também coisas parecidas.

Fazemos estas considerações sobre a política do Afronte e Juntos no espírito de nos colocar à disposição de continuar e contribuir no debate sobre as saídas e o programa para a esquerda. Inclusive este termo resume bem o início e o fim de todo debate, pois não basta ser de esquerda, ser democrático, mesmo que radical, é preciso ser abertamente socialista e revolucionário.