Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista

A USP está há anos sendo desmontada através de um processo de privatização e, cada vez mais, isso chega perto de inviabilizar a existência e continuidade dos cursos, com a falta de professores. É o que passamos na Letras e demais cursos da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades, o campus da USP na Zona Leste), ECA (Escola de Comunicações e Artes) e a FFCLRP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto), que são, nesse momento, os lugares mais afetados por essa situação.

Na Letras, a gravidade da situação é tão grande que ameaça o fechamento de habilitações que só são ensinadas na USP, como é o caso do Chinês e Coreano. O Centro Acadêmico, do qual o Rebeldia faz parte, fez um levantamento de dados que apontam para a necessidade de contratação de mais de 100 professores! E isso apenas para repor as perdas desde 2014, não para chegar numa situação ideal. Na ECA, o curso de Artes Plásticas começou o semestre com um terço a menos de suas disciplinas, porque não tem professores que ministrem as matérias. Na EACH, a situação da Obstetrícia impede as estudantes de poderem se formar, porque não tem professor para o estágio obrigatório, e outros cursos na EACH e na FFCLRP sofrem com falta de professores também.

A Reitoria não nos deixa outra alternativa senão fazer uma greve! Queremos contratação de professores já!

O Reitor Carlotti, apelidado de Calote pelos estudantes, esteve presente no programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 28/08. Os estudantes da Letras se mobilizaram para mandar releases para a imprensa contando sobre a situação do curso, e o tema foi objeto de pergunta ao Reitor. Calote culpou a falta de professores à crise financeira da USP de 2014 e à pandemia, mais uma vez eximindo a Reitoria atual da responsabilidade e conivência com a situação, como vem sendo o discurso da Reitoria desde que assumiu a gestão no início de 2022.

Ao mesmo tempo em que lava suas próprias mãos, como se não tivesse nada a ver com a falta de professores, a Reitoria tenta passar a imagem de que é a mais preocupada com o tema. Diz que vai repor parte das perdas desde 2014, só que essa reposição será escalonada ao longo dos próximos 3 anos, e não leva em conta as necessidades reais de cada instituto hoje, em 2023, que já são diferentes. E o pior: a Reitoria tem um caixa de quase 6 bilhões de reais, e joga o problema numa crise financeira de 2014!

Além disso, um problema seríssimo que atenta contra o caráter público da universidade é que essa “reposição” é subordinada aos planos de privatização da USP. Ano passado, abriram um edital para 63 professores, que condicionava o contrato ao “mérito acadêmico” e “perfil de excelência” dos projetos. De forma que, além de serem pouquíssimas contratações, usava um critério meritocrático absurdo, ancorado na ideia de “inovação”, que é o discurso que legitima a privatização na USP.

A Reitoria tenta dividir estudantes, professores e cursos, jogando um contra o outro. Já chegou até os estudantes que a Reitoria planeja, por exemplo, tirar professores de outros cursos para dar para a Letras. Dessa forma, ao invés de resolver o problema, vão abrir um buraco em um curso, dando migalhas para outro, para criar um clima de guerra entre os cursos, afinal, é melhor que briguem entre si, do que briguem juntos contra a Reitoria. Nós não podemos cair nesse canto da sereia, que tem como objetivo desmobilizar a luta nos cursos para, uma vez mais, livrar a cara da Reitoria. Precisamos ir pra cima e exigir mais professores, para todos os cursos, de todos os campi!

Não vamos abaixar a cabeça para a Reitoria! Temos que organizar a mobilização e a luta!

É importante que os estudantes utilizem todas as táticas possíveis para pressionar a Reitoria, e que organizem a luta estudantil, junto com professores, servidores e terceirizados. Na Letras, o Centro Acadêmico já levou adiante com os estudantes uma série de iniciativas de luta: paralisações, piquetes no prédio, manifestações em frente à Reitoria, reuniões com a Reitoria e a Direção da FFLCH, e até uma audiência pública na Assembleia Legislativa. Na EACH, os estudantes fizeram uma Ocupação de uma semana no seu prédio que encurralou o reitor Calote e demonstrou que é importante lutar.

Ainda, na semana passada, nos dias 29 e 30, os estudantes de Letras fizeram uma paralisação de dois dias. A paralisação tinha como objetivo que os estudantes ocupassem o prédio para realizar uma série de atividades: debates sobre as mobilizações greves da USP, em especial a vitoriosa greve de 2002, que também começou na Letras, e conquistou quase 100 contratações, e reuniões de estudantes de cada habilitação, para fazer o levantamento das suas demandas, e articular a luta com os professores.

A questão é que precisamos subir o tom da nossa luta e organização, porque mesmo com todas essas movimentações, a Reitoria, junto com as Direções, segue intransigente, fingindo que nada se passa, e questionando o motivo dos estudantes estarem tão “indignados”. É por isso que, se já lutamos muito até agora, é necessário dar esse passo adiante e construir uma greve. É o que os estudantes da Letras se preparam para fazer depois do feriado.

Juntar as lutas para golpear com mais força: construir a greve unificada da USP!

Para conseguir encurralar a Reitoria com mais força, é importante que os cursos, campi e institutos se unifiquem nas suas mobilizações. A luta é como um cabo de guerra: se temos mais força do nosso lado contra a Reitoria, teremos mais chances de vencer o lado de lá, e arrancar da Reitoria as contratações que precisamos. É por isso que dizemos que a greve que a Letras está preparando precisa irradiar para a USP toda. Os cursos precisam organizar suas bases, levantar suas reivindicações, e todos se unificarem, para golpear a reitoria como um só punho.

O DCE, os Centros Acadêmicos e os coletivos precisam ser consequentes e preparar essa greve unificada

A mobilização da Letras demonstra que é sim possível construir essa greve. Demonstra que quando a direção das entidades do movimento constrói a luta junto com os estudantes, cotidianamente, isso permite que eles se engajem e inclusive construam por conta própria a mobilização. É isso o que nós do Rebeldia viemos fazendo na Letras e demais cursos em que estamos, e achamos que é essa a postura que os demais coletivos devem ter nos cursos em que atuam.

Porém, há obstáculos pra construção dessa luta generalizada. E isso não é porque os estudantes não querem lutar, ou porque não se importam, mas porque as direções dos cursos e do DCE seguem atuando com uma lógica extremamente lenta, sem entender a dimensão do desmonte que a USP passa e, portanto, sem mobilizar à altura do ataque que enfrentamos, e sem conseguir canalizar os anseios da base dos estudantes que se coloca à disposição de lutar.

Tem peso especial os coletivos que fazem parte do DCE. O Correnteza, por exemplo, votou contra a paralisação na letras, porque disse que isso “desgastaria” o curso. Mas eles estavam errados, a paralisação ocorreu e centenas de estudantes se engajaram. Na ciências sociais, a UJC, que dirige o CA, foi contra uma paralisação no primeiro semestre, que saiu mesmo assim porque os estudantes votaram a favor, e foi muito vitoriosa. Na sanfran, o Juntos também demonstra muita dificuldade em engajar os estudantes, tendo chamado uma assembleia geral que não aconteceu por falta de participação do curso.

Na ECA há um amplo setor de estudantes que quer fazer coisas mais radicalizadas e sente que o CA, que é composto pelos coletivos do DCE, tenta frear a mobilização. Na EACH, no primeiro semestre, o processo da ocupação passou integralmente por fora da direção do DCE. Tudo isso demonstra que as entidades, os coletivos e o DCE tem tido dificuldades de ouvir as bases e entender como organizar os estudantes, seja mobilizando os estudantes onde ainda não há luta, seja canalizando a força da revolta estudantil na base, quando ela explode.

É verdade que o DCE tem tido iniciativas, como realizar uma Assembleia Geral, que já apontou um calendário de greve, e também a Plenária de estudantes e CAs que debateu a greve. Mas está em aberto se o DCE será capaz de mobilizar os estudantes na prática, e se apoiar nos processos reais que ocorrem. Por exemplo, durante a paralisação da Letras o Centro Acadêmico chamou uma reunião com outros CAs, em que o DCE esteve presente, para pensar ações em comum. Nessa reunião todos acordaram em fazer um panfleto unificado. Esse panfleto foi feito e foi apresentado na Plenária de estudantes e CAs. Só que o DCE preferiu encaminhar a construção de outro panfleto próprio, demonstrando mais uma vez que não está disposto a envolver os setores para além de si na construção das iniciativas na universidade.

Tudo isso deixa a seguinte indagação: os coletivos do DCE serão capazes de mudar de postura com a base dos estudantes e com os cursos, e construir a mobilização? Pontuamos isso muito fraternalmente, justamente porque queremos que os estudantes sejam vitoriosos e que as entidades ajudem a caminhar para essa vitória. Por isso fazemos aqui um chamado. Pra que todos os coletivos e entidades do movimento estudantil se engajem nessa luta, que está ocorrendo de forma localizada em alguns cursos, mas que não pode terminar neles. Precisamos de uma greve unificada pra defender nossa universidade e nosso direito de estudar. Isso exige uma construção cotidiana, real, nas bases, ouvindo os estudantes e seus anseios.

A luta pela contratação de professores deve ser o começo da luta contra a privatização da USP e a privatização e políticas racistas de Tarcísio

Além de defender a privatização abertamente, de levar ela adiante através das iniciativas de “modernização” e “inovação” da USP, a Reitoria também fez uma parceria com o Santander para “resolver” o problema da permanência estudantil. A Reitoria é o serviçal do governo do estado dentro da Universidade. Para Carlotti, não há nenhum problema em ser o serviçal do Tarcísio, que está levando adiante o Programa de Parceria e Investimentos, nada mais do que a privatização que nesse momento ameaça a Sabesp, a CPTM e o Metrô! O sindicato dos metroviários, outros sindicatos e movimentos sociais estão lançando uma campanha estadual contra as privatizações de Tarcísio, e é importante que a luta por contratação de professores na USP também faça parte disso, e que os CAs e cursos se incorporem nessa campanha, uma vez que o desmonte da USP está em consonância com esse pacote de privatizações.

Além disso, se Tarcísio tem como marca, além das privatizações, uma gestão racista, genocida, com aumento da violência policial, Carlotti também não fica atrás: compactua com a presença da PM dentro da universidade, e leva adiante essa política de desmonte que, na prática, expulsa antes de qualquer coisa os estudantes pobres, trabalhadores e negros daqui de dentro. Lutar contra a privatização da USP passa por lutar contra o governo do estado, para derrotar a privatização e as políticas racistas!

A luta da USP é uma luta em defesa da educação pública e contra os ataques de todos os governos aos jovens e à educação

A greve de 2002 é algo que paira como um referencial de luta para nós estudantes hoje em dia. Na Letras os estudantes já sabem: queremos fazer que nem 2002, quando uma greve da USP começou pela Letras, mas se irradiou, e conquistou a contratação de 92 professores. Em 2002, a luta também se enfrentou com a Reitoria e com o governo de SP, que na época era Alckmin. Alckmin mandou a polícia pra cima dos estudantes, além de ter rechaçado a greve e tentado desmoralizar os estudantes perante a sociedade. Essa é uma marca nunca esquecida, o ataque da polícia na FFLCH e as declarações que deu contra a greve.

Alckmin hoje é vice-presidente do país. E desde a presidência, temos visto uma série de ataques à educação. O problema é que esses ataques, se já podiam ser esperados por parte de Alckmin e companhia, não são exclusividade desses setores. Por exemplo, Lula defende o Novo Ensino Médio, que é um projeto de destruição da educação pública nas escolas, e que existe para satisfazer o que querem os empresários da educação, bilionários e os grandes conglomerados privados educacionais. Além disso, é o próprio PT que encabeça ataques duríssimos à educação pública, como o novo teto de gastos que virá através do Arcabouço Fiscal e vai tirar dinheiro da educação, destinando para banqueiros. Esses dois fatos demonstram que Lula e o PT estão comprometidos com um projeto neoliberal, também de privatização e que leva ao desmonte das universidades.

Nós queremos que a luta por mais professores na USP seja vitoriosa, mas a verdade é que defender a universidade e a educação públicas é tarefa permanente de todos os jovens e estudantes, nos mais diversos lugares e universidades, porque os ataques vem de todos os lados. Vencer a batalha na USP é só uma etapa de uma luta mais generalizada, contra a iniciativa privada na educação, e em defesa da existência de uma educação 100% pública e de qualidade.