Plenária do Conune Fotos Maísa Mendes
Mandi Coelho, da Rebeldia, Juventude da Revolução Socialista

Encerrou-se o 59º Congresso da UNE (Conune). O que poderia ter sido um espaço fundamental de debate e articulação do movimento estudantil (ME) brasileiro foi um evento bastante burocratizado e governista, por conta da orientação dada pela direção da entidade, a União da Juventude Socialista (UJS/PCdoB) e o PT.

Eram comuns atrasos nas refeições, a falta de água, mesmo cada estudante pagando uma taxa cara. Além de que foi um evento nada inclusivo para os PCDs, pela desorganização, negligência e burocratização da entidade. Nos espaços de debates o tempo para intervir era restrito e a direção da entidade tentava controlar quais setores da oposição podiam falar. Esta burocratização tem como função manter a entidade a serviço do projeto político do PT, que é capitalista aliado da burguesia, do centrão e até de setores da direita.

De braços dados com o governo e os “tubarões do ensino”

O ápice do congresso foi uma atividade com a presença de Lula. Não foi um encontro destinado à negociação das pautas dos estudantes ou à entrega de reivindicações; mas, sim, uma recepção amigável daqueles que, hoje, são os principais defensores do Novo Ensino Médio. 

A UNE estendeu o tapete vermelho para os que têm como aliados os “tubarões do ensino”, como a Fundação Lemann, os defensores do ensino superior privado e aqueles que aprovaram o Arcabouço Fiscal, que, a longo prazo, retira verbas da Educação.

A UNE convocou uma manifestação contra os juros altos, o que é importante, mas não combinou isto com a luta contra o Arcabouço. Como também não disse que o governo poderia tirar Campos Neto da presidência do Banco Central e só não faz isto porque não quer ferir seus acordos com a burguesia. 

A verdade é que a UNE não organizou a luta dos estudantes contra o Arcabouço de forma coerente, porque isto exigiria um enfrentamento com o governo que ela defende.

Além disso, ao ter garantido a presença de Luís Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e de Flávio Dino, Ministro da Justiça, a direção majoritária tentou fazer do Conune um espaço de apoio às instituições do Estado burguês. 

Contudo, é um absurdo que o movimento estudantil fique a reboque do STF e do Ministério da Justiça, inclusive no que se refere à luta contra a extrema-direita e os bolsonaristas, confiando que estas instituições, que têm muito rabo preso e alimentam a direita ao defender o capitalismo, possam, de fato, derrotar o bolsonarismo.

A principal tarefa do movimento estudantil é derrotar a UJS e o PT

O ME precisa ser independente do governo, lutar por seus direitos e se organizar junto com os trabalhadores, para enfrentar os ataques do governo e derrotar, de uma vez por todas, a extrema-direita bolsonarista. No entanto, a direção majoritária da UNE fez de tudo para que o Conune caminhasse no sentido oposto. É por isso que dissemos: ou o ME derrota a direção majoritária, ou ficaremos de mãos atadas, reféns de um projeto de aliança com setores da burguesia.

Rebeldia no Conune

Construir uma oposição de esquerda tanto na UNE quanto diante do governo Lula

O Rebeldia participou do Conune chamando a construção de uma Oposição de Esquerda (OE), tanto na UNE quanto diante do governo Lula. Todas as resoluções que apresentamos e defendemos nos temas de Educação e Conjuntura foram neste mesmo sentido.  

Também fizemos o chamado para que a UNE rompa com o governo e não participe mais do Conselho de Participação Social, conhecido como “Conselhão”, criado por Lula. Infelizmente, contudo, fomos a única organização que defendeu isso.

A crise na Oposição de Esquerda

A OE vive um momento de fragmentação e crise, em vários sentidos. O que poderia ter sido  a construção de uma unidade, para impor uma derrota à direção majoritária, virou um apanhado de organizações, sem pauta unitária mínima, que apenas girou em torno da disputa por cargos. 

É por isso que dificilmente é possível construir algo conjunto no campo da OE. E quando se tenta algo neste sentido, o resultado se transforma apenas em acordos despolitizados, que não enfrentam, a fundo, a política da direção majoritária. 

A razão para isso é que há um limite programático na OE, uma vez que todas as organizações (algumas mais, outras menos) capitulam, de formas diferentes, diante do governo Lula.  

Caminhando ao lado da direção majoritária

A “Juventude Sem Medo” (composta por organizações como Afronte, RUA, Fogo no Pavio, Manifesta e Travessia) está pavimentando o caminho para compor a direção majoritária.

Optaram por lançar uma chapa própria para a diretoria da UNE, mas não por terem críticas progressivas à OE; e, sim, por terem tido a tentação de se aliar ao setor majoritário. Debateram e colocaram essa possibilidade até o último segundo. Tanto é assim, que defenderam a resolução de conjuntura juntamente com a UJS e o PT.

Os companheiros e companheiras deste setor dizem que sua postura tem a ver com a necessidade de hierarquizar a luta a partir do combate contra a extrema-direita. Mas isso é falso, porque não se combate a ultradireita endossando a perspectiva de um país capitalista, como é defendido pela direção majoritária. Na verdade, é este tipo de postura que abre terreno para a extrema-direita proliferar. 

Por isso, consideramos a postura da “Juventude Sem Medo” um erro gravíssimo. É uma tremenda capitulação. Não apenas à UJS. Também é um passo rumo a se tornarem um setor mais abertamente governista.

Diferentes níveis de capitulação ao governo

Os maiores setores da oposição, como Correnteza (Unidade Popular) e União da Juventude Comunista (UJC/PCB), têm uma postura de despolitização. O Correnteza sequer cita o governo Lula. Tem uma política limitadíssima, que poderíamos chamar de “economicista”; ou seja, restrita aos problemas específicos da universidade ou da UNE, sem conectar isso com os grandes temas e às exigências em relação ao governo.  

Enquanto isto, a UJC até fala do governo, mas não alerta os estudantes de que ele é o agente real, que leva adiante todos ataques. Uma das principais tarefas dos estudantes é exigir que a UNE rompa com o governo. E, por isso, colocar como centro da política qualquer coisa que não aponte neste sentido é uma capitulação à direção majoritária. 

Já o “Juntos”, em que pese que faça críticas aos ataques e fale da independência do movimento estudantil, faz isso com muitos limites e capitulando a uma visão de que o governo estaria “em disputa”. 

Por isso, não chamam a construção de uma oposição de esquerda ao governo. Inclusive, continuam no PSOL, que faz parte da base de apoio ao governo. Como organizar os estudantes para lutar contra um governo sendo parte da sustentação política desse mesmíssimo governo? 

Todos estes setores polemizaram com nossa posição, criticando o chamado que fizemos para que a UNE rompa com o governo ou para que construamos uma oposição de esquerda. Por isso, repetimos, aqui, uma frase que tivemos que repetir muitas vezes durante o congresso: “Companheiros e companheiras, só há duas posições possíveis: ou se apoia o governo ou se faz oposição a ele”.

Nós, do Rebeldia, somos oposição de esquerda, justamente para nos diferenciar da oposição bolsonarista. Mas não se posicionar sobre isso significa dar a entender que se é parte daqueles que apoiam o governo burguês e capitalista de Lula. O ME tem que ser independente, mas isso só pode ser efetivado se nos localizarmos, também, como uma oposição de esquerda ao governo. 

Próximos passos

Reconstruir a Oposição de Esquerda com uma tarefa: derrotar a UJS e o PT

O Rebeldia defendeu uma resolução sobre o movimento estudantil, juntamente com setores da OE, num esforço para pressionar pela unidade daqueles que querem derrotar a UJS. 

Apresentamos uma chapa própria para a direção da UNE, haja visto, inclusive, que, diante de tamanha crise, estava colocada a possibilidade de não haver uma chapa unitária da oposição. Depois da ruptura da “Juventude Sem Medo”, e havendo uma chapa de oposição unificada, optamos por fazer nossa defesa no palco, retirando nossa chapa e chamando o voto na OE.

Temos muitas diferenças, políticas e ideológicas, com os setores da oposição de esquerda. Inclusive, consideramos que, dentro da OE, todos capitulam ao governismo. Temos mais diferenças ainda com aqueles setores que embelezam o stalinismo, que é o promotor de burocratizações aos moldes da UJS. 

Dentre os setores deste tronco politico, há pouquíssima diferença em relação aos métodos utilizados para a condução das coisas. Contudo, taticamente, é muito importante construirmos essa “frente”, tendo apenas uma tarefa comum: derrotar a UJS, o PT e a direção majoritária da entidade estudantil. 

Partindo deste objetivo comum, e fortalecendo a luta por essa mudança, independentemente dos limites de cada setor, seria possível dar um grande passo para que o movimento estudantil se desvencilhasse dos que são, hoje, os responsáveis por suas maiores limitações. E isto não impede que nós seguíssemos polemizando e apresentando nossas diferenças com os setores da OE.

Roupagem revolucionária, conteúdo oportunista

Hoje, há no ME algumas organizações que, acertadamente, criticam o PSOL e sua capitulação ao PT, mas não enfrentam de maneira coerente a política petista. E confundem o que é tático com o que é estratégico.

O Faísca, dirigido pelo Modo Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), capitula ao governo ao não denunciar a presença do Lula com o mesmo peso que fez em relação ao Ministro Barroso. 

Também chamaram uma manifestação contra o Arcabouço e o Novo Ensino Médio, mas não deram uma batalha coerente pela ruptura da UNE com o governo, nem chamaram a construção da oposição de esquerda ao governo. E quando levantam o tema de 2016, parece que querem ser mais defensores do PT do que os próprios petistas. 

Há, ainda, aqueles que nos criticaram pela tática de votar na OE e que defendiam uma chapa sem o PSOL. Temos críticas ao PSOL, como já demonstramos, mas ali se tratava de demarcar um campo unitário de oposição, apesar das diferenças. 

E, ainda que fossemos fazer uma frente apenas com quem fosse contra o governo, haveria limites, porque mesmo quem tem criticado o PSOL não apresentou uma política coerente, que desse a batalha, de conteúdo, contra o governo e pela ruptura da UNE com o Planalto.

Derrotar a direção majoritária para organizar a luta estudantil

Aqueles que se dão a tarefa de lutar contra o governismo no movimento estudantil precisam dialogar com os milhares de estudantes que acreditam na velha oposição de esquerda. Eles receberam milhares de votos daqueles e daquelas que veem neles uma alternativa à velha direção da UJS e PT. 

Nós, que criticamos a capitulação do PSOL ao governo, éramos poucos. Para que possamos aumentar nossas forças é preciso saber fazer uma política que desmascare a UJS e o PT, que enfrente o governismo e debata francamente os limites da OE. Mas que, também, ao mesmo tempo, estabeleça bases para a construção de uma oposição de esquerda alternativa à direção majoritária, com apenas esta tarefa: derrotar a “majoritária” da UNE, para avançar na organização dos estudantes.