A atriz Cássia Kis/Reprodução
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Diante de todos os ataques e barbaridades que a atriz Cássia Kiss lançou aos quatro ventos na quinta passada, dia 27 (em um live com a jornalista Leda Nagle), poderíamos até dizer que ela “naufragou” ou “afundou” na onda conservadora, nos preconceitos e no fundamentalismo característicos do bolsonarismo.

Contudo, “charfudar”, apesar de ser um verbo menos conhecido, é, com certeza, mais apropriado. Afinal, “chafurda” é sinônimo de “lamaçal onde os porcos fuçam” e as posições apresentadas pela atriz não merecem outra comparação: suas falas foram, literalmente, asquerosas e nojentas.

Particularmente em relação a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos (LGBTIs) e todos e todas que não se enquadram nos padrões cisgêneros (que se identificam com o sexo biológico com os quais nasceram) ou heterossexuais. Mas, também, em relação ao direito de escolha das mulheres.

Posições que precisam ser discutidas e combatidas não só porque Cássia Kis é uma figura pública, mas, acima de tudo, porque seus ataques fazem coro e eco à sua assumida adesão ao bolsonarismo, uma “força política” que, sabemos, não deixará de existir, mesmo se conseguirmos impor, amanhã, uma necessária derrota eleitoral a Bolsonaro.

Um ataque inaceitável às LGBTIs e às mulheres

Fiel à visão de mundo distorcida e opressiva de seu candidato, Cássia assumiu o papel de porta-voz de Damares Alves e disparou uma verdadeira metralhadora giratória contra as LGBTIs.

“Não existe mais o homem e a mulher, mas mulher com mulher e homem com homem. Essa ideologia de gênero que já está nas escolas. Eu recebo as imagens inacreditáveis de crianças de 6, 7 anos se beijando, onde há inclusive um espaço chamado ‘beijódromo’ ou algo assim”, afirmou a atriz, citando, como boa bolsonarista, uma “fake news” já desmentida umas tantas vezes.

E, como se não bastasse, foi além, requentando a velha ladainha de que as LGBTIs não só são “destruidoras das famílias”, mas também verdadeiras ameaças à própria humanidade, já que não procriam.

“O que está por trás disso? Destruir a família. Destruir a vida humana? Porque onde eu saiba homem com homem não dá filho, mulher com mulher também não dá filho. Como a gente vai fazer?”, disse Cássia, desconsiderando não só a lógica formal, já que todos os dados indicam que a população LGBTI corresponde a cerca de 10% da humanidade, mas também os avanços da ciência e uma prática em que LGBTIs têm sido exemplares: a adoção.

Além disso, Cássia também atacou o direito ao aborto e até mesmo os métodos contraceptivos legais, se apoiando, desta vez, em um líder político tão (ou ainda mais) nefasto que Bolsonaro: Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria.

“Para esses jovens, fazer um aborto, tomar uma pílula do dia seguinte, um anticoncepcional, é muito fácil, porque eles não têm a referência do bebê, da vida dentro da barriga. Isso é grave, muito grave”, disse a atriz, defendendo um método que só pode ser chamado de tortura psicológica, adotado pelo governo húngaro: obrigar as mulheres que optam pelo aborto a escutar o batimento cardíaco do feto antes do procedimento.

Em primeiro lugar, a atriz pisoteia sobre uma bandeira histórica da luta das mulheres, demonstrando, ainda, uma gigantesca insensibilidade diante das já enormes dificuldades enfrentadas pelas mulheres que optam por um aborto.

Além disso, evidentemente, desconsidera por completo que enquanto a prática é acessível, de forma segura, para mulheres de seu setor social, ano após ano, milhares de jovens, majoritariamente negras e periféricas, morrem ou encaram graves problemas de saúde em função dos abortos clandestinos, como temos discutido em nossas publicações (vide o artigo “A luta pela legalização do aborto na concepção do PSTU”).

Hipocrisia e falso moralismo a toda prova

Que Cássia seja uma atriz talentosa, que já teve brilhantes atuações em novelas, filmes e séries, é algo que não se discute. Contudo, exatamente por isso se esperava mais dela. Mas, o fato é que seus disparates foram tão absurdos que viraram alvo de uma enxurrada de protestos por parte inclusive de seus colegas. Muitos, inclusive, denunciando outros aspectos reveladores da forte identidade da atriz com o bolsonarismo: a hipocrisia e o falso moralismo.

Esse foi o caso, por exemplo, da atriz assumidamente lésbica Lúcia Veríssimo, que postou uma foto de Cássia lhe tascando um beijo nada tímido ou “padrão” família-cristã-fundamentalista, acompanhado de um comentário pra lá de sarcástico, mas muito apropriado: “Meu #tbt de hoje vai ser em homenagem à Cassia Kiss. Que sigamos sem hipocrisia e falso moralismo. Sim, foi de verdade esse beijo. Sim, é a cássia kiss quem está me beijando”.

Além disso, vários órgãos de imprensa resgataram uma capa da revista “Veja”, de 1997, cuja manchete “Eu fiz aborto” estava acompanhada pelas fotos de mulheres “anônimas” e famosas, como Elba Ramalho, Hebe Camargo, Cissa Guimarães, Marília Gabriela e, também, a própria Cássia Kis.

Dizendo-se arrependida, até mesmo porque, depois, segundo ela, foi castigada por deus, sofrendo um aborto espontâneo, Cássia ainda disse que, hoje, levaria uma gravidez adiante mesmo se comprovado “algum problema com o bebê”. O que só comprova sua completa perda de parâmetros ou senso de humanidade. Algo também evidenciado pela absurda declaração que a pandemia foi “maravilhosa” para ela.

LGBTIfobia é crime

Atualmente em cartaz num papel de destaque do principal produto da Rede Globo, a novela das 21h, Cássia Kis não tem sido alvo apenas de críticas, mas também pode (e deve) responder judicialmente por seu crime. Já há pelo menos uma iniciativa: Márcia Verçosa de Sá Mercury, filha da cantora Daniela Mercury e da jornalista Malu Verçosa, ingressou com uma Representação Criminal no Ministério Público, por LGBTIfobia.

Diante disto, pra variar, a emissora está se equilibrando na corda bamba, tendo se limitado a emitir uma nota, afirmando que “a Globo tem um firme compromisso com a diversidade e a inclusão e repudia qualquer forma de discriminação”. Uma situação, contudo, que pode mudar, já que muitos dos que estão trabalhando com ela já declararam que tais posturas têm sido recorrentes, inclusive com “orações” e pregação em meio às gravações, além de concordarem que a atriz incorreu em um crime e merece ser punida, a começar pela própria emissora. Algo com o que concordamos inteiramente.

Um exemplo lamentável do que vem pela frente

Às vésperas das eleições, é evidente que a descarga de dejetos despejada por Cássia teve como objetivo fortalecer Bolsonaro. E posturas como a dela só acrescentam mais razões para que, neste dia 30, o derrotemos nas urnas, pois não temos nenhuma dúvida de que, permanecendo na máquina do Estado, o atual presidente irá avançar ainda mais na propagação do discurso de ódio e nos ataques contra mulheres, LGBTIs, indígenas, negros e negras e todos demais setores historicamente marginalizados.

Como também temos certeza que, para tal, Bolsonaro irá avançar ainda mais nas medidas autoritárias, de cunho ditatorial, e no cerceamento das liberdades básicas para que possamos nos organizar e lutar. Não só contra este tipo de ataques, mas também contra seus projetos de superexploração.

Contudo, Cássia também deve servir como um alerta do que está por vir mesmo se consigamos derrotar Bolsonaro nas urnas. O bolsonarismo não é uma nuvem passageira nem uma aberração momentânea.

Bolsonaro é uma excrescência da decadência e crise do capitalismo, a exemplo de “trumpismo”, no EUA, Macron (França), Viktor Orban (Hungria), Giorgia Meloni (Itália), Mateusz Morawiecki (Polônia) e partidos que têm se destacado em eleições na Europa como os Democratas Suecos (parte do atual governo), o Vox (3ª força no Congresso do Estado Espanhol) e Partido da Liberdade (4ª partido no congresso da Áustria).

Por isso, também, estamos convictos de que nosso voto na Frente Lula-Alckmin tem que ser crítico e sem ilusões. Há mais do que indícios de que, em função de seu projeto de conciliação de classes e das alianças, inclusive com setores dos mais conversadores da burguesia (a começar pelo seu vice), um eventual governo petista não irá encarar estas questões da forma que necessitamos.

A “Carta Compromisso aos Evangélicos” já deixou isto evidente, ao anunciar que, se eleito, Lula não irá encaminhar para o Congresso nenhuma proposta que se ameace os “valores cristãos e da família brasileira”.

Um compromisso que, diga-se de passagem, está sendo colocado em prática desde já, basta lembrar da vergonhosa postura de Lula no último debate com Bolsonaro, na sexta, dia 28, quando o petista fugiu, homericamente, de todas as questões e provocações que lhe foram feitas sobre temas como “ideologia de gênero”, aborto e direitos LGBTIs.

Diante disto, só há um caminho: derrotar Bolsonaro nas urnas para que tenhamos melhores condições de nos organizarmos (inclusive através da autodefesa) para as lutas que virão pela frente, com independência de classe e apoio incondicional às lutas e direitos de todos setores oprimidos, como também por um Estado realmente laico, onde liberdade religiosa não se confunda com questões de Estado.