Bolsonaro e Paulo Guedes tentam explicar o furo do teto Foto Clauber Cleber Caetano -PR

O governo Bolsonaro passou por uma de suas maiores crises na última semana, com a debandada da equipe de Paulo Guedes e rumores da demissão do próprio. Como pano de fundo desse tremor, a pressão de Bolsonaro para a implementação do que seria um Bolsa Família reformulado, o tal “Auxílio Brasil”, um programa social para chamar de seu e garantir a reeleição no ano que vem.

O problema é que esse programa, cuja validade seria exatamente até o final de 2022, provocaria o estouro do teto dos gastos, a regra imposta pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em 2017, durante o governo Temer, que impede o aumento dos gastos públicos. O tal do mercado se insurgiu, o dólar subiu, e um Paulo Guedes humilhado (mas R$ 120 mil mais rico num único dia com sua offshore nas Ilhas Britânicas) foi a público dizer que permanecia no cargo, e que o tal do teto seria mantido, só flexibilizado um pouco.

Um alienígena recém-chegado no Planalto talvez pudesse achar que o governo, diante da catastrófica crise social pelo qual o país passa, finalmente se sensibilizou e resolveu recuar de uma política ultraliberal a fim de minimizar os sofrimentos da população diante do avanço da miséria e da fome. “Preferimos tirar 8 em fiscal — em vez de tirar 10 — e atender aos mais frágeis”, teria ouvido do ex-Posto Ipiranga.

Quem vive no Brasil, porém, sabe que é exatamente o contrário. Depois de ter cortado o auxílio-emergencial pela metade e o extinguido no final de 2020, sendo obrigado a retomá-lo com um valor mais baixo no pico da pandemia em 2021, o governo põe fim definitivo ao programa que atendia cerca de 35 milhões de pessoas, quase metade dos 67 milhões que recebiam o benefício ano passado.

No lugar, Bolsonaro quer implementar um verdadeiro “vale-reeleição”, o seu “Auxílio Brasil”, com o valor de R$ 400 para 17 milhões de famílias, substituindo o Bolsa Família que paga hoje uma média de R$ 191 para 14 milhões. Porém, com o fim do auxílio-emergencial, cuja última parcela acabou de ser depositada, algo como 18 milhões de pessoas ficarão ao leu, sem qualquer fonte de renda.

O que o governo não diz, e o que deveria ser notícia pelo impacto que vai causar, não são R$ 100 a mais que teriam implodido a equipe econômica e alvoroçado os mercados, mas os 18 milhões que serão jogados na miséria. Isso num país em que quase 20 milhões estão em situação de fome, e mais de 100 milhões convivem com algum tipo de insegurança alimentar.

Tirando dos pobres para dar aos miseráveis

Como se não bastasse tirar o auxílio de 18 milhões de pessoas, o governo Bolsonaro vai mandar a conta de seu “vale-reeleição” para os aposentados, os trabalhadores e os mais pobres. É só ver o caso dos precatórios. A comissão da Câmara acabou de aprovar a PEC que determina um limite para o pagamento desse tipo de despesa. Na prática, institucionaliza o calote nas dívidas judicializadas da União já julgadas.

São, em sua maioria, pedidos de revisão de aposentadorias, correção de salários ou direitos, entre outras pendências. Dívidas que já demoram anos para serem pagas, muitas vezes o beneficiário falecendo esperando receber o que tem direito. Para se ter uma ideia, dos R$ 56,4 bilhões de precatórios que o governo deveria pagar em 2021, R$ 35,5 bilhões são dívidas com aposentadorias, servidores e BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Outra fonte para o Auxílio Brasil é a tão falada revisão na correção do teto dos gastos. Pela regra aprovada em 2017, a correção do teto pela inflação deveria ocorrer nos 12 meses acumulados até junho. Pela nova regra, essa correção passa a ser realizada de janeiro a dezembro. O que muda? Como a inflação disparou nos últimos meses, ultrapassando os dois dígitos, a tal correção seria maior neste ano. Ou seja, a disparada da inflação no último período é o que abre esse “espaço fiscal”.

Esse teto, é bom lembrar, é garantido através de um brutal arrocho que afeta praticamente todos os setores públicos. Um exemplo recente foi o corte de 90% da Ciência e Tecnologia. Sem falar nas privatizações que são a obsessão do governo e cuja receita também compõem o teto.

Juntas, essas medidas “liberariam” algo entre R$ 80 e R$ 90 bilhões, o que cobriria o Auxílio Brasil (R$ 37 bilhões do atual Bolsa Família mais R$ 50 bilhões das parcelas temporárias até 2022). E depois das eleições? Para Bolsonaro, não importa.

Resumindo: Bolsonaro vai tirar o auxílio de 18 milhões, impor um “vale-reeleição” que não paga metade de uma cesta básica, e a conta vai para aposentados, servidores, e os trabalhadores em geral que mais dependem dos serviços públicos.

Tira com uma mão dos pobres para dar uma migalha disso aos mais pobres ainda.

Manifestação dia 2 de outubro em SP Foto Paulo Pinto

Enfrentar os bilionários para acabar com a fome e a carestia

O programa eleitoreiro de Bolsonaro é uma mal-ajambrada maquiagem no cenário de caos social em que boa parte da população se vê mergulhada. Não vai acabar com a fome, até mesmo porque a inflação só cresce e, daqui a pouco tempo, esse “aumento” vai desaparecer. Até mesmo o arroz e o feijão, base típica da alimentação do brasileiro, teve a maior alta em oito anos (segundo a FGV considerando o acumulado até abril). As cenas de famílias disputando ossos ou amontoadas em caminhões de lixo são expressões da barbárie que avança com essa política econômica que privilegia os ricos e bilionários, enquanto, de forma cínica, oferece uma esmola aos miseráveis pegando dinheiro dos próprios trabalhadores.

Enquanto isso, Bolsonaro dispõe de um “orçamento secreto”, conjunto de emendas para comprar votos no Congresso Nacional, de R$ 16,9 bilhões. Já as desonerações às grandes empresas contabilizam outros R$ 315 bilhões, mais de três vezes que o vale-reeleição do governo, e o equivalente a todo o valor gasto com o auxílio-emergencial em 2020 a 67 milhões.

A classe trabalhadora e o povo pobre não podem aceitar pagar por essa crise, e muito menos pelo programa eleitoreiro de Bolsonaro. É preciso manter, e ampliar o auxílio-emergencial diante do avanço avassalador da fome, da carestia e da miséria. Não para R$ 400, mas para, pelo menos, um salário mínimo. E dinheiro para isso existe, basta acabar com as emendas secretas, com as desonerações bilionárias, e taxar fortemente os ricos, a elite econômica que compõem 0,1% da população e que tem nas mãos as maiores empresas do país.

O combate à miséria e à fome, enfim, passa por um programa que ataque os interesses dos ricos e bilionários, como o próprio Guedes que, só enquanto esteve à frente da Economia, viu sua fortuna escondida em offshore crescer R$ 14 milhões. Um conjunto de medidas que suspenda o pagamento da dívida aos banqueiros, a proibição da remessa de lucros e a reestatização das empresas privatizadas, como a Petrobrás, acabando com a paridade do preço do combustível em dólar e reduzindo seu preço aqui. O fim do chamado PPI (Preço da paridade de importação) do petróleo é o que, inclusive, atenderia a principal reinvindicação dos caminhoneiros, e não a esmola de R$ 400 apelidada pela própria categoria de “mel na chupeta”.

Para acabar até mesmo com o flagelo da fome, assim, é preciso enfrentar os ricos e bilionários. Lutando para derrubar este governo já, e não ano que vem e, junto a isso, discutindo um programa e um projeto dos trabalhadores à crise e ao país.

Lula, por exemplo, disse recentemente que Henrique Meirelles seria seu ministro “dos sonhos” num eventual novo governo. Justamente quem elaborou o teto dos gastos e que, agora, critica Bolsonaro por não respeitar a medida que impõe arrocho e serve de parâmetro para asfixiar os investimentos públicos. Por isso que uma “frente ampla” com a burguesia, como a que se desenha para 2022 com o PT à frente, com o apoio de setores como o PSOL, não vai resolver o problema da fome, do desemprego e da carestia. Tampouco uma “terceira via” como um Ciro Gomes ou qualquer outro nome da direita tradicional. O debate não pode ser entre manter ou não o teto. É se continuamos nessa política econômica que condena milhões à miséria para manter os lucros dos banqueiros e bilionários, ou se organizamos a classe trabalhadora para impor um projeto seu, que faça com que os ricos paguem pela crise.

É necessário um programa dos trabalhadores, e fortalecer um projeto socialista e revolucionário de país, que coloque uma perspectiva de uma real mudança social. É a serviço desse projeto que está o Polo Socialista e Revolucionário, lançado no último dia 7, do qual o PSTU faz parte.

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Editorial: Enfrentar os super-ricos para acabar com o desemprego, a fome e a carestia