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O PL 490 que institui o marco temporal e delimita as Terras Indígenas (TIs) aos territórios comprovadamente ocupados até o dia 5 de outubro de 1988 é a simples e nefasta continuação do genocídio indígena iniciado desde que o primeiro conquistador europeu pisou nas Américas.

O projeto é da bancada ruralista e tramita no Congresso desde 2007. No dia 24 de junho foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Congresso Nacional, embora contrarie a Constituição Federal, que considera a demarcação das terras indígenas como originária, tradicional e imprescindível, devendo ser feita em base a estudos sociais, antropológicos e históricos.

Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) também vai julgar a constitucionalidade do tema a partir do dia 30 de junho. Nesse caso, o Supremo julgará a demarcação das terras indígenas do povo Xokleng, em Santa Catarina.  Sendo assim, o que for decidido relativo ao povo Xokleng vai estender-se aos demais casos que envolvem a demarcação de terras indígenas no Brasil.

Caso aprovado, o marco temporal representaria o fim dos direitos constitucionais indígenas. Vai legitimar as invasões, as expulsões e a violência cometidas contra eles. Todas as terras indígenas que foram demarcadas na última década e que tiveram estudos técnicos embasando a ligação dos povos originários com elas, todas essas demarcações seriam simplesmente anuladas. Tudo isso pelo simples fato de os povos indígenas não estarem na data exata da promulgação da Constituição em 1988.

Mas por que muitos indígenas não estavam em seus territórios nessa data? Ora, quem conhece um pouco da história do Brasil sabe que a razão para isso é muito óbvia: os indígenas foram expulsos e impedidos de estar em suas terras. Impedidos por jagunços armados de latifundiários ou mesmo pelas “autoridades” do Estado brasileiro, que simplesmente removeram os indígenas de terras cobiçadas pelos fazendeiros. É o caso, por exemplo, dos Guarani-Kaiowás do Mato Grosso do Sul, que foram removidos de suas terras pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A ordem é roubar terras

O agronegócio precisa roubar terras para seguir existindo. Precisa de novas terras férteis e baratas, uma vez que sua expansão esbarra no empobrecimento das terras cultivadas e na forte especulação imobiliária em regiões mais antigas de sua expansão. Por isso avança sobre terras públicas na forma de grilagem e da violência.

O avanço sobre as terras indígenas é, particularmente, mais perverso, pois historicamente é acompanhado por uma ideologia racista que animaliza os indígenas, caracteriza-os como seres inferiores, não civilizados e que, portanto, não merecem viver ou precisam ser salvos da suposta selvageria em que vivem.

Dados públicos oficiais indicam que o país tem, entre terras federais e estaduais, cerca de 263 milhões de hectares (aproximadamente 30% do território nacional). São Terras Indígenas, quilombolas; Unidades de Conservação etc.. A estes números devem ser somados os cerca de 141,5 milhões de hectares de terras devolutas, federais e estaduais, ou seja, que não foram discriminados pelo Estado. A maior parte dessas terras públicas está na Amazônia legal, o que explica o avanço das queimadas e do desmatamento, o primeiro passo para convertê-las em terras privadas.

Além disso, os capitalistas cobiçam minerais preciosos nas Terras Indígenas, como as reservas de ouro nas terras dos Mundurukus do Tapajós, no Pará, e nos territórios Yanomamis.

Bolsonaro e sua corja falam que no Brasil tem “muita terra para pouco índio” e que a demarcação seria um obstáculo ao desenvolvimento. Esse argumento não questiona o fato de 60% das propriedades rurais no Brasil estarem nas mãos dos menos de 2,5% dos imóveis rurais cadastrados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Só no Mato Grosso do Sul, cerca de 17% dos imóveis rurais possuem 27 milhões de hectares, o equivalente a 80% de toda a área cadastrada do estado no Incra.

Mas onde vivem os povos originários?

Mais de 98% das TIs estão na Amazônia Legal. Elas servem de obstáculos à destruição ambiental para a abertura de áreas para pecuária, exploração de madeira, minérios e monocultivos.

Fora da Amazônia Legal, vivem aproximadamente 45% dos indígenas, em meio a confinamento, muita violência e miséria. Das 298 TIs fora da Amazônia Legal, 146 ainda não tiveram seu processo de reconhecimento finalizado. Essas terras representam somente 1,6% da área total de TIs no Brasil, embora abriguem 45% da população indígena em terras indígenas.

Os povos originários reagem e lutam por suas terras ancestrais, roubadas por grandes fazendeiros e especuladores. Não por acaso, é nessas regiões que acontecem os grandes conflitos por terra no país.

Vamos à luta, ao lado dos indígenas, conta o marco temporal! O genocídio não vai passar!

Depois de Ricardo Salles

Um novo ministro pra tocar a boiada

Ricardo Salles foi exonerado do cargo de ministro do Meio Ambiente, numa tentativa de preservar o governo das suas negociatas corruptas com madeireiros e grileiros de terra. Mas não há motivos para comemorar.

Em seu lugar foi nomeado Joaquim Álvaro Pereira Leite. Filho de família tradicional de fazendeiros de São Paulo, Pereira Leite já integrava o Ministério do Meio Ambiente, à frente da Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais. Foi, ainda, conselheiro por mais de 20 anos da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das organizações que representam o setor agropecuário. Como qualquer outro grande latifundiário, ele também é um ladrão de terras e disputa judicialmente um pedaço da Terra Indígena Jaraguá, na capital paulista.

Salles saiu, mas a boiada continua, agora sob o comando de outro peão da União Democrática Ruralista (UDR) e de Bolsonaro.

Saiba mais

O que é o marco temporal

O artigo 231 da Constituição Federal se refere à demarcação das terras indígenas como originária, tradicional e imprescindível. Mas os ruralistas querem instituir o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Isso significa que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de seus territórios nos casos de posse comprovada da área reivindicada em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Essa interpretação é defendida por Bolsonaro e seus amigos da assassina União Democrática Ruralista (UDR) – ele prometeu em sua campanha que não demarcaria nem um centímetro de terra indígena –, como também por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Gilmar Mendes.