Comemoração durante voto do STF contra o Marco Temporal. A luta deve seguir contra as indenizações Foto Apib
Waldemir Soares, da CSP-Conlutas

A Constituição Federal comemorou 35 anos de sua promulgação nesse dia 5 de outubro. E, com ela, a omissão aos direitos indígenas naquele momento conquistados. Na oportunidade, os deputados constituintes decidiram que a União deveria demarcar todos os territórios indígenas no prazo de 5 anos (ADCT artº 67).

Nem nos 5, tampouco nos 35 anos.

Os indígenas ainda aguardam a garantia de seus territórios. E, com a força do agronegócio e da bancada ruralista, a luz no final do túnel pela suposta vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a tese do Marco Temporal pode ser um trem desgovernado.

Sob o comando do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi aprovado o PL nº2903 que, além reconhecer a tese do Marco Temporal, libera para não indígenas a exploração florestal e mineral dos territórios, abre caminho para redução ou extinção de áreas já demarcadas, a indenização para grileiros, etc.

A indenização para a grilagem do PL 2903 é similar à modulação reconhecida pelo STF a partir do voto do Ministro Alexandre de Moraes, que requenta o posicionamento de seu padrinho no Ministério da Justiça e também para o STF, o ex-presidente Michel Temer.

Aliás, o ex-presidente Michel Temer também é padrinho político da ex-candidata à presidênciam Simone Tebet, atual Ministra de Orçamento e Planejamento, que defendeu a mesma indenização para grileiros em sua campanha eleitoral de 2022.

Na política não existem coincidências. Impedir a demarcação dos territórios indígenas é uma necessidade para o atual modelo econômico com base no agronegócio. A cultura dos povos indígenas impede a exploração capitalista da natureza, e se coloca como fronteira para expansão dos campos de produção da agricultura, pecuária e mineração.

Atualmente, constam 736 terras indígenas com registros na Funai. Essas áreas representam aproximadamente 13,75% do território brasileiro, estando localizadas em todos os biomas, sobretudo na Amazônia Legal.

Ainda, há cerca de 490 reivindicações de povos indígenas em análise no âmbito da Fundação que serão afetados diretamente pela modulação imposta pelo STF e também pela eventual promulgação do PL 2903.

Nos bastidores já existe um acordo entre Lula e ruralistas para indenizações à grilagem. Inclusive se cogita a edição de uma Emenda Constitucional (EC) para alterar o artigo 231 e seus parágrafos 2º, 3º e 6º para garantir a exploração florestal e mineral por não indígenas e a indenização de terra nua (sem benfeitorias e especulativa).

Isso é uma expressão dos acordos entre o governo federal, o agronegócio e os interesses por trás das mineradoras. O que faz com que haja situações como a da Terra Indígena Mundukuru, na região do Alto Tapajós, no Pará. Durante o governo Bolsonaro, a área de exploração ilegal na região cresceu cinco vezes, envenenando as comunidades indígenas com mercúrio, e acabando com a pesca e a caça, provocando uma grave crise humanitária, a exemplo do que vimos na TI Yanomami. Existe hoje um plano pronto do Ibama para a retirada dos invasores da TI, mas até agora ele não foi colocado em prática pelo governo.

Neste contexto, a inclusão da indenização nos moldes do PL 2903 no processo de demarcação contrariando o artigo 231 §6º da Constituição Federal de 1988, traz muita similaridade com a Titulação do Territórios Quilombola e a Reforma Agrária que seguem o rito administrativo da desapropriação e as regras do Arcabouço Fiscal.

Indenizar a grilagem é favorecer os criminosos que expulsaram os indígenas de seus territórios (na maioria das vezes com violência). Não se trata do convívio com pequenas comunidades tradicionais, que muitas etnias aceitam a partir da sua autonomia. Mas de grandes áreas de terras públicas utilizadas para fins privados e mantidas através da pistolagem.

É neste contexto que os movimentos indígenas devem manter as mobilizações. O que se desenha para os direitos indígenas é uma falaciosa vitória, onde se derruba a tese do Marco Temporal, mas os povos continuam sem seus territórios e aos poucos perdendo a identidade até a extinção.

É ganhar e não levar. É subir a rampa e não governar.