Bolsonaro e Arthur Lira durante promulgação da PEC do Desespero. Foto Agência Brasil/Wilson Dias

Numa votação expressa conduzida pelo trator Arthur Lira (PP-AL), que atropelou o próprio regimento da Câmara, a “PEC do Desespero” foi aprovada nesta quarta-feira, 13, liberando R$ 41,25 bilhões numa série de medidas eleitoreiras que, sem resolver qualquer problema da população ou dos mais pobres, busca colocar Bolsonaro no segundo turno das eleições.

De uma estranha pane no sistema de votação, justo no momento em que o ponto de “estado de emergência” da PEC era ameaçado, à mudança repentina no regimento que permitia a votação remota além das segundas e sextas, como era antes, Lira comandou a votação com mão de ferro. O que não é nenhuma surpresa, já que o líder supremo do Centrão é hoje uma espécie de primeiro-ministro do governo Bolsonaro, que passou ao aliado as chaves do cofre do Orçamento. A própria PEC foi articulada diretamente com Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Já a oposição, embora tenha tentado fazer algum barulho e alterar alguns pontos, como derrubar o estado de emergência ou tornar permanente os benefícios, ao final votou junto com a base bolsonarista, como já havia feito no Senado. A oposição poderia ter denunciado que medidas como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, hoje, não compra sequer uma cesta-básica, e proposto seu aumento para ao menos um salário mínimo. Num momento em que o próprio governo para se reeleger implodiu, de uma só vez, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que restava do teto de gastos e a lei eleitoral, estendendo o conjunto de “ilegalidades” até à votação na Câmara, seria o momento perfeito para mostrar que nada disso é realmente um empecilho, basta ter disposição.

Os partidos como o PT, PCdoB, PSOL e Rede, porém, preferiram votar junto com o governo sob o argumento de que não poderiam ir contra o aumento de auxílios à população mais pobre. Mas, estivessem realmente preocupados com o povo, defenderiam um auxílio de verdade, não só em relação ao valor ou ao seu tempo de validade, mas a sua extensão às 67 milhões de famílias que, após o fim do Auxílio Emergencial durante o auge da pandemia, ficaram sem qualquer tipo de renda. O que preocupa a oposição de fato é, às portas das eleições, se mostrar confiável ao mercado financeiro e ao grande empresariado, “responsável” do ponto de vista fiscal. Resumindo: indicar que, uma vez eleita a chapa Lula-Alckmin, a prioridade do governo continuará sendo remunerar banqueiro e especulador através da mal-chamada dívida pública.

Protesto em Higienópolis contra a fome. Foto Elineudo Meira/Jornalistas Livres

PEC não vai resolver pobreza ou miséria

As principais medidas da “PEC do Desespero” é o aumento do Auxílio Brasil dos atuais R$ 400 para R$ 600, zerar a fila pelo auxílio, a criação de um “voucher” aos caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil, além de benefícios para taxistas e um reajuste no auxílio-gás. Tudo isso só até dezembro deste ano. A expectativa é que esses benefícios comecem a ser pagos no início de agosto.

Esse pacote eleitoreiro, no entanto, é insuficiente até mesmo para aliviar a situação de penúria e miséria que atinge milhões de brasileiros. Para começar, o valor de R$ 600 é menor que o auxílio emergencial lá atrás, uma vez que a inflação deu um salto nesse tempo. Para se ter uma ideia, a cesta básica hoje em São Paulo custa R$ 777,93, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). E, por mais que a expectativa seja de arrefecimento da inflação nos próximos meses, isso ocorre com os preços já nas alturas. Os “subprodutos” vendidos nos supermercados à população virou símbolo dessa situação: restos e carcaças de carne, soro no lugar do leite, “mistura láctea” no lugar do leite condensado, e “mistura com queijo” no lugar do queijo ralado.

Nem ao menos está garantido zerar a fila pelo Auxílio Brasil. Só de março a abril, houve aumento de 113% no pedido de ingresso no CadÚnico. Esse aumento provocado pela inflação e o rápido empobrecimento das famílias criou já uma espécie de “fila da fila”, tendo hoje algo como 2,7 milhões à espera do benefício. Até agosto, esse número já vai ter aumentado ainda mais.

Dando com uma mão, tirando com outra

É tão pouco o que a PEC garante que analistas já colocam em dúvida se isso será suficiente para alavancar Bolsonaro nas pesquisas. Apesar de R$ 200 a mais pesar na conta das famílias mais vulneráveis, o impacto que isso vai ter será bem menor que o do auxílio emergencial. E não só pelo fato de o Auxílio Brasil chegar a menos gente, mas também pelo empobrecimento enfrentado pelas famílias no último período, criando uma “demanda reprimida”. Exemplo disso é a explosão do número de inadimplentes, que chegou ao recorde de 66,6 milhões de pessoas segundo o Serasa. Ou seja, longe de significar algum aumento da renda, como foi no Auxílio Emergencial, boa parte disso vai para pagar dívidas contraídas nesse tempo, ou no máximo servir para devolver só parte do poder de consumo que as famílias perderam. Não vai melhorar a vida dos mais pobres, muito menos resolver o problema dos 33 milhões de pessoas que vão dormir de barriga vazia hoje no país.

Cartaz na Av Paulista denuncia volta da fome

Tirar dos bilionários para acabar com a fome, a carestia e o desemprego

Percebeu que a aprovação da PEC eleitoreira teve mais resistência de setores da imprensa do que do mercado financeiro? As bolsas não caíram e o dólar não disparou após a sua aprovação. Isso porque eles sabem que o dinheiro para pagar pela compra de votos não virá do bolso deles, mas da própria classe trabalhadora. E isso através das privatizações, do aumento dos juros que remunera os banqueiros via dívida pública, e cortes nos serviços públicos, como Saúde e Educação. Um bom exemplo disso é a redução do ICMS que financiou a pequena diminuição do valor dos combustíveis após sucessivos aumentos. Essa grana sai do imposto que financia grande parte da Saúde e Educação. A previsão é que só a Educação perca R$ 21 bilhões nos estados e municípios, a maior parte na Educação Básica.

A PEC aprovada pela base bolsonarista e a oposição não vai resolver o drama da fome e da miséria, tampouco aliviar a carestia que flagela o conjunto da classe trabalhadora. Pelo contrário, Bolsonaro impõe um plano descarado de compra de votos e joga a conta para a própria população.

É preciso um verdadeiro plano para atender as necessidades da classe trabalhadora e da população mais pobre. Primeiro, uma medida emergencial para as famílias pobres, retomando o Auxílio Emergencial para todos os que o recebiam, e de ao menos um salário mínimo. Não só até as eleições, mas enquanto durar a crise. Junto a isso, isenção de todas as tarifas como transporte, água e luz, a todos os desempregados.

Segundo, acabar com o desemprego reduzindo a jornada de trabalho, sem redução de salários ou direitos, distribuindo todo o trabalho existente a todos os que necessitem trabalhar. Ao mesmo tempo, um plano de obras públicas que possa absorver parte dos desempregados e, junto a isso, atacar problemas históricos, como saneamento básico e moradia.

Terceiro, revogar por completo a reforma trabalhista e toda forma de precarização do trabalho. Todo trabalhador com carteira assinada e plenos direitos.

Quarto, aumento geral dos salários, começando pelo próprio salário mínimo, duplicando seu valor rumo ao mínimo definido pelo Dieese, que em junho estava em R$ 6.527,67. Congelamento de todos os preços e gatilho salarial: aumentaram os preços, aumentam os salários.

Parece impossível? Acabamos de ver que o governo e o Congresso Nacional não têm o menor problema em passar por cima de leis e regimentos se for de seu interesse. Mas eles nunca vão fazer isso, justamente porque teriam que mexer nos lucros dos bilionários, das grandes empresas, multinacionais e banqueiros que são justamente para quem eles governam. Tampouco um futuro governo Lula-Alckmin junto a esses mesmos setores. Também acabamos de ver isso na prática.

Todas essas medidas só serão arrancadas através da organização e da mobilização independente da classe trabalhadora que, através da luta, imponha um plano que ataque os lucros e propriedades dos bilionários, das multinacionais e do latifúndio. Que reestatize a Petrobras e todas as empresas entregues ao capital internacional e as coloque para atender as necessidades da população, e não de meia dúzia de megaespeculadores na Bolsa de Nova Iorque. A mesma coisa com as multinacionais que, hoje, dominam a maior parte da nossa economia.

E isso só será possível através de um governo dos trabalhadores, apoiado na mobilização e na organização da própria classe e do povo pobre. Para avançar nisso, é preciso fortalecer um projeto socialista e revolucionário. Ganhar o maior número de trabalhadores, jovens e ativistas a essa ideia. Nessas eleições, a pré-candidatura do PSTU e do Polo Socialista Revolucionário à Presidência, encabeçada pela Vera, e demais pré-candidaturas regionais, têm esse objetivo.

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