O governo Lula serve aos interesses da burguesia brasileira e internacional | Fotos: Ricardo Stuckert/Divulgação
Júlio Anselmo

O novo governo Lula contribuiu para uma série de debates em diversas organizações de esquerda. O PSOL vem passando por turbulências, em meio à realização de um congresso bastante polarizado, e recentemente sofreu rupturas. Também se tornou pública uma grande crise no PCB. 

Apesar de serem processos muito diferentes, há um tema em comum: qual relação aqueles que se consideram socialistas, comunistas ou revolucionários devem ter com o atual governo Lula.

Isto não é à toa. O governo Lula tem uma característica bastante peculiar. É um governo burguês; ou seja, que administra o capitalismo, a serviço dos interesses da burguesia brasileira e internacional. 

Isso pode ser comprovado pelas medidas que implementa, como o Arcabouço Fiscal, a Reforma Tributária e, também, pela composição do governo. Ao mesmo tempo, se apresenta e é visto, por uma parte dos trabalhadores, como um governo popular, dos próprios trabalhadores ou de esquerda. 

Um governo desse tipo exerce uma forte pressão oportunista, capitalista e burguesa sobre os ativistas e as organizações de esquerda. Contudo, ao mesmo tempo que cria dificuldades, também pode abrir a oportunidade de desmascarar e superar organizações que se dizem dos trabalhadores, mas que servem à burguesia. 

Então, saber o que fazer, qual programa ter e como enfrentar o novo governo Lula são condições fundamentais para o desenvolvimento de uma organização que se diga revolucionária e socialista. E, em última instância, para a luta pelo socialismo.

 Posições 

“Esquerda governista” e “governistas com críticas”  

A maior parte da esquerda apoia abertamente o governo Lula. Estamos falando, evidentemente, do próprio PT e, também, do PCdoB. Mas, o que não é tão óbvio é o fato que, ao dirigir grandes organizações do movimento dos trabalhadores, camponeses e estudantes, estas organizações atrelam a UNE, a CUT e o MST, por exemplo, ao governo. E estes setores justificam os acordos de Lula com o Centrão e grande parte da burguesia, além de comemorarem até mesmo o apoio do imperialismo.

Que o PT e o PCdoB defendam abertamente o Arcabouço Fiscal, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e todas as iniciativas do governo que resultam em lucros para os bilionários e ataques aos trabalhadores já é ruim. Mas, pior ainda é que tentam transformar isso em pauta dos movimentos e, assim, funcionam como uma trava para as lutas do povo por suas reivindicações. Por isso, é tão importante exigirmos que a CUT, a UNE e o MST rompam com o governo. 

Mas, há também aqueles que apoiam o governo fazendo alguma crítica. É o caso de Guilherme Boulos e da direção majoritária do PSOL. Este partido, inclusive, compõe o governo, com Sônia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas. E, também, já ocupam cargos no Ministério das Cidades, além de fazerem parte, oficialmente, da base aliada do governo no Congresso Nacional.

A direção do PSOL conta com ajuda da corrente Resistência, que tem a sua atuação pautada em fazer uma frente única permanente com o governo, servindo, assim, como apoiador político do mesmo, embora faça críticas e algumas exigências. 

Neste posicionamento, eles partem de uma visão unilateral e equivocada da realidade, onde isolam a existência e os perigos colocados pela ultradireita, para, daí, tirar a tática permanente (que vira estratégia) de ser parte do bloco político do governo petista de turno.

O PSOL apoio e integra o governo Lula-Alckmin. Sônia Guajajara é ministra do Povos Indígenas | Foto: Ricardo Stuckert

Esquerda do PSOL e PCB: a suposta independência política como forma de capitulação 

Há, também, aqueles que terminam apoiando o governo, mesmo que estejam fora dele ou que tenham ainda mais críticas. O Movimento Esquerda Socialista (MES), contra a maioria do PSOL, afirma que o partido deve ter independência política em relação ao governo. O problema é que, para o MES, isso não significa a defesa da política de nenhum apoio ao governo. Defendem, na verdade, “apoiar as coisas boas do governo e criticar as coisas ruins”. 

A questão é que Lula sequer adotou alguma medida progressiva. E mesmo que fizesse alguma medida que beneficiasse os trabalhadores, isso seria por conta da luta dos trabalhadores. E a posição dos socialistas deveria ser exigir mais. 

Mas, mesmo que arranquemos qualquer medida progressiva na luta, isso não poderia significar apoio a estas medidas ou ao governo, pois Lula e o PT estariam usando isso a serviço do seu projeto burguês. 

Sobre a defesa de um PSOL independente do governo, basta lembrar que o setor do próprio Boulos se diz independente. E usa, para isso, o fato de que o PSOL votou contra o Arcabouço Fiscal.

E vale lembrar que, embora na disputa interna do PSOL, Boulos e a direção tenham tensionado pela aprovação da posição de voto em apoio ao Arcabouço, o PSOL decidiu votar contra este ataque. Mas, em relação à Reforma Tributária, votaram a favor da proposta construída pelo governo, em acordo com todos os setores da burguesia, com apenas três abstenções.

Na verdade, podemos ver quase todos os partidos que compõe o campo governista se dizendo com algum grau de independência e, em alguns momentos, inclusive, votando contra o governo. Enquanto isto, a oposição de direita no Congresso se comporta de tal forma que muitas vezes parte dela tem votado a favor de propostas do governo, como no caso do Arcabouço  e da Reforma Tributária.

Essa aparente confusão e falta de nexo entre as posições políticas mostra como é equivocado se basear nesta fórmula parlamentar abstrata, que tem pouco conteúdo. Limitar-se a se afirmar “independente” tem sido usado como subterfúgio para esconder o posicionamento de apoio ao governo, sem se dizer apoiador do governo.

Este debate também está presente na crise do PCB. Jones Manoel e Ivan Pinheiro criticam, corretamente, a posição oficial do PCB, que é frágil no combate ao governo Lula e se afirma apenas como “independente”. 

O problema é que Jones Manoel também não tem uma atuação desde uma perspectiva de oposição de esquerda ao governo. Em vários momentos, reivindicou a atuação parlamentar do PSOL, como no caso de Glauber Braga. Ou basta vermos a atuação da União da Juventude Comunista (UJC) no congresso da UNE, reivindicado por Jones. 

Agora, com a explosão da crise, é preciso acompanhar como o grupo formado em torno de Jones Manoel e Ivan Pinheiro, autodenominado Reconstrução Revolucionária do PCB (ou PCB-RR), se posicionará nestas questões. 

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PCB e UP: Não ter política sobre o governo é capitular ao governo

O PCB e a Unidade Popular (UP) compartilham uma similaridade política curiosa. Ambos fazem política ignorando o papel central do governo Lula. O PCB substitui a tomada de um posicionamento categórico em relação ao governo por uma agitação abstrata do comunismo e do poder popular. 

Já a UP consegue escrever jornais inteiros sem sequer citar o nome Lula. Sem contar que participou da Equipe de Transição do governo, está no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (chamado de Conselhão) e há vários militantes seus alocados em gabinetes de parlamentares petistas.

A principal tarefa dos revolucionários socialistas é disputar a consciência dos trabalhadores com agitação e propaganda. Ou seja, debater uma política e um programa com os trabalhadores e trabalhadoras, que os leve à conclusão da necessidade do socialismo e da revolução. 

Para fazer isso, é preciso ter uma política que responda à realidade em que vivemos e a explique. Deste modo, se torna impossível fazer isso sem ter uma nítida política em relação ao governo nacional de plantão. Afinal, se o Estado é o balcão de negócios da burguesia, como dizia Marx, o governo, sendo o administrador destes negócios, cumpre um papel chave em qualquer tentativa de compreensão da realidade. 

Sem dizer aos trabalhadores a verdade sobre o governo atual; ou seja, sem explicar e demonstrar a qual classe social ele serve e apoia, torna-se impossível ganhar qualquer pessoa para lutar pelo socialismo. 

Junto com isso é preciso formular e levantar uma série de exigências e de denúncias ao governo para que os trabalhadores possam se organizar, para arrancar, nas lutas, suas reivindicações. Mas, também, para vejam, na prática, a falsidade de um governo que se diz seu, mas que, na verdade, não é.

Militância do PSTU no ato unificado contra o arcabouço e o marco temporal, em SP | Foto: PSTU-SP
Posição revolucionária

Oposição de esquerda e a luta contra a ultradireita

A posição dos socialistas diante do governo Lula deve ser de oposição de esquerda. Este é o caminho, não só para construirmos as lutas pelas necessidades dos trabalhadores, como também para derrotar a ultradireita. 

Construir uma alternativa dos trabalhadores, com independência dos dois blocos burgueses, seja o de Lula ou o de Bolsonaro, é fundamental para o avanço das lutas por nossos direitos, contra a ultradireita e pelo socialismo.

Muitos criticam a posição do PSTU, ao defendermos que sejamos uma oposição de esquerda, afirmando que ignoramos a existência da ultradireita ou que não há correlação de forças para ser oposição. 

Primeiro, aqui se resolve todo o problema da tergiversação do debate até então, já que alguns são reticentes em admitir que são situação e apoiadores do governo em diferentes graus e formas. Segundo, não há correlação de forças que justifique apoio político a um governo burguês.

Se alguma medida progressiva do governo, ainda que limitadíssima, for atacada pela ultradireita, não titubearemos em defendê-la. Se o governo Lula for atacado por uma ameaça golpista autoritária, também não teremos dúvida de nos colocarmos contra isto. 

Mas, nem nestes momentos prestaremos apoio político ao governo Lula. Faríamos isso chamando as coisas pelo seu nome correto. Ou seja, explicando o caráter burguês e capitalista do governo Lula e como sua atuação, até então, favorece a ultradireita. 

Diante de fatos concretos, de ataques da ultradireita, lutaremos juntos contra estas ameaças. Mas isso não pode significar marchar junto com o governo, misturar os programas e servir como apoio para um governo a serviço dos capitalistas.

Alguns setores acreditam que apoiando o governo teriam uma melhor localização para enfrentar a ultradireita, de uma vez por todas. Ou que, dada a existência da ultradireita, estaria justificado o apoio ao governo. 

Isto esconde a realidade tal como ela é. Hoje, quem mais ajuda a ultradireita no Brasil é o próprio governo Lula, que pactua com a cúpula dos militares, negocia e abre espaço no governo para o Centrão e a direita, e segue obedecendo e garantindo os interesses dos grandes grupos capitalistas. Reforçar o capitalismo é reforçar, mais cedo ou mais tarde, os tentáculos da direita e da ultradireita.