Os dirigentes Tsipras, do Syriza, e Pablo Iglesias, do Podemos
José Welmowicki

Os movimentos neo-reformistas ganharam espaço desde o começo do século XXI. Eles cresceram se aproveitando da profunda crise do stalinismo desde a queda dos regimes stalinistas no Leste Europeu, e da decadência dos partidos socialistas tradicionais. Na segunda década do século XXI, em geral, esses novos movimentos se apresentavam como uma negação dos velhos partidos de direita e de esquerda e afirmavam ser o novo, os defensores da “democracia participativa”, ou da “radicalização da democracia”.

Apesar de se apresentarem como novas propostas, esses grupos todos tem em comum um retorno a antigas formulações dos agrupamentos reformistas que brotaram desde os primeiros passos do movimento operário na Europa do século XIX e que Marx e Engels abordaram no Manifesto Comunista e depois polemizaram dentro da Iª Internacional. Da mesma forma, já com o surgimento dos primeiros partidos socialistas com peso entre os trabalhadores, apareceram correntes reformistas como os possibilistas como Jaurès e Millerand na França de 1899, que defendiam participar em governos burgueses; e os seguidores de Bernstein, que polarizaram os debates no SPD alemão e na IIª Internacional entre 1899 e 1914, data da Iª Guerra mundial, a partir da qual a maioria da social-democracia aderiu a essas teses.

Bernstein no final do século XIX elaborou uma nova versão do marxismo, uma versão completamente revisionista, em que recusava a revolução socialista defendida no Manifesto Comunista como um caminho blanquista[1], ou “terrorista” e ele lamentava que esse “terrorismo proletário” poderia manifestar-se apenas de forma “destrutiva”. Essa visão se baseava em que, ao contrário de Marx e Engels, Bernstein considerava a democracia como uma “ausência de um governo de classe. Isso indica um estado em que nenhuma classe tem o privilégio político[2]; para Bernstein, qualquer governo eleito poderia implementar todo o seu programa de acordo à classe que representasse, sem necessidade de uma ruptura revolucionária. Para ele, o caminho para o socialismo passava pela democracia e a implementação gradual de reformas até chegar ao socialismo. Bastaria ao partido operário vencer as eleições para, a partir daí, colocar seu programa socialista a partir do estado existente desde que seu regime fosse democrático.

Essa posição contrariava categoricamente a concepção marxista do Estado e se identificava com os socialismos utópicos e reformistas que Marx e Engels combateram politicamente toda a vida. Como lhe respondeu naquele momento Rosa Luxemburgo, a polêmica não era sobre a necessidade de lutar por reformas sociais e democráticas, o que todos os marxistas defendiam, mas a questão era que Bernstein e seus seguidores queriam restringir a luta do proletariado a um programa mínimo, e abandonar a perspectiva revolucionária de luta pelo poder.

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Bernstein se colocava claramente contra o programa marxista de revolução socialista e da tomada do poder para o proletariado. Atualmente, devido ao que aconteceu com a social-democracia alemã e a II Internacional, a traição na I Guerra mundial, seu papel na revolução alemã de 1919 e daí em diante, as teses de Bernstein ficaram associadas a essas traições e derrotas históricas e os novos setores que posteriormente convergiram para a mesma posição reformista, em geral não assumem suas posições. Por isso, quando essas posições reaparecem, vêm disfarçadas com algumas nomenclaturas novas que as justifiquem e tentam aparecer como inovações teóricas para a esquerda de hoje, como se estivessem superando velhos esquemas do passado.

O stalinismo se constituiu usurpando o poder no Estado soviético e formando uma burocracia contrarrevolucionária na URSS, controlou a III Internacional e foi decisiva para as graves derrotas da Alemanha em 1933 e da revolução espanhola no final da década de 30. No entanto, esse aparato saiu fortalecido pela derrota do nazismo na II Guerra Mundial em 1945. Depois desse fortalecimento relativo no pós-guerra e sua colaboração com o imperialismo para frear a revolução na França e Itália e entregar o poder às burguesias, começou sua decadência. Frente à perda crescente de prestígio e a repulsa que causaram a repressão permanente na URSS e a invasão e repressão às revoluções húngara de 1956, tcheco-eslovaca de 1968 e à polonesa de 1980-8, já nos anos 1960-70, iniciou-se um processo de adaptação dos PCs ocidentais ao Estado burguês e em especial à democracia burguesa nos países europeus.

Surgiu o Eurocomunismo a partir dos PCs da Europa ocidental (Itália, Espanha e outros). A partir dos anos 1970, ficou difícil diferenciar a orientação geral de um partido social democrata de um partido stalinista eurocomunista, a não ser pela submissão à linha da burocracia soviética, fosse qual fosse. Como expressão dessa reformulação que influenciou os PCs e intelectuais do mundo inteiro, ficou a expressão “democracia como valor universal”, termo cunhado por Enrico Berlinguer, do PCI em 1977 para defender a adesão dos stalinistas italianos ao estado burguês e à democracia burguesa, ao abandonar a proposta da “ditadura do proletariado” e o compromisso de não propor mais a derrubada do estado burguês italiano. De outra parte, levantava como saída política estratégica para a Itália o “Compromisso histórico”, um governo de coalizão entre o PCI e a Democracia Cristã, um governo de colaboração de classes. Era uma adesão à via reformista ao socialismo, semelhante à de Bernstein adotada por toda a social-democracia a partir da Iª Guerra mundial. Com essa estratégia, o PCI, maior partido comunista do Ocidente, foi se adaptando cada vez mais e após varias rupturas e revisões, se dissolveu no PDS e mais adiante no PD (Partido Democrático), nome igual ao do partido burguês norte-americano de Biden e Obama. Seus governos, próprios ou de coalizão foram típicos governos burgueses, e vivem de crise em crise, acompanhando o processo da democracia burguesa na Itália.

Nos anos 2000, se afirmaram teorias que se pretendiam renovadoras para dar sustentação a novas formações reformistas. Frente ao fracasso dos antigos aparatos stalinistas e da crise cada vez maior dos social-democratas e da Terceira via de Tony Blair, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre foi o ponto de encontro e de palco político para essas novas fórmulas. O lema era “Um outro mundo é possível” Naquele momento, as estrelas eram o PT por um lado com o “modelo petista de governar” que não passava de uma reedição da social-democracia e o fenômeno de Chávez (e os castro-chavistas) por outro com sua bandeira do “socialismo no século XXI”. Também já surgia como outra variante naquele momento a Refundação Comunista da Itália, fruto de uma cisão do PC Italiano. Mas também propunha governos de coalizão com setores da burguesia. Refundação sofreu tal desgaste com seu apoio ao governo de conciliação de classes de Romano Prodi[3], em 2006, que perdeu seu prestígio inicial e deixou de ser uma referência internacional para os novos reformistas.

As Bases teóricas dos novos reformismos

A partir dos anos 2010, surgem novos movimentos, e novas formações políticas que dizem lutar por uma “democracia radical”.

Há vários intelectuais que influenciaram esses novos movimentos, entre os quais tem destaque Ernesto Laclau y Chantal Mouffe pela influência explícita sobre líderes como Pablo Iglesias de Podemos e Melénchon da França Insubmissa.

Em seu texto Hegemonia e estratégia socialista, de 1987, ambos defendem que o classismo, “a ideia de que a classe operária representa o agente privilegiado no qual reside a mudança social” tem sido um obstáculo a estabelecer os objetivos e as forças sociais efetivas para realizar a mudança. Para eles o objetivo possível para a esquerda é a “revolução democrática“. E aclaram que não se trata de uma revolução social contra o sistema, anticapitalista. Seu objetivo é a “democratização radical da sociedade“, ou seja, a extensão de direitos sociais e políticos vigentes, o aperfeiçoamento da democracia nos marcos do Estado democrático de Direito (e sem colocar a necessidade de uma mudança revolucionária socialista, ou seja, mantendo-se o estado capitalista). Como fazia Bernstein em 1899, apostam na extensão dos direitos dentro da sociedade atual, nos marcos de uma democracia burguesa.

A elaboração de Laclau e Mouffe continuou se desenvolvendo e incorporou o apoio às formações “populistas”[4] que voltaram a ser influentes na América Latina e a ser governo, como o kirchnerismo na Argentina, o chavismo na Venezuela, e Correa no Equador. Assim como apoiava o governo do PT ainda em 2013: “o lulismo é um fenômeno altamente positivo na sociedade brasileira“, especialmente “porque elabora um equilíbrio entre uma nova participação de massas e a transformação do Estado[5].

Para Laclau, o populismo de “esquerda” é positivo em momentos em que o povo se organiza contra a “elite” e/ou contra as instituições vigentes.

“Quando as massas populares que haviam estado excluídas, se incorporam à arena política, aparecem formas de liderança que não são ortodoxas desde o ponto de vista liberal democrático, como o populismo. Mas o populismo, longe de ser um obstáculo, garante a democracia, evitando que esta se converta em mera administração“.[6] Chama a atenção como os defensores da “democracia radical”, de que tudo se supera via a radicalização da democracia, frente a fenômenos como o chavismo, os elogiam, apoiando esse tipo de governos, apesar de que reconhecem ser “não ortodoxas como liberal-democráticas” em nome de uma suposta incorporação das massas à arena política.

Por um lado, Laclau nega o próprio caráter de classe da sociedade capitalista e, portanto, da mudança social, quando nega ao proletariado qualquer papel privilegiado nessa mudança. Por outro lado, apoia os movimentos populistas, ou seja, sustentados em lideranças “populares” burguesas ou pequeno-burguesas, como se o fato de setores de massas seguirem essas lideranças fosse o mesmo que sua participação na política e garantisse a democracia.

A prova dos fatos: Syriza e Podemos

Na Europa, os movimentos neo-reformistas surgiram e/ou cresceram muito devido à crise das antigas organizações social democrata e stalinistas e capitalizaram o descontentamento expresso nas manifestações de massa contra a “guerra social” e os terríveis planos de austeridade orquestrados via União Europeia nos anos 2010.

Syriza da Grécia, foi o primeiro partido que chegou a despertar esperanças em um novo caminho através da democracia radical. A partir da luta das massas dos países europeus contra a “guerra social” desencadeada em 2010-2014 para fazer os trabalhadores e o povo, em especial da “periferia” da União Europeia pagarem os custos da crise internacional aberta em 2008 e perante o fracasso da social democracia e dos velhos PCs, Syriza apareceu com uma proposta de “democracia radical”, no caso, a democratização da União Europeia.[7]

Foi na Grécia que a crise social e econômica foi mais grave e foi também onde se deram as maiores lutas na Europa entre 2011 e 2015, com nada menos que 8 greves gerais. Syriza apresentou uma proposta de suspender o pagamento da dívida pública grega o que significava contestar uma política central da Troika[8]. Após sua fase de oposição, quando propunha como bandeira principal a recusa dos planos da Troika e assim cresceu eleitoralmente, superando os partidos que se revezavam no poder, o PASOK (a social-democracia grega) e o Partido de direita Nova Democracia, chegando finalmente ao governo ao derrotar a ambos em uma eleição geral em 2015. Syriza exigia que a decisão sobre a assinatura dos acordos com a Troika fosse votada pela população, em um plebiscito, que Syriza convocou alguns meses depois de assumir o governo. Parecia uma aplicação prática da “democracia radical”. Esse referendo deu maioria à rejeição ao acordo imposto pela Troika.

Mas Syriza, em seguida, recusou-se a cumprir essa mesma decisão democrática do referendo, e curvou-se frente à mesma Troika que havia prometido combater. Aceitou condições humilhantes impostas pela Troika que havia denunciado. Por outro lado, compôs o governo com uma pequena formação de direita, ANEL, e seu governo foi nefasto, aplicando a letra dos acordos com a União Europeia e desviando ou reprimindo as lutas do povo grego. Após um período de 4 anos de governo e sofrer uma série de cisões dos setores que se indignaram com tamanha traição, foi derrotada nas últimas eleições parlamentares e saiu do governo para a volta de Nova Democracia ao poder.

O outro destaque das mobilizações da juventude e populares contra os ditames da Troika do início da década de 2010, foi o fenômeno dos “Indignados” tomando as ruas de todo estado espanhol, contra os governos do PP e PSOE. Para dar uma alternativa a esse processo, alguns intelectuais de origem no stalinismo espanhol formularam a proposta do movimento Podemos[9].

Radicalizar a democracia burguesa e refundar a União Europeia foram os dois pilares fundamentais de seu programa. Com esse discurso de democratização radical, negam o caráter de classe da sociedade e da mudança social. Não haveria mais uma oposição de classe entre burguesia e proletariado, mas da “gente” contra as “castas”. Mas como essa oposição é completamente insuficiente para explicar as contradições sociais, o discurso vai se revelando cada vez mais enganoso: passado o impulso necessário para sua implantação como força política com representação parlamentar, impõem uma política de colaboração com as forças políticas que segundo eles mesmos até 2014 eram parte da ‘casta’ política, como o PSOE espanhol. Pela mesma razão, apoiam a governos como Maduro na Venezuela, e o governo de Cuba, mesmo quando eles vão se transformando cada vez mais em ditaduras repressivas que não tem nada a ver com uma suposta “democratização radical”.

Podemos tratou de capitalizar as aspirações do movimento dos Indignados, expressão da crise da União Europeia e do enorme desemprego e da queda avassaladora do padrão de vida da juventude. Mas apesar de as ações dos indignados se enfrentarem objetivamente contra a Troika, Podemos se recusou a ter um programa de enfrentamento à ditadura do capital financeiro exercida pelo Banco Central Europeu (BCE). Nada de democracia radical contra a União Europeia. Em seu programa, todos os problemas encontram sua solução na radicalização da democracia… sob o Estado capitalista. Podemos se limitou a propor no programa a “criação de mecanismos de controle democrático e parlamentar” e “a submissão dos mesmos às autoridades políticas”.[10].

Por isso em 2018, o governo de Pedro Sanchez do PSOE e Podemos puderam chegar a um acordo para votar o Orçamento geral. A mesma lógica implacável os levou a ser parte do governo do PSOE a partir de novembro de 2019, e Unidas-Podemos aceitou entrar ao governo de Sanchez com apenas uma condição: ter o cargo de vice primeiro ministro para seu líder Iglesias. Para quem dizia lutar contra as “castas”, é muito revelador que essa tenha sido a exigência central para ingressar no governo do PSOE.

Quando Syriza decidiu descumprir a vontade popular do referendum sobre os acordos com a Troika, Podemos através do mesmo Pablo Iglesias deu seu respaldo aos colegas gregos, alegando que a não ser que quisessem enfrentar uma “guerra nuclear“, qualquer governo da União Europeia estava obrigado a fazer o mesmo. Portanto, qualquer intento de “democratização radical” segundo Iglesias, depende da permissão da União Europeia, o que demonstra a falsidade de seu discurso.

Por último, uma das marcas de Podemos era o discurso do horizontalismo, contra o centralismo, e no início do movimento se enfatizava o poder das “assembleias territoriais”. Logo, a realidade passou a ser uma ditadura da direção, em especial de Pablo Iglesias e seu núcleo. Quando havia diferenças políticas, quem resolvia era a cúpula.

Nas recentes eleições de maio de 2021 em Madri, o resultado foi um desastre para a esquerda, e também para Unidas Podemos. Iglesias havia deixado o governo nacional para se candidatar em Madri, mas a lista teve apenas 10 deputados eleitos para o executivo da Comunidade de Madrid, além de uma vitória por larga margem do Partido Popular, da direita tradicional. Frente a essa derrota pessoal, o líder de Unidas Podemos anunciou que iria se afastar da vida política ativa. “Fracassamos”, reconheceu num discurso perante os apoiadores. Embora ele não reconheça. o que fracassou foi seu projeto global de adaptação ao estado burguês, e o discurso da “radicalização da democracia”.

O Bloco de esquerda de Portugal e a “Geringonça”

O Bloco existe desde 2000, mas só pôde fortalecer-se eleitoralmente com a debacle do PS português de Mario Soares após a crise da União europeia (quando seu ex-primeiro ministro Sócrates foi condenado por corrupção), assim como do enfraquecimento gradativo do PCP stalinista. Depois de altos e baixos, chegou a cerca de 20% dos votos nas eleições de 2015. Todo o percurso do Bloco de esquerda esteve marcado pela defesa da democratização das instituições do estado burguês assim como pela democratização da União Europeia.

Em 2015, uma tática deles recebeu o apelido de ‘geringonça’ (que é uma gíria para um objeto disfuncional – malfeito, com estrutura e funcionamento precário). Frente ao fracasso da direita e a crise do velho Partido Socialista Português, o Bloco de esquerda junto com o Partido Comunista Português deu sustentação parlamentar a um novo governo do PSP já sem suas figuras mais desgastadas. Com um novo dirigente -Antônio Costa- como primeiro ministro, o PSP governou em minoria desde novembro de 2015 até 2019, mas sobrevivendo com o apoio no parlamento do Bloco e do PCP.

A tática da “Geringonça” serviu para sustentar um governo burguês do PSP completamente submisso à União Europeia e seus planos de guerra social e recuperar o Partido Socialista português. Essa política do Bloco e do PC português tentou justificar-se nas promessas que Antônio Costa fez de medidas mínimas, mas nem essas medidas mínimas o PSP cumpriu em nome da “austeridade”. Essa política de sustentação de governos burgueses tradicionais como o do PSP mostra como o discurso de “democratização radical” se materializa na defesa da democracia burguesa tal qual ela é, do estado burguês e das instituições do imperialismo europeu.

América Latina: Frente Ampla no Chile e o PSOL no Brasil

Na América Latina, os mais destacados membros dessa corrente que tem o discurso de democracia radical são o Frente amplio (frente ampla em português) do Chile e o Psol.

A Frente Ampla tem estreita relação política e inspiração em Podemos. Sua proposta programática tem a mesma raiz e reivindicam também os mesmos referentes intelectuais, Ernesto Laclau y Chantal Mouffe. Daí extraem sua visão de que a divisão não se dá entre o proletariado e a burguesia, como no marxismo, mas entre os de baixo e os de cima. Seu dirigente Gabriel Boric, tem relações diretas com Podemos. Em dezembro de 2015, Boric e o deputado Giorgio Jackson gravaram um vídeo apoiando Podemos nas eleições gerais espanholas.

No processo revolucionário chileno aberto em 2019, a Frente Ampla tratou de buscar um acordo e assinou o Acordo pela Paz com o governo Piñeyra e todas as forças políticas do parlamento, como a Democracia Cristã, PS, Nova Maioria (direita), para evitar que o movimento chegasse a questionar a fundo o regime vigente e derrubasse Piñeyra da presidência.

Em dezembro de 2021, vão haver eleições presidenciais, e a Frente Ampla fez uma aliança eleitoral com o Partido comunista e houve eleições primárias para decidir qual seria o candidato da coalizão. O candidato da Frente Ampla, Boric, foi apresentado como o grande conciliador, o candidato que deu uma saída ao ‘impasse’ vivido depois do 18 de outubro ao assinar o Acordo pela Paz. E ao aparecer como conciliador, responsável, negociador, mais que o próprio Partido comunista chileno, teve amplo apoio de setores da burguesia para vencer as primárias. Boric se propõe a fazer um governo que se apoie na democracia burguesa e busque negociar no parlamento.

O Psol brasileiro surgiu em 2004-05, se postulando a ser alternativa à esquerda ao governo Lula e lançando a candidatura de Heloísa Helena a presidente. Mas como seu horizonte desde o início era eleitoral e reformista o Psol compôs governos municipais em coalizão com partidos burgueses em Macapá em 2012 e Belém em 2020. Nos últimos anos, cada vez mais vem se associando aos neo-reformistas europeus, em especial a Podemos. O candidato do PSOL a presidente da república em 2018, Guilherme Boulos, fez um “estágio” de quase um mês com Podemos na Espanha quando estava organizando a plataforma Avante que ele fundou para recolher subsídios que deram base a sua candidatura pelo PSOL.

A partir de 2016, o Psol vem priorizando uma frente política ‘de esquerda’ com o PT e discute o apoio a Lula em 2022 já no 1º turno, mesmo conscientes que o PT está organizando uma aliança com os partidos burgueses tradicionais e que Lula se esforça para atrair os setores burgueses de peso na economia que ainda lhe são resistentes, com a promessa de fazer um governo que sirva à burguesia com uma política ainda mais pró mercado que a dos primeiros governos do PT.

O Psol prepara-se para apoiar o mesmo tipo de coalizão do PT com a burguesia que provocou a ruptura e o surgimento do próprio Psol, e para reproduzir a política de Podemos de apoiar o governo do PSOE. Nesse caso, o objetivo é negociar a participação direta como ministros em um governo do PT, caso Lula vença a eleição. Tudo em nome da derrota da direita e da “democracia radical”.

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Conclusão

Como vemos, as propostas políticas das formações que reivindicam a ‘democracia radical’ são uma reedição piorada dos reformistas do começo do século XX. E tampouco podem se basear em conquistas como as que as burguesias imperialistas foram obrigadas a dar no pós guerra entre 1945 e os anos 70 e que ficaram conhecidas como Welfare State. Reformas que permitiram ganhar setores de massas para a perspectiva de uma evolução gradual ao socialismo e deram bases eleitorais à social democracia europeia e ao stalinismo ocidental. Essa visão já era completamente ilusória nesse momento, como mostraram as décadas de 80 e 90 e o início do século XXI.

Mas hoje, num capitalismo imperialista que a cada dia nos faz retroceder rumo à barbárie, que só gera mais fome, desemprego e miséria, e doenças, pensar em uma gradativa ‘ampliação da democracia’ na perspectiva da ‘democracia radical’ é uma utopia completamente reacionária.

O que a realidade atual demonstra é que não muda o caráter do estado e da sociedade se não se dá uma revolução social e econômica que destrua o estado burguês, ponha no poder o proletariado e exproprie os burgueses. Os atuais defensores da democracia radical, se opõem totalmente a uma saída revolucionária pois seu projeto é limitar-se a incorporar algumas medidas democráticas ao status quo do capitalismo imperialista, a esse sistema que só tem a oferecer fome, desemprego, catástrofes cada vez maiores na natureza. E para defender seus lucros deixar a humanidade submetida a pandemias como a do coronavírus, um verdadeiro genocídio.

Trotsky, em 1938 no Programa de Transição afirmava: “A social-democracia clássica, que desenvolveu sua ação numa época em que o capitalismo era progressista, dividia seu programa em duas partes independentes uma da outra: o programa mínimo, que se limitava a reformas no quadro da sociedade burguesa, e o programa máximo, que prometia para um futuro indeterminado a substituição do capitalismo pelo socialismo. Entre o Programa ‘mínimo’ e o Programa ‘máximo’ não havia qualquer mediação. A social-democracia não tem necessidade desta ponte porque de socialismo ela só fala nos dias de festa.”

Parafraseando Trotsky, podemos dizer que para essas formações políticas neo-reformistas que já não falam em socialismo, nem nos dias de festa, até mesmo a chamada radicalização da democracia só serve para os discursos gerais nas eleições já que sua prática é fundamentalmente tratar não de radicalizar, nem de derrubar, mas de participar do Estado burguês e da democracia dos ricos tal qual é.

 

Texto modificado em 14/08/2021 às 0h45

[1] Referia-se a uma concepção de Auguste Blanqui, o revolucionário francês que propunha a tomada do poder através de um pequeno grupo seleto de revolucionários bem preparados. Esta comparação distorcida está no capítulo II, item b de sua obra Premissas do socialismo. É bom lembrar que a proposta de Marx e Engels era uma revolução da classe operária, não de um grupo conspirativo isolado.

[2] Bernstein, Preconditions of socialism, p.141

[3] Político democrata cristão que com seu grupo saiu da DC e encabeçou o governo de coalizão com o PD duas vezes, nos anos 1996-1998 e 2006-2008.

[4] Laclau havia sido parte do PSIN (Partido Socialista de Izquierda Nacional), um partido de esquerda argentino encabeçado por Jorge Abelardo Ramos, que sempre atuou como ala esquerda do peronismo desde os anos 60, apoiou as candidaturas peronistas em diversas frentes nos anos 70-80, e acabou por entrar no próprio partido peronista, se dissolvendo aí.

[5] Entrevista de Laclau à Folha de São Paulo, 15/12/2013

[6] Entrevista a La Nación, 2005

[7] Trotsky, em 1938, afirmou que a social democracia guardava seu programa ‘máximo’, o socialismo, para os dias de festa. No caso de Syriza, a realidade obrigou a Syriza a guardar para algum dia de festa suas propostas de ‘democracia radical’.

[8] Assim era conhecida a tríade de instituições que comandaram diretamente a submissão de cada um dos países periféricos aos planos de ‘austeridade’, ou seja, de recessão e retrocesso social, o BCE-Banco Central europeu, UE -União Europeia e o FMI.

[9] Cujo nome foi tirado da lema de Barack Obama do partido Democrata, quando concorreu às eleições dos EEUU de 2008, “Yes, we can” (Sim, nós Podemos”)

[10] Página Roja especial sobre Podemos, de 2015.