Eduardo Almeida e Zé Maria

Foi publicado recentemente um artigo assinado pela CST, MRT, e pelos companheiros Plínio de Arruda Sampaio e Silvio Sinedino, que polemiza com a opinião do PSTU sobre o encerramento da experiência do Polo Socialista e Revolucionário. Os camaradas fazem um balanço positivo da experiência, e nos criticam por termos – frente às diferenças que se estabeleceram acerca da estratégia para o Polo – defendido o término do mesmo.

Alegam que, justamente num momento que a maioria da esquerda, PSOL inclusive, apoiam a frente ampla encabeçada por Lula, mais do que nunca é necessária uma alternativa de independência de classe e socialista para a classe trabalhadora. E que as diferenças já existiam antes e, portanto, não justificariam o fim da experiência do Polo agora.

Em primeiro lugar, valorizemos aquilo que temos acordo com os camaradas, um balanço positivo da experiência do Polo. É importante o grau de acordo e atuação conjunta, inclusive na campanha eleitoral, que construímos entre várias organizações e dirigentes, mesmo na presença de várias diferenças. Especialmente valorizamos uma metodologia saudável para se tratar diferenças, marcada pela franqueza nas discussões e pelo respeito às opiniões alheias.

Queremos preservar essa metodologia, por isso nos pareceu necessário retomar o diálogo com os camaradas, de modo a buscar mais nitidez sobre a natureza dos debates que houve entre nós e sobre as razões que nos levaram à conclusão que era melhor encerrar a expêriencia. Vamos então aos argumentos levantados pelos camaradas.

É verdade que as diferenças que se estabeleceram agora, quando fomos ao debate sobre estratégia, em alguma medida já se prenunciavam antes. Por outro lado, a necessidade de uma alternativa socialista e revolucionária para a classe trabalhadora brasileira é realmente urgente. Já era, aliás, quando nos lançamos à construção do Polo. O apoio da maioria da esquerda (direção do PSOL inclusive) à candidatura de Lula naquele momento foi a razão principal do chamado que fizemos. Basta ler o Manifesto do Polo para se constatar isso.

Aí reside o problema que os companheiros parecem não valorizar. A realidade evoluiu depois disso. Por um lado, buscamos avançar, dentro do Polo, no debate sobre o programa dessa alternativa socialista e revolucionária que precisamos construir. Por outro lado, na realidade política do país aprofundou-se o processo de capitulação do PSOL à alternativa de conciliação de classes encabeçada por Lula.

Que lições e conclusões tiramos desse processo que vive o PSOL?

Parece-nos evidente que se confirmaram as piores previsões que fizemos quando do lançamento da ideia do Polo, acerca da evolução (ou retrocesso) dos setores da esquerda brasileira que giravam para o apoio à candidatura de Lula naquele momento. O PSOL resolveu apoiar a candidatura Lula/Alckmin desde o primeiro turno, mas não parou aí. Agora decidiu apoiar e se prepara para participar do governo de frente ampla encabeçado pelo petista.

O PSOL, assim, trilha a passos rápidos pelo mesmo caminho da degeneração vivida pelo PT, mas em condições piores, pois este partido nunca teve a base de massas na classe trabalhadora organizada que teve o PT em sua origem. E é preciso extrair lições de todo esse processo, aprender com ele, especialmente com os erros.

Não queremos repetir aqui o que argumentamos no artigo anterior que publicamos sobre esse assunto, apenas chamamos atenção para um aspecto central.

Esse retrocesso vivido pelo PSOL tem como base a definição de uma estratégia eleitoral – e não revolucionária – como horizonte político do partido. Isso leva, necessariamente, a uma adaptação programática da organização aos limites do sistema capitalista. A concepção de organização adotada por este partido é só uma decorrência dessas definições políticas e programáticas – para uma estratégia eleitoral. Um partido que funciona como uma frente onde convivem diferentes estratégias é útil, pois junta tudo e todos para eleger candidatos a cada dois anos.

O debate de estratégia que iniciamos na coordenação do Polo na reta final da campanha eleitoral tratou justamente desse aspecto. O programa, socialista e revolucionário que defendemos para o país é incompatível não apenas com uma estratégia eleitoral. Ele pressupõe também, é parte constitutiva deste mesmo programa, uma organização adequada ao tipo de tarefa a que nos propomos (uma revolução socialista realizada pelas massas mobilizadas, e não simplesmente uma vitória eleitoral).

Mas depois de todo esse processo – o caminho trilhado pelo PSOL, por um lado e, por outro, dos debates e da experiência que desenvolvemos em comum no Polo – não vemos que os companheiros tenham tirado daí conclusões ou lições necessárias, especialmente acerca dessa questão central.

Seguem defendendo como estratégia uma organização política nos moldes de um partido frente, como o PSOL, ou uma Frente Política permanente de vários partidos e agrupamentos ( a exceção aqui é Sinedino). Nós não descartamos a utilização de táticas, e mesmo de frentes eleitorais em determinadas circunstâncias. Mas descartamos, sim, as táticas “permanentes” de construção de frentes políticas ou partidos frente, pois aqui o que ocorre é que essa “tática” se converte, de fato, na “estratégia”.

E a experiência do PSOL, só para tomar um exemplo, não levou ao fortalecimento dos setores revolucionários que atuam nesse partido, pelo contrário, alguns chegaram a abandonar a perspectiva revolucionária e se transformaram em reformistas. Repetir a receita vai levar ao mesmo lugar onde acabou o PT e está acabando o PSOL.

O debate entre nós é sobre estratégia

A CST e Plinio de Arruda Sampaio defenderam, nos debates que fizemos dentro do Polo, uma alternativa política que tivesse como base uma Frente de Esquerda que, além dos componentes do Polo, deveria incluir também o PCB e UP. Esse foi o conteúdo da Frente Eleitoral que defenderam para as eleições do ano passado, e não houve acordo sobre isso.

Agora, depois das eleições, seguem defendendo uma Frente de Esquerda (das forças que fizeram parte do Polo mais PCB e UP) como estratégia para o Polo, ou seja, para a alternativa socialista e revolucionária que precisamos construir para o nosso país.

Que grau de unidade estratégica para uma revolução socialista no Brasil se poderia chegar com duas organizações estalinistas, cuja base programática se assenta – como todos sabemos – na conciliação de classes?  O fato desses partidos lançarem candidaturas próprias no primeiro turno das eleições passadas não os torna defensores do princípio da independência de classe. Pelo que tínhamos entendido nas discussões que ocorreram no Polo, tampouco o MRT tinha acordo com essa estratégia.

Mas não é só isso. A CST, depois de todo esse processo, continua sendo parte do PSOL, um partido que apoia o governo burguês de Lula- Alckmin e deve participar do mesmo. Com franqueza, ficar no PSOL durante a campanha eleitoral já nos parecia fora do lugar. Permanecer, com esse partido apoiando/participando do governo nos parece um erro grave dos companheiros. Que alternativa de independência de classe é possível construir nestas condições? De novo, não nos pareceu que houvesse acordo com essa opção por parte do MRT, de Plinio de Arruda Sampaio (que rompeu com o PSOL durante a campanha eleitoral), nem de Sinedino.

O MRT, por outro lado, defende a construção de uma frente permanente entre partidos (para as lutas e para as eleições, dizem os camaradas) aos moldes da FITU (Frente de Esquerda dos Trabalhadores) existente na Argentina. Aqui há um primeiro problema: além do PSTU, com qual partido se poderia compor tal frente, no Brasil, preservando a independência de classe? Com o PSOL? Com ou PCB ou a UP? Nem o próprio MRT é favorável a isso.

E, como já dissemos antes, frentes permanentes dessa natureza acabam adotando, de fato, as eleições como estratégia, e empurrando seus componentes para uma priorização das disputas eleitorais, o que já está ocorrendo com a experiência argentina em questão. Não serve como estratégia se o que se quer é preparar o terreno para uma revolução socialista.

Então, não acreditamos que se possa avançar – a partir dos caminhos que propõem os camaradas – na construção das condições para uma revolução socialista através da qual nossa classe tome o controle do poder político do país e avance na construção do socialismo. A única estratégia que se poderia perseguir nas condições propostas pelos camaradas seria uma estratégia eleitoral, como ocorre com todas as organizações dessa natureza.

Essa foi a diferença de estratégia (que também é de programa) que surgiu e se firmou, a partir dos debates que fizemos na coordenação do Polo. Propusemos aos camaradas que fizéssemos, via redes sociais, um debate público sobre esse assunto que é de fundamental importância, de modo que todo o ativismo reunido em torno ao Polo pudesse participar. Mas não houve acordo dos camaradas nisso também.

São todas as razões expostas acima que nos levaram à conclusão de que não havia como seguir com a experiência do Polo. Aliás, essa conclusão foi comum a todos, quando fizemos o debate. Nós mantemos essa opinião, pois como já dissemos antes, é muito importante preservar uma relação pautada pela franqueza entre nós e pelo respeito às diferentes opiniões.

Para nada isso significa que consideramos que o PSTU é essa alternativa já pronta que precisamos para o país, estamos longe disso. Tampouco achamos que a construção do partido revolucionário que precisamos no Brasil passe pela adesão pura e simples ao PSTU. Por isso fizemos este esforço com a iniciativa do Polo e seguiremos tomando iniciativas que nos permitam somar as forças da militância revolucionária existente em nosso país e no mundo. Mas tampouco adianta juntar grupos heterogêneos, sem o cuidando para que esta soma se dê em marcos corretos, pautados por um programa e estratégia adequados à revolução que queremos realizar. Deixar de lado esse cuidado seria abrir caminho para o retrocesso, não para o avanço.

Assim, o debate que temos entre nós – e que vale a pena ser feito – não é sobre a forma pela qual se encerrou a experiência do polo, nem sobre de quem foi a proposta de encerrar. É sobre este problema de conteúdo que, mais uma vez, destacamos aqui. Se nossa estratégia é a luta por uma revolução socialista em nosso país, a construção de uma organização adequada a esta estratégia – um partido leninista, de combate e centralizado democraticamente – é parte do programa que precisamos abraçar.

Não é apenas uma constatação que se sustenta na teoria, na experiência de um longo passado na luta da nossa classe. Se apoia também em experiências recentes e atuais. Na experiência do PT, do PSOL e de várias outras organizações assemelhadas que pululam em vários países do mundo.

Vamos repetir os erros cometidos aí até quando? Qual mensagem passamos aos milhares e milhares de lutadores socialistas honestos que estão na base do PSOL (e mesmo do PT ainda) angustiados com os rumos que veem seus partidos tomarem? Não podemos simplesmente propor que repitam a dose, e sim que avancemos para construir uma alternativa de fato distinta, socialista e revolucionária. Entendemos que essa deve ser a nossa opção

Seguiremos atuando conjuntamente com os camaradas que estiveram conosco no Polo. Seja nas lutas da nossa classe contra os patrões e contra os governos (quaisquer que sejam eles) defendendo sempre a independência da nossa classe, seja na luta contra a ultradireita bolsonarista. E faremos isso através dos espaços que existem no movimento para isso, como a CSP-Conlutas ou outros que venham a ser criados.

Mas a construção de uma alternativa revolucionária e socialista, longe de se limitar a estas tarefas, vai muito além, e exige não apenas um programa socialista, mas uma organização que corresponda à necessidade da luta necessária para realizar este programa.