Flavia Bischain, de São Paulo (SP)
Enquanto Bolsonaro diz para “tocar a vida” em meio a mais de 100 mil mortes na pandemia, nos estados e nos municípios, governadores e prefeitos tentam aplicar a mesma política de flexibilização total. Em São Paulo, o Conselho Estadual de Educação aprovou um parecer, em 29 de julho, no qual alega, entre outras coisas, preocupação com os “prejuízos causados pelo isolamento social na aprendizagem dos estudantes”.
A preocupação do governador João Doria (PSDB) e dos demais governantes, no entanto, nunca foi pedagógica nem com o futuro das crianças. Os únicos prejuízos com os quais se preocupam estão relacionados às perdas das mensalidades dos grupos privados da educação e aos interesses do conjunto da burguesia, que precisa da força de trabalho dos pais à sua disposição por inteiro para continuar lucrando bilhões.
Não são só os governantes da direita tradicional que reproduzem a política assassina de Bolsonaro. Na Bahia, o governador do PT, Rui Costa, já tem um protocolo de volta às aulas com reposição até dezembro (inclusive aos sábados). Quando questionado, disse que “não é razoável que as pessoas achem que possam ir no shopping e não possam ir dar aula na escola. Está se falando de abrir bar, restaurante… Não vi ninguém falando de genocídio quando se falou de abrir shopping”.
O que diz a ciência sobre os riscos da volta às aulas?
Segundo a Fiocruz, 9,3 milhões de brasileiros idosos ou com doenças crônicas (problemas no coração, pulmão, diabetes, entre outras) moram com crianças em idade escolar. Por isso, estariam diretamente em risco com a volta às aulas presenciais.
É bom lembrar que as crianças não são imunes e podem transmitir facilmente o vírus por serem assintomáticas em sua maioria. Recentemente, uma pesquisa indicou que crianças que já foram contaminadas pelo novo coronavírus podem desenvolver a Síndrome Multissistêmica Inflamatória Pediátrica, doença que já foi registrada em crianças de Minas Gerais, Pernambuco e Distrito Federal.
A retomada das aulas em outros países tem mostrado que os riscos são muitos. Nos Estados Unidos, a reabertura das escolas resultou na contaminação de 97 mil crianças em apenas duas semanas segundo estudo da Universidade Vanderbilt.
PAIS DIZEM NÃO
Em todo o país, pais não querem a volta às aulas
Todas as pesquisas indicam que a imensa maioria dos pais não concorda com a volta às aulas nesse momento. Uma pesquisa do Datafolha, realizada no dia 21 de julho, também revelou que 87% das famílias brasileiras têm medo da contaminação com as aulas presenciais. Em algumas cidades, as famílias começam a se organizar. Em Rio Claro (SP), por exemplo, foi criado o Movimento Famílias na Pandemia para lutar contra o retorno às aulas presenciais.
A posição dos pais tem sido muito importante para fazer prefeitos e governadores recuarem. No estado de São Paulo, as prefeituras de Mauá, Santo André, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Rio Claro, já disseram que as aulas presenciais não voltarão este ano.
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), que segue preparando as escolas para o retorno, mudou seu discurso depois que 78% dos pais disseram que não enviarão seus filhos às escolas. O prefeito, que busca reeleição, afirmou que se as escolas não conseguem conter “nem piolho”, não vão conseguir barrar o coronavírus (como se ele próprio não fosse responsável pela estrutura precária das escolas).
Doria também teve que fazer um pequeno recuo e adiar o retorno para outubro. Ainda assim, fez uma manobra, mantendo a volta no dia 8 de setembro para os alunos que não conseguiram acessar as aulas remotas, nas regiões que estiverem na fase amarela. Se depender do governador, estes alunos serão expostos à contaminação, assim como professores e funcionários. A covardia de Doria é tão grande que ele relegou aos pais e às escolas a responsabilidade pelos riscos de sua política criminosa.
No Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), que firmou um pacto com Bolsonaro, permitiu a reabertura das escolas privadas, mas adiou a volta às aulas na rede estadual depois da rejeição dos pais. Mesmo em Manaus, onde a rede particular voltou no início de julho, a maior parte dos pais não está enviando seus filhos.
NÃO AO GENOCÍDIO
Se os governos insistirem, vamos à greve nacional da educação!
A luta dos professores contra a volta às aulas tem ganhado corpo em nível nacional. No Rio de Janeiro, os trabalhadores da educação estadual e municipal entraram em greve sanitária contra a volta às aulas. Em Manaus, aprovaram em assembleia que não retornarão às escolas. Em São Paulo, em plena pandemia, os professores municipais travaram uma importante luta contra o PL 452, que autoriza a compra de vagas da rede privada na educação infantil, e organizaram manifestações em frente à Câmara de Vereadores.
Em várias escolas do país, nas redes pública e privada, trabalhadores da educação organizam reuniões virtuais, manifestos, abaixo-assinados e carreatas contra a volta às aulas. Com o apoio dos pais e a mobilização da comunidade escolar, é possível impor uma derrota aos governos.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e as centrais sindicais devem cumprir o papel de unificar essas lutas em todo o país e se os governos não recuarem, começar a construir a greve nacional da educação em defesa da vida. A CSP-Conlutas já está em campanha e lançou neste mês o “Manifesto nacional contra a volta às aulas durante a pandemia.
Frente ao fracasso do ensino remoto, seguimos defendendo a suspensão do ano letivo na pandemia, com garantias sociais às famílias e aos trabalhadores da educação pública e privada. Afinal de contas, o currículo a gente recupera depois, mas as vidas perdidas infelizmente não têm volta. Esse tem sido o novo lema da educação brasileira em tempos de pandemia.