(Brasília - DF, 03/07/2020) Presidente da República Jair Bolsonaro, durante encontro com o senhor Paulo Skaf, Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, e empresários. Foto: Marcos Corrêa/PR
Israel Luz, de São Paulo (SP)

Se você procurar pela palavra “democracia” no dicionário vai encontrar o seguinte: “governo do povo; sistema político cujas ações atendem aos interesses populares; governo no qual o povo tomas as decisões fundamentais”. O leitor e a leitora terão toda razão se, coçando a cabeça, pensarem: “bom, não é isso que existe no Brasil!”.

Mas para limpar o terreno, comecemos estabelecendo que o problema não é a urna eletrônica, como diz Bolsonaro. Ele só fala disso por puro golpismo e por cálculo eleitoral. A questão é outra.

Muitas bocas, uma só voz

Um dos problemas da democracia atual é que você não verá partidos como o PSTU na televisão, sendo que temos a única chapa composta por uma trabalhadora negra e uma indígena. Existe um verdadeiro boicote.

O sistema político atual funciona para manter o lucro acima da vida. Quem fala a verdade sobre isso, como nós, é tratado como se não existisse. Um exemplo real: Vera e Simone Tebet (MDB) têm o mesmo 1% nas pesquisas, mas só uma vai ser entrevistada no Jornal Nacional. Adivinhe quem foi convidada… Nesse caso, vale assinalar que nem há imposição por lei. É uma decisão puramente política da família Marinho.

Fica nítido que o problema não é a posição nas pesquisas. A questão é impedir que propostas para os trabalhadores e trabalhadoras possam chegar a milhões de telespectadores e tenham a chance de ganhar apoio massivo.

“Mas e o Lula?”, alguém pode perguntar. O candidato do PT pode não ter o apoio de parte da classe dominante no momento, mas também não põe medo nos donos do poder. Eles sabem que no horizonte petista inexiste qualquer intenção de atrapalhar os negócios da burguesia.

Obstáculos

As barreiras para representantes dos pobres e oprimidos

Peguemos, agora, o exemplo do Legislativo Federal. O Brasil tem 30 partidos na Câmara e 17 no Senado. Mas, no fim das contas, só um ponto de vista é representado: o da elite que controla a economia. Nas chamadas “casas do povo” não votam nada que resolva os nossos problemas mais urgentes. Ao contrário: depois de eleita, a turma tem a cara de pau de cortar verbas da Saúde e da Educação, acabar com as aposentadorias, retirar direitos trabalhistas etc.

Nesse sentido, as reformas eleitorais que criaram barreiras, como a “cláusula de desempenho” para o acesso à televisão e ao rádio, pioraram muito isto tudo. Este ano, a barreira é de 2% dos votos válidos e 11 deputados federais eleitos. Na próxima eleição, será de 2,5% e 13 eleitos. Em 2030, 3% e 15 eleitos. Trata-se de jogar na ilegalidade partidos sem ligações com grandes financiadores de campanha.

Além disso, repare só: talvez nunca se tenha falado tanto de racismo e dos povos indígenas nos grandes meios de comunicação. Mesmo assim, há pouco espaço para Vera e Rachel Tremembé. Isso, aliás, mostra outro aspecto da questão: a falsidadeda democracia racial brasileira.

As elites brancas sempre gostaram de apresentar nosso país como o reino da tolerância. Mais recentemente, a pressão dos movimentos sociais tem obrigado uma parte dos burgueses a reconhecer que não é assim.

As mudanças na legislação eleitoral têm, inclusive, o objetivo declarado de dar mais espaço para negros e mulheres nos parlamentos: quanto mais bem votadas essas candidaturas, maior a fatia do Fundo Partidário a que a legenda terá acesso. É preciso acompanhar os resultados eleitorais para ver o que acontecerá nesse quesito.

Seja como for, se tem uma coisa que os anos de governo Bolsonaro deixaram evidente é que não basta ser mulher e/ou negro para defender os interesses dessas pessoas. Os exemplos grotescos de Sérgio Camargo, na Fundação Palmares, ou de Damares Alves, como Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, não nos deixam mentir.

Como escreveu o poeta Solano Trindade, “negros opressores em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos”. Isso vale para qualquer oprimido e explorado que opte por ficar ao lado do inimigo.

Realidade

“Ricocracia” é ditadura da burguesia

A questão estratégica para os burgueses é manter viva a “ricocracia” em que eles mandam e nós temos que obedecer.

Não há democracia real com a propriedade privada das grandes empresas e dos latifúndios. As cercas reais ou imaginárias que impedem o acesso coletivo aos pilares da economia dão base para a dominação política da minoria sobre a maioria. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, por vezes não nos atentamos a isso. Mas, a elite tem bastante consciência dessa verdade.

Nesse ponto você, leitor e leitora, pode estar se perguntando: “Mas, se isso tudo é verdade, que posição tomar diante das ameaças golpistas do presidente?”

Certamente, não dá para desconhecer os ataques que o bolsonarismo faz à ordem política. Um golpe do Bolsonaro significaria ampliar o genocídio que o Estado dito democrático já realiza, quase livremente, contra negros, negras, indígenas e trabalhadores em geral.

Mas, como bem disse Lênin certa vez: “Somos pela república democrática como melhor forma de Estado para o proletariado sob o capitalismo, mas não temos o direito de esquecer que a escravatura assalariada é o destino do povo mesmo na república burguesa mais democrática”.

Justamente por isso é que o mais precioso direito que os explorados e oprimidos possuem em uma sociedade de exploração e opressão é o de resistir. E isso é muito diferente de defender a democracia tal como ela é.