Hertz Dias, Vera Lúcia e Wagner Miquéias, da Secretaria de Negras e Negros do PSTU
Dias após a rebelião antirracista nos EUA, em resposta ao brutal assassinato de George Floyd, o ex-presidente Donald Trump declarou que o que estava acontecendo seria fruto do racismo estrutural. Dias antes, Barack Obama havia afirmado a mesma coisa. Declaração semelhante foi dada pelo prefeito de Minneapolis, Jacob Frey.
No Brasil, a grande mídia logo abraçou o mesmo discurso: a culpa era do racismo estrutural. Pouco depois, a bilionária Luiza Trajano disse que chorou quando entendeu o que era racismo estrutural. E após o assassinato igualmente brutal de João Alberto, no Carrefour de Porto Alegre, em 19 de novembro, a direção da empresa declarou que aquilo também seria consequência do racismo estrutural.
Parecia um afinado coro contra o tal racismo estrutural. Afinal, a burguesia estaria esvaziando o conteúdo do conceito ou o conceito que estaria esvaziando o sentido concreto da luta contra o racismo?
Racismo Estrutural: o “álibi perfeito” e uma janela aberta para os racistas
Falar que no Brasil o racismo é estrutural soa muito radical. Mas, infelizmente, a verdade é oposta a isso. Para usar uma expressão do coordenador do Programa de Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida, em entrevista a “Folha de S. Paulo”, em 04/02/2021, o conceito de racismo estrutural se tornou um “verdadeiro álibi” para desresponsabilizar indivíduos e instituições que cometem ações racistas, pois o racismo seria algo maior, presente na estrutura (indeterminada) de uma sociedade (também indeterminada).
Uma ideia que lembra pesquisa feita pela Universidade São Paulo (USP), em 1988, que revelou que 97% dos entrevistados afirmavam que não tinham preconceito; mas 98% diziam que conheciam pessoas que manifestavam algum tipo de discriminação racial. Isto é: não há racistas no país, mas existe racismo no Brasil.
Em outras palavras, o racismo estrutural seria uma espécie de “mão invisível racista” que pratica o racismo, sem responsabilidade de indivíduos, empresas, nem classes sociais.
Não à toa a burguesia viu nele uma boia para se agarrar: o burguês explora até o talo os trabalhadores negros, financia políticos racistas, privatiza serviços públicos aos quais os negros têm acesso, rouba terras quilombolas, exige mais repressão para proteger suas propriedades e, quando é acusado por qualquer um desses crimes, esse mesmo burguês diz que não é racista porque o racismo é estrutural.
Assim, a burguesia tira de si a responsabilidade pelo racismo e socializa-a com a classe trabalhadora, com os próprios negros e demais setores marginalizados.
Racismo, filho do capitalismo
Silvio Almeida, teórico que popularizou o conceito no livro “Racismo estrutural” (Editora Pólen, 2019), coloca o mundo de cabeça para baixo quando diz que “a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas” (p. 24-25); pois, não foi o racismo que criou a sociedade contemporânea (capitalista), foi o capitalismo que criou o racismo.
Isso porque, como defendeu Marx, o racismo foi uma ideologia que a burguesia europeia utilizou para dissimular a escravidão em seus próprios países, enquanto a levava, sem nenhum disfarce, para suas colônias. Isto é, a espoliação da África não foi uma consequência do racismo, o racismo é que foi uma justificativa ideológica para a escravidão negra, uma das dominações mais odiosas da história.
Racismo e luta de classes
Almeida fala muito pouco sobre as classes sociais e isso tem uma explicação: para ele, além de ser uma originalidade do capitalismo, o Estado não seria controlado por uma classe social, sendo quase uma instituição oca. Assim, não caberia aos trabalhadores negros e pobres se organizarem para derrubarem o Estado e controlarem a economia do país; mas, sim, ocuparem um lugar no Estado burguês.
Por isso o jurista concluiu, em entrevista para o “Roda Viva”, da TV Cultura, em 22/06/2020, que, à medida que se combate o racismo, a economia (capitalista) se desenvolveria em ambientes mais saudáveis para os empresários conduzirem seus negócios. Como se o racismo fosse uma anomalia do capitalismo e prejudicial à burguesia.
Mas, além de ser bom para os negócios da burguesia, o racismo é utilizado para tentar dividir os trabalhadores em dois campos hostis. Por isso, é fundamental, também, lutar contra todas as manifestações de racismo, inclusive dentro da classe trabalhadora para que possamos unir a classe, para derrubar do poder quem está lá em cima e construir uma sociedade socialista livre da exploração e da opressão.