Os atuais administradores do poder, embalados pelos altos índices de popularidade e pelos resultados advindos do marketing e do espetáculo como meios de convencimento da opinião pública, ousam concretizar a velha reforma da Previdência.
A alardeada reforma da previdência é tema recorrente há quase uma década na cena política nacional, junto com a reforma trabalhista, tributária e do judiciário.
Colocam a necessidade das reformas nas instituições públicas à margem da sociedade brasileira como um todo. Isentam a iniciativa privada de toda e qualquer responsabilidade nos graves problemas vividos pelo País, e sobretudo na crise das instituições que se pretendem reformar. Como se a cobrança da dívida ativa da previdência de R$150 bilhões não fosse nada e a renúncia fiscal, que poderá chegar a R$12 bilhões em 2003, fosse insignificante (maior do que todo o gasto com os 7 milhões de aposentados e pensionistas rurais). Como se as brechas legais que favorecem a sonegação, a evasão fiscais, da ordem de 40% ao ano em relação à receita, e o estímulo aos caloteiros através do Refis fosse uma prática isenta e sem reflexos sobre a alarmante crise de números propagada.
A ideologia neoliberal está viva
Muito já foi dito sobre o fim das ideologias, contudo o discurso dos atuais gestores do poder associando o setor público, de maneira sistemática, a privilégios e a desperdícios nos comprova mais do que nunca que as ideologias estão vivas. Está em curso a sedimentação de um Estado, como mero aparelho de promoção de meios e condições ao desenvolvimento do capital e máquina de recolhimento de impostos.
Esquece-se um século de luta por um poder público promotor do bem estar da população e garantidor de ensino, saúde, previdência e as demais condições necessárias ao desenvolvimento social e econômico de uma nação.
O projeto de reforma apresentado pelo governo Lula ao Congresso mantém coerência com a continuidade dada às concepções ideológicas do governo anterior, expurgando do campo da previdência a dimensão social e considerando tão somente a dimensão econômica reduzindo-a às diretrizes gerais de reajuste estrutural da economia emitidas pelo FMI.
O projeto encaminhado ao Congresso é de tal modo servil ao capital internacional que na sua mira só cabe o servidor público, desconsidera 57% da população ativa, que hoje sobrevive à margem da relação formal de trabalho e sem qualquer garantia de respeito aos direitos trabalhistas. Não há qualquer menção à possibilidade de elevação do benefício mínimo assegurado pelo atual regime. Tão pouco se propõe uma forma de reajuste para reposição das perdas dos benefícios em manutenção acima do mínimo. Nada se formula no campo da manutenção do valor do teto das aposentadorias. Não põe fim ao fator previdenciário, adotado por recomendação do FMI, para retardar e achatar os benefícios.
A reforma do governo se resume a implantar variadas reduções em salários e aposentadorias, com ampliação ou aplicação de descontos para a Previdência; e põe fim a direitos dos servidores, que não podem contar sequer com o FGTS.
caldeirão de maldades
Ela reservou para os trabalhadores do serviço público um verdadeiro caldeirão de maldades. Em vez da aposentadoria ser equivalente ao valor dos proventos do final de carreira, ela será a média de todas as contribuições realizadas durante a vida laboral. Ou seja, os atuais servidores vão obter aposentadorias equivalentes a pouco mais de metade da remuneração de final de carreira, e seus pensionistas algo como 35% da sua última remuneração.
Há uma verdadeira incoerência na medida em que se mantém o custeio em 11% do salário integral. Viola o princípio da isonomia com os demais trabalhadores da iniciativa privada, que têm seu benefício calculado sobre os oito últimos anos de contribuição.
Cobrar contribuição dos inativos fere o princípio contributivo e a doutrina previdenciária. Na verdade não está em causa a implementação de um sistema mais justo e solidário, mas sim novo aumento da carga tributária.
Uma reforma do Estado, que tenha como conseqüência a desvalorização de um patrimônio da dimensão da Previdência Social, pública , solidária e universal, é sem dúvida uma reforma que empobrece e enfraquece o Brasil.
Por tudo isso, cabe a essa mesma sociedade defender uma Previdência Social, como instrumento civilizatório, que afirma como seres humanos portadores de direitos e garantias os doentes, os deficientes e os idosos e como via de promoção de redistribuição de riqueza. Nesta medida, deve-se recusar toda e qualquer proposta de reforma que reduza a natureza social da Previdência a mera questão fiscal.
* Marilinda é advogada especializada em Direito Acidentário e Previdenciário e Consultora jurídica do SINDISPREV/RS
Post author marilinda da Conceição Marques Fernandes,*
especial para o Opinião Socialista
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