General Heleno, então comandante das tropas de ocupação do Brasil no Haiti, no governo Lula
Júlio Anselmo

Esta eleição é muito importante. Dentre outras coisas porque, pela primeira vez desde o fim da ditadura, temos uma eleição marcada pelas ameaças golpistas e autoritárias do atual presidente. É, também, um momento no qual a ultradireita vem se organizando em todo o país. Assim, derrotar Bolsonaro, a ultradireita e todas suas ameaças são tarefas fundamentais para os trabalhadores e trabalhadoras.

Mas não há como derrotar a ultradireita achando que ela é simplesmente um fenômeno conjuntural ou eleitoral. Pior ainda: não entendendo como ela surgiu, o que ela expressa e qual é a sua profunda relação com a crise do capitalismo e da própria democracia dos ricos.

Decadência do capitalismo e as ameaças autoritárias

Não estamos diante de um fenômeno restrito às nossas fronteiras. A ultradireita existe em todo mundo, com Trump, nos Estados Unidos; Orban, na Hungria; Le Pen, na França; ou Salvini e o partido “Fratelli” (“Irmãos”) da Itália. E um aspecto comum a todos eles é o permanente ataque às liberdades democráticas, com ameaças autoritárias.

Claro que Bolsonaro e o bolsonarismo expressam as especificidades tipicamente nacionais, relacionadas com a formação do país (marcada por uma História de escravidão, colonização e desigualdades) e da própria burguesia brasileira. Mas o problema é como explicar que países tão diferentes, com problemas econômicos, políticos, culturais e sociais também distintos, incluindo até mesmo o país mais rico do mundo (os Estados Unidos), têm expressões deste mesmo fenômeno político.

E a resposta é “simples”. O nível de concentração e centralização de capitais, a própria dinâmica das crises econômicas e das necessidades do capitalismo, para impor um patamar de exploração e desigualdade inimagináveis, levam a estas disputas infindáveis.

O mundo vem se contorcendo em crises, guerras, fome, pandemia, profundos sofrimentos para a maioria, para os mais pobres, os setores oprimidos e os trabalhadores. Mesmo os avanços tecnológicos são utilizados para aumentar o patamar de exploração ao nível estratosférico. E, longe de vermos a ascensão de países ao status de “Primeiro Mundo”, temos visto o rebaixamento dos países centrais.

O esgotamento do capitalismo e da “ricocracia”

Todo o processo de crescimento da ultradireita expressa um esgotamento do capitalismo e da própria democracia liberal. Em primeiro lugar, pela sua incapacidade em responder aos anseios dos trabalhadores e dos povos. Mas, também, em resolver alguns problemas da própria burguesia diante da suas disputas internas.

Embora ainda não sejam a saída majoritária para a maioria dos setores imperialista e burgueses, os movimentos da extrema direita já são a expressão dessa decadência generalizada da sociedade capitalista. Neste sentido, a ultradireita mundial é a expressão reacionária do desespero de parte da pequena burguesia e, inclusive, de setores do proletariado.

Essa decadência do sistema capitalista, incapaz de resolver os problemas do povo, também gera uma democracia dos ricos cada vez mais restrita e teatral, na qual o povo não se vê representado. Atravessamos décadas de eleições, com relativa alternância de poder entre um partido tradicional de direita e outro partido, também tradicional, dito de “esquerda” ou “progressista”. Mas, no fim das contas, o que vemos são sempre os mesmos ataques neoliberais, privatizações, retirada de direitos, aumento das opressões e a vida cada vez mais difícil.

Bolsonarismo

Como chegamos até aqui?

É obvio que precisamos defender e lutar contra qualquer ataque às liberdades democráticas e combater qualquer ameaça golpista. Mas é preciso que se diga que esta “ricocracia” na qual vivemos é parte do problema e serve como alimento para o crescimento da ultradireita.

Portanto, a responsabilidade pela ascensão da ultradireita passa, também, pelo papel que foi desempenhado pela própria esquerda que, aliada da burguesia, governou diversos países nas últimas décadas, implementando ataques similares aos realizados pela direita tradicional.

Com isso, não queremos dizer que são todos iguais. Longe disso. Inclusive, os primeiros alvos da ultradireita são, geralmente, os governos burgueses de esquerda; como o PT, no Brasil, ou Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE)/Podemos, na Espanha. Mas, os ataques deles também são direcionados contra a direita tradicional, como vemos no Brasil, com o caso da luta de Bolsonaro contra o PSDB e, inclusive, no esfacelamento deste partido.

Em que pesem as bordoadas que o capitalismo dá nesta esquerda institucional, através da ultradireita, essa esquerda reformista reage sendo ainda mais dócil e com um programa em defesa de algum tipo de regeneração do capitalismo e da democracia dos ricos, mas que não vai melhorar a vida do povo e impedir a barbárie capitalista.

Por décadas defenderam a ideologia do “empreendedorismo”, afirmando que bastava você se esforçar para subir na vida, ou que bastava você votar certo para as coisas melhorarem. Mas o resultado foi o surgimento da ultradireita reacionária e autoritária que conseguiu capitalizar os descontentamentos de um setor da sociedade.

O caso da Espanha

Vejamos o caso da Espanha, onde a indignação com a velha social-democracia do PSOE gerou o Podemos, que surgiu como uma nova organização e esperança para a esquerda. Contudo, ao manter um programa sem enfrentamento com o capitalismo, o partido caiu nos braços do PSOE, ingressando no seu governo. O resultado foi o crescimento do Vox, partido da ultradireita de lá.

Aqui se dá algo parecido com o PT e o PSOL, que surgiu como uma organização à esquerda do Partido dos Trabalhadores. O PSOL, agora, está voltando para os braços do PT e, provavelmente, vai compor um possível governo Lula. A imagem que reuniu Lula com ex-presidenciáveis – de Luciana Genro (PSOL) ao banqueiro Henrique Meirelles – é uma demonstração de como, sem defender um programa de independência de classe, por mais que se critique o velho reformismo, o resultado é ficar preso nas garras da burguesia para requentar uma variante de um projeto burguês.

A então presidente Dilma com Marcelo Crivella

Sonhos traídos

Os governos do PT não só têm responsabilidade pela ascensão de Bolsonaro, como, hoje, a candidatura Lula aprofunda sua adaptação ao capitalismo e à direita.  Alguns dizem que, hoje, seria diferente. Que Lula não cometeria os erros do passado. Mas, então, por que Lula não só repete, mas aprofunda, esta orientação política e faz uma chapa cheia de setores de direita, capitalistas e reacionários?

No Brasil a ascensão do Bolsonaro é expressão da desesperança com o PT. Bolsonaro e a ultradireita brasileira são reações contrarrevolucionárias dos sonhos traídos que uma parcela dos trabalhadores e setores da pequena burguesia e da classe média alimentaram durante algumas décadas. Quando a esperança ruiu, emergiu o Brasil arcaico, reacionário e elitista, que, na verdade, sempre se fez presente em nossa História.

Toda a campanha do voto útil em Lula para derrotar Bolsonaro sequer ajuda na derrota definitiva da ultradireita. Isto é assim porque significa fortalecer uma chapa com outros setores de direita; significa votar em uma candidatura que defende todas as bases sociais, econômicas e políticas que alimentaram justamente o surgimento de Bolsonaro.

Não é a toa que quanto mais ameaças Bolsonaro faz, mais reacionário é o papel de Lula, por exemplo, ao desmobilizar os trabalhadores e trabalhadoras, dispersar sua organização e fazer retroceder sua consciência, fazendo-os seguir, mais uma vez, uma ala da burguesia. A chapa Lula-Alckmin, hoje, conta com a benção da maioria do imperialismo mundial. Conta com o apoio dos governos dos EUA e da França, dentre outros.

A campanha pelo voto útil em Lula no 1º turno, para derrotar Bolsonaro, é um equívoco e contribui para o enfraquecimento da construção de uma alternativa independente dos trabalhadores, que possa fazer frente a Bolsonaro e à ultradireita.

Voto útil é na alternativa socialista

A busca pela utilidade do voto no primeiro turno passa, evidentemente, por saber qual programa ou qual candidato ou candidata resume a possibilidade não só de derrotar Bolsonaro nesta eleição, mas também que contribua para a organização independente dos trabalhadores, a construção de um programa socialista para o país e a promoção de uma saída que supere o capitalismo e a “ricocracia” corrupta, apresentando um sistema político de democracia dos trabalhadores, superior a esta democracia dos ricos.

Faz diferença para o país e para os trabalhadores votar nos socialistas e revolucionários. Faz diferença fortalecer uma candidatura dos trabalhadores, com independência da burguesia, e defender um programa socialista e revolucionário. Votar no 16, na chapa Vera-Raquel Tremembé e no PSTU é o voto realmente útil. É um voto nessa alternativa que fortalece uma saída capaz, de fato, de derrotar Bolsonaro, a ultradireita e todo o sistema capitalista, que gera toda esta desgraça.