Gustavo Machado do canal Orientação Marxista
A concepção marxista se diferencia de todas concepções burguesas por não ser dogmática. O que significa isto? Um dogma é uma afirmação aceita como verdadeira sem demonstração. Afirmações como “o homem é, por natureza, bom, egoísta ou mal”; “o mundo é racional, justo ou injusto” ou, ainda, “a natureza humana é esta ou aquela”. O problema é que, quando se parte de dogmas, a crítica a outras concepções será sempre sectária. Por quê?
Dogmatismo: a crítica externa e não-dialética
O dogmático sempre irá criticar o dogma do outro a partir de seu próprio dogma. Entre dois grupos diferentes de dogmáticos existe um abismo impossível de ser transposto. Cada um parte de seu dogma para criticar o outro, tornando o convencimento impossível. Por isso, dizemos que a crítica é externa e não dialética. Tomemos um exemplo.
Um falso marxista pode tomar as classes sociais de forma dogmática. Toda sociedade, dirá ele, se baseia na exploração de uma classe sobre a outra. E ponto final. Conversa encerrada. Do outro lado, um grupo de trabalhadores pode acreditar que a sociedade é feita por pessoas independentes e livres. Pessoas que podem se dar bem ou mal na vida, a depender unicamente de suas decisões, escolhas e seu mérito individual.
Salta aos olhos que não existirá diálogo possível entre esse falso marxista e esse grupo de trabalhadores. Um dirá: “O mundo é assim!”. O outro responderá: “Não é!”. Ponto final.
Ideologia: parece, mas não é
A concepção marxista parte do pressuposto de que até mesmo as ideias erradas possuem uma base social. O estudo da sociedade deve revelar não apenas a natureza mais profunda em que ela se estrutura (por exemplo, a exploração de classes), mas como esta sociedade assim estruturada pode aparecer de outra forma.
Como uma sociedade em que um grupo de proprietários vive do excedente produzido pela massa de trabalhadores pode aparecer como um conjunto de indivíduos livres e independentes? Como um Estado, cuja função é manter esta sociedade baseada na exploração, pode aparecer como algo neutro e imparcial, que supostamente pode corrigir todas desigualdades sociais? E assim por diante.
As ideologias burguesas são, de fato, falsas. Apesar disso, elas possuem (como base) aspectos reais e verdadeiros que são por elas isolados e transformados em dogmas que explicam a sociedade inteira. Os liberais explicam a sociedade inteira pela forma como os indivíduos aparecem no mercado: como átomos soltos no mundo. Os que acreditam ser possível resolver os problemas do capitalismo por intervenção Estatal, tomam o modo formal como o Estado aparece sem conectá-lo com o restante da sociedade.
Por trás das aparências
A concepção marxista, por sua vez, faz algo completamente diferente. Parte das formas mais comuns com que o capital aparece diante de todos: mercadoria, dinheiro, pessoas juridicamente livres e independentes e por aí vai. Assume temporariamente as ilusões que decorrem dessas formas unilaterais.
Somente então, cada parte é conectada, revelando, por exemplo, que a liberdade entre os indivíduos é a forma da exploração de uma classe sobre a outra; ou, ainda, demonstrando que a separação formal do Estado é a forma como ele garante a violência permanente de uma classe sobre a outra. Por isso, em O Capital, de Marx, a luta de classes, apesar de ser o fundamento da sociedade inteira, aparece de forma explícita apenas ao final: como conclusão.
No livro, exemplar da concepção marxista, durante o percurso, as bases sociais das ilusões burguesas são gradativamente reveladas e, somente assim, elas passam a ser criticadas. Assumiu-se, por exemplo, os pontos de partidas dos próprios liberais, para somente então mostrar como esses pontos de partida eram unilaterais e, por isso, suas conclusões eram falsas.
Crítica dialética: desconstruir por dentro
Esse método é fundamental para os marxistas. Ele nos permite não apenas compreender o capitalismo como totalidade, mas entender porque os trabalhadores, apesar de explorados, são vítimas das ilusões propagadas pelas concepções burguesas. Permite que dialoguemos com eles de forma não sectária, fazendo uma ponte entre o que pensam e a necessidade de uma revolução socialista que transforme a sociedade em seu conjunto.
Por isso, os militantes marxistas devem compreender teoricamente esse processo. Somente assim, quer seja em uma conversa pessoal, quer seja na propaganda ou agitação para grandes massas, poderemos desconstruir, por dentro, as falsas concepções que a própria classe trabalhadora assume. Somente assim, as grandes massas poderão aprender com a sua própria experiência, por meio de nossa intervenção. Esta é precisamente a crítica interna ou dialética que caracteriza a concepção marxista.
Com o objetivo de contribuir para essa tarefa, nos próximos artigos, vamos eleger vários aspectos que caracterizam diversas concepções burguesas: liberais, intervencionistas, nacionalistas, pós-modernas. Analisaremos a base social de cada uma delas, para, somente então, criticá-las e dissolvê-las por dentro. O socialismo irá emergir não como uma ideia preconcebida e dogmática, mas como uma necessidade que surge no interior do capitalismo e da vida de cada trabalhador.