O discurso de Lula na 27ª edição da Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, a COP-27, iniciada nesta quarta-feira (16), foi um dos assuntos mais comentados nesta semana. Sua fala na conferência ambiental, realizada no Egito, e que tem como anfitrião o ditador Al Sisi, repercutiu com alarde nos principais veículos e agências de notícias. O jornal “The New York Times” o relatou como “eletrizante” e o tradicional jornal britânico “The Guardian” classificou a fala do presidente eleito como “empolgante”.

Mas, para além do impacto em função da diferença dos vergonhosos discursos do genocida Bolsonaro, dos deslumbramentos da imprensa internacional e das promessas de combater o desmatamento e reconstruir os órgãos de fiscalização ambiental, o presidente eleito fez questão em acenar para o agronegócio, dizendo que o setor será um “aliado estratégico” de seu futuro governo. “O agronegócio será aliado estratégico na busca de uma agricultura regenerativa e sustentável”, disse Lula.

Além disso, o presidente eleito afirmou que não é preciso desmatar nenhum “metro de floresta” para garantir a geração de riquezas e a segurança alimentar no mundo e também disse que o Brasil voltou ao mundo, em referência ao multilateralismo global (leia-se, a forma tradicional norte-americana de manter a sua hegemonia global). Também participou de encontros fechados com o enviado especial para o clima do governo norte-americano, John Kerry, e com o alto representante chinês para o clima, Xie Zhen Hua.

Enquanto isto…a transição nas mãos do agronegócio

O compromisso do futuro governo com o agronegócio pode ser medido pelos nomes de peso do setor que foram apresentados, no dia 16, por Alckmin para compor o Gabinete de Transição. Vejamos alguns deles.

Carlos Favaro é agropecuarista (ex-presidente da Associação de Produtores de Soja do Brasil) e senador pelo Partido Social Democrático (PSD) do Mato Grosso. Evandro Gussi é um ex-deputado federal, pelo Partido Verde (PV), de São Paulo, tendo se destacado por seu apoio à Reforma Trabalhista e, inclusive, por ser um daqueles que o PT chama de “golpistas”, por ter votado a favor do impeachment de Dilma. Além disso, é presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).

Kátia Abreu é pecuarista do Tocantins, já tendo exercido a presidência da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil, período em que ficou conhecida como “Rainha da Motosserra”. Hoje, é senadora pelo Progressistas (PP), mas também foi a ministra da Agricultura, durante o segundo governo de Dilma Rousseff, tendo sido uma das principais incentivadoras da “nova fronteira agrícola, o Matopiba (nas regiões do Maranhã, Tocantins, Piauí e Bahia), uma das principais responsáveis pela devastação ambiental no país.

Neri Geller é um empresário ruralista do Mato Grosso, que ganhou projeção em 2006, quando promoveu uma série de bloqueios de estradas contra o governo Lula. Mesmo, assim, depois foi indicado por Dilma como Ministro da Agricultura (2014-15). Desde 2019, é deputado federal, pelo PP-MT, tendo se destacado por projetos em defesa da liberação e uso dos agrotóxicos, pela alteração dos estados que compõem a “Amazônia Legal” e, ainda, pela chamada “flexibilização” do licenciamento ambiental, que retirou a necessidade de licença para obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos ou de distribuição de energia elétrica.

Além disso, a equipe ainda conta com dois outros membros de governos anteriores de Lula: o engenheiro agrônomo Luiz Carlos Guedes, que foi Ministro da Agricultura (2006/07), e Silvio Crestana, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2005-09).

Defender um agronegócio sustentável é insustentável

Até alguns meses atrás, um dos poucos consensos de amplos setores da “esquerda” era de que o agro é inimigo do meio ambiente. O que mudou de concreto, além do deslumbramento de algumas lideranças do movimento socioambiental que procuram algum cargo no futuro governo?

Afinal, quem da lista acima tem algum histórico de defesa dos sistemas ecológicos, dos recursos hídricos e da biodiversidade? Kátia Abreu, que seguidamente ganhou o prêmio Motosserra de Ouro? Que esteve à frente de um leilão de gado, cujo objetivo era arrecadar fundos para fazendeiros se armarem contra os Guarani-Kaiowas no MS (tal como está registrado no brilhante filme “Martírio” de Vicente Carelli)? Evandro Gussi, presidente da maior associação de usineiros do país? Carlos Favaro, sojeiro e relator do texto final do PL 510/2021, o PL da Grilagem?

O agronegócio, assim como o extrativismo mineral, é causador dos mais graves problemas socioambientais do país. Impõe um modelo de produção agrícola que provoca uma exaustão ambiental, exaure recursos da natureza, como a água, degrada o solo, provoca desertificação e promove a barbárie contra camponeses, indígenas e quilombolas.

Esse modelo de agricultura cresceu na esteira da implementação do neoliberalismo no Brasil, nos anos 1990, sendo fomentado por vultuosos “empréstimos” públicos. “Empréstimos”, com aspas mesmo, por que, na verdade, trata-se de roubo de dinheiro público.

Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que 4.013 proprietários de terra devem quase R$ 1 trilhão, uma dívida maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de 26 estados. Quem é que vai cobrar essa dívida? E essa gente ainda fala que carrega o país nas costas…

O agro é roubo e pilhagem

O agronegócio é expressão da decadência brasileira, da nossa reprimarização econômica (ou seja, desindustrialização e redução do país ao papel de exportador de matérias-primas, minerais e agrícolas), que atualiza novos dispositivos coloniais.

O agro é o exemplo do amalgama do desenvolvimento desigual e combinado de um longo processo histórico de expansão do capital no Brasil que realizou um arranjo específico, combinando a mais fina tecnologia 5G, com a velha concentração fundiária, empregando pouca gente e, ainda, se fazendo valer do trabalho escravo moderno.

O agro se expande na base da “acumulação por espoliação”, para usar as palavras do geógrafo David Harvey, que atualiza o conceito de acumulação primitiva de Marx. Para o agro “carregar o país nas costas” ele precisa se expandir permanentemente, em terras mais baratas, para diminuir os custos de produção e obter maior produtividade. E se elas forem de graça, melhor ainda! Mas, como obter terra gratuitamente? Ora, roubando as terras públicas, que não são poucas! Muitas delas sequer são conhecidas.

Existem várias modalidades de terras públicas no Brasil. As terras devolutas são uma modalidade de terra pública que não estão identificadas, não se sabe onde estão e, por essa razão, sequer estão registradas em cartório, como integradas ao patrimônio público. As terras devolutas federais e estaduais somam cerca de 141,5 milhões de hectares. Essas são as preferidas pelos ladrões do agro, que as registram de maneira fraudulenta em algum cartório corrupto nos confins do Brasil.

Outra modalidade são as terras federais e estaduais, cerca de 263 milhões de hectares (cerca de 30% do território nacional), que se dividem entre Terras e Reservas Indígenas, quilombolas, Unidades de Conservação de Uso sustentável ou restrito e territórios comunitários em assentamentos indivisíveis.

Essas modalidades foram alvo da invasão de madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores e de toda uma corja (aliada ao crime organizado) que ficou atiçada com o governo Bolsonaro. Por isso, se multiplicaram invasões em Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Por isso, também, explodiram os incêndios e o desmatamento na Amazônia.

O crime organizado é a vanguarda da invasão. Mas, no final das contas todas elas vão parar nas mãos dos “produtores” do agro, que esperam um governo de plantão para regularizar seu roubo, tal como foi com a Lei 11.952, aprovada na gestão de Lula, em 2009, que autorizou a emissão de títulos de áreas públicas de até 1.500 hectares na Amazônia, ocupadas e desmatadas ilegalmente até dezembro de 2004.

O mesmo ocorreu com a Medida Provisória 759, em 2016, de Michel Temer, aumentando a área passível de regularização para até 2.500 hectares, e regularizando o roubo de terras públicas invadidas para dezembro de 2011. Tal como foi com Bolsonaro, que passou a boiada em toda legislação ambiental e tentou emplacar o PL da Grilagem, de Carlos Favaro. Quem é mesmo que vai impedir o PL de Favro?

“Ser proprietário de terras rurais parece ser um bom negócio. Se não quiser produzir, pode arrendar e faturar bom lucro, sem as preocupações com as contrariedades climáticas”, aconselha o Canal Rural, porta-voz do agro.

Por tudo isso, defender agronegócio sustentável, como faz Lula, é absolutamente insustentável.

Se depender do agro, nem feijão nem arroz

Mas como produzir alimentos sem o agro que carrega o país nas costas? A segurança alimentar no mundo não vai ser ameaçada? O espectro de uma mentira colossal ronda corações e mentes da chamada opinião pública nacional e contamina uma parte da esquerda, que repete esse verdadeiro mantra do agronegócio.

A verdade é que o agro não produz alimento algum. Ao contrário, representa uma ameaça à segurança alimentar do país. Só pra ficar no feijão com arroz, vejamos os dados do IBGE. De 2006 pra cá, a área de plantio de arroz no país caiu praticamente pela metade (-44%); enquanto a do feijão encolheu 32%. No mesmo período, a de soja quase dobrou (+86%), ao passo que o milho avançou 66%, duas das importantes commodities vendidas no mercado internacional.

É a agricultura camponesa que garante boa parte do arroz e o feijão para abastecer o mercado brasileiro. É responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos em todo o país. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, o setor produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo do Brasil. Na pecuária, é responsável por 60% da produção de leite, além de 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos do país. Esses são os dados, essa é a realidade.

Uma política ambiental social–liberal

A lógica de acumulação do capital monopolista impossibilita uma verdadeira transição da matriz energética e sequer permite uma redução significativa das emissões de carbono. Por isso, todos os acordos climáticos das últimas décadas fracassaram.

Na verdade, as soluções apresentadas servem à própria autorreprodução do capital, e não para impedir a destruição da biosfera. A corrente ambientalista burguesa da “economia verde” e da “ecoeficiência” acredita no “desenvolvimento sustentável” a partir da boa utilização dos recursos naturais ou, como eles chamam, do “capital natural”. Para eles basta uma certa regulação, promovida pelo Estado e, principalmente, pelos próprios capitalistas, individualmente ou associados, para adequar a produção a um “manejo sustentável” e ao uso prudente dos recursos naturais.

Defendem propostas de cunho neoliberal e de “autorregulação do mercado”, tais como a criação de fundos e comercialização de derivativos financeiros (como os créditos de carbono), que servem apenas à criação de novos nichos de mercado, ampliam o parasitismo do capital financeiro e fomentam a ideologia do “desenvolvimento sustentável” do capital. Muitas empresas incorporam às suas marcas o rótulo de “sustentáveis” (incluindo mineradoras, petroleiras, dentre outros setores da indústria) apenas para fazer o chamado greenwashing (literalmente, “lavagem verde”, termo usado para aqueles que, falsamente, se apresentam como “amigáveis ao meio ambiente)

Também apostam na concessão pública à iniciativa privada de imensas áreas de florestas públicas para implementar algum tipo de exploração florestal “sustentável”. Um exemplo disto foi a aprovação da polêmica Lei de Gestão de Florestas Públicas, elaborada por Marina Silva, quando era ministra do Meio Ambiente, que autoriza a sua concessão para exploração pelo setor privado, a comercialização de “serviços ambientais”, a venda de créditos de carbono, entre outras medidas de cunho neoliberal e financista.

O pressuposto da “economia verde” é o de que a floresta precisa ter um valor econômico para ser preservada e incentivos financeiros devem ser criados para que os indivíduos se abstenham de destruí-la. Propõe-se que as forças de mercado (com suas “falhas” supostamente corrigidas) proporcionem um uso sustentável dos recursos naturais.

Ao mesmo tempo, oferecem políticas sociais compensatórias, tal como o Bolsa Verde, criado por Dilma, em 2011 (oferecendo R$ 300, a cada três meses, para famílias que vivem em áreas de conservação ambiental), sem oferecer nenhuma política que oferecesse melhorias estruturais como saúde, educação e bem-estar, a essas populações. Por esse caminho, nem a Amazônia nem nenhum outro bioma brasileiro será salvo, como a história recente já demonstrou. É preciso romper com essa lógica, própria do sistema capitalista.