Altino concede entrevista à imprensa após a aprovação da greve dos metroviários em junho de 2014 | Foto: Romerito Pontes
Redação

Nesse dia 29 de junho, em São Paulo, em frente ao Theatro Municipal, foi realizado um ato contra as tarifas, relembrando as Jornadas de Junho de 2013. Dez anos depois, a luta por catraca-livre e contra as privatizações continuam.

O Opinião Socialista conversou com Altino Prazeres, militante do PSTU, que atuou ativamente nas Jornadas de Junho de 2013. Na época, Altino era presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, que organizou as manifestações pela redução das tarifas, rumo à tarifa zero, em unidade de ação com o Movimento Passe Livre (MPL). Altino chegou a ser preso pelo polícia, na segunda manifestação realizada na capital paulista no dia 6 de junho.

OPINIÃO SOCIALISTA – Há uma visão amplamente divulgada pelo PT e repercutida por parte da grande imprensa, que atribui a responsabilidade por toda a crise política pós-2013 no Brasil ao Junho de 2013, incluindo a ascensão de Bolsonaro e do movimento de ultradireita. Qual a sua avaliação sobre Junho de 2013?

ALTINO PRAZERES – Não tenho acordo com essa avaliação de que as manifestações de Junho de 2013 deram origem ao Bolsonarismo e ao movimento de ultradireita no Brasil. O que levou ao fortalecimento da ultradireita foram os desastres dos governos do PT, que permitiu que esse setor se apresentasse como alternativa frente ao caos econômico e social que o país atravessava.  Tanto o PT quando os analistas da imprensa burguesa deveriam explicar os motivos que levaram a ocorrer as Jornadas de Junho. Isso eles não fazem, buscam apenas debater as perspectivas e para onde foi o movimento, tanto é assim que são várias polêmicas em torno a avaliação desse processo. Foram manifestações realizadas pela juventude e por pessoas pobres, diante do caos e a crise econômica e social que atingia a sociedade. A pauta começou contra o reajuste na tarifa dos transportes, mas como ecoou nas ruas: não era só por 20 centavos. A população reclamava por melhorias nos serviços públicos – transporte, saúde e educação e por um futuro melhor.

Qual a relação das Jornadas de Junho com outras mobilizações que ocorreram no mundo como a ‘Primavera Árabe’ (Norte da África e Oriente Médio) e ‘Indignados’ (Espanha)?


Sim, tem toda uma relação. Junho de 2013 está inserido em um contexto mundial de lutas dos trabalhadores e da juventude por causa das consequências da crise econômica global iniciada em 2007-2008 e pegou os ventos da chamada Primavera Árabe e da Europa, onde ocorriam também grandes protestos organizados por jovens, com características que vimos aqui, como o sentimento de repulsa às direções tradicionais que se negavam a organizar as lutas. Foram manifestações organizadas por fora das direções tradicionais do movimento de massas. Saiu por fora dos sindicatos e centrais sindicais, já que estas entidades seguiram apoiando os governos do PT, tanto em São Paulo (prefeito Haddad) como a presidente Dilma.

Quando iniciaram as mobilizações em São Paulo?

No período das Jornadas de Junho, eu era presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Ganhamos o sindicato no final de 2010, a partir daí iniciamos um levante na categoria de 2011 a 2013, com grandes manifestações, influenciando também os ferroviários de São Paulo. Tinha uma efervescência de luta no setor dos transportes. A novidade foi que nosso Sindicato assumiu a bandeira em defesa da tarifa zero. Defendíamos a redução do preço da tarifa, rumo à tarifa zero, porque entendíamos que quem tinha que pagar o transporte eram os grandes empresários e os bilionários, que estavam aumentando suas riquezas a cada dia, enquanto o povo ficava mais pobre. Ajudamos a convocar, junto com o Movimento Passe Livre (MPL), os protestos. No dia 2 de junho, Alckmin (governador de São Paulo) e Haddad (prefeito da capital) anunciaram juntos o reajuste da tarifa no transporte público (metrô, trens e ônibus). No dia 3, aconteceu o primeiro protesto.

Como aconteceu essa unidade com o MPL?

Nossa unidade foi construída em cima da pauta da redução da tarifa. Nós entramos com força nessa luta porque defendemos que o transporte seja um serviço à população, como está na própria Constituição Federal, ofertado e garantido pelo Estado. Mas esse processo foi construído antes de 2013. Fizemos carta aberta à população, reuniões e debates em conjunto. Isso não quer dizer que tínhamos acordo com tudo, divergíamos no método e até mesmo no programa, pois a pauta do MPL era bastante reduzida. Por exemplo: eles não pautavam a estatização do transporte, para eles tanto fazia ser privatizado ou não, defendiam apenas a tarifa zero. Com o debate fraterno que travamos, parte deles evoluiu nesse ponto. Defendemos que seja estatal, inclusive para não dar dinheiro aos grandes empresários. Assim convocamos os protestos de junho de forma unitária. O Sindicato dos Metroviários e o PSTU foram parte desse processo desde o início.

Portal UOL destaca a prisão do Altino no ato contra o aumento das passagens em São Paulo | Foto: Reprodução

As manifestações foram reprimidas pela polícia desde o início. A cada protesto aumentava o número de participantes e aumentava a repressão. Você chegou a ser preso

Isso, fui preso na segunda manifestação realizada no dia 6. As manifestações foram fortemente reprimidas. Essa repressão, ao invés de diminuir, fez aumentar o número dos participantes nos protestos, pois era uma pauta justa contra o reajuste nas passagens, ligada a um sentimento de que as coisas estavam dando errado na vida dos trabalhadores, que só piorava sua condição de vida. Pois o que explodiu em junho de 2013 foi a indignação diante de um ‘país do futuro’ que nunca chegou. Tinha um questionamento com relação aos governos, em particular aos governos do PT, onde esperava-se que tivesse uma melhor visão social e não tiveram. O que teve foi uma repressão violenta aos manifestantes, que repercutiu muito mal e fez com que as manifestações que se concentravam em São Paulo e outras poucas capitais se espalhassem por todo o país. Lembro que o apresentador Datena fez uma enquete na TV perguntando quem era a favor de confusão e baderna, achando que a população ia ficar contra os protestos, mas a insatisfação popular era muito maior e a resposta da população foi de que estava certo lutar contra o aumento dos preços das passagens. Juntou o problema do transporte, da saúde, da educação, a insatisfação de ver que nada na vida melhorava, enquanto os ricos ficavam mais ricos e os governantes que poderiam fazer alguma coisa para melhorar a situação, nada fizeram. Isso gerou uma revolta muito grande, uma explosão social, que levou às Jornadas de Junho de 2013.

Os governos voltaram atrás nos reajustes das tarifas, mas os protestos seguiram. Por quê?

Seguiram porque já não eram mais só pelos 20 centavos. A vida do conjunto da população estava piorando.  Avançou a precarização do trabalho, a quantidade de trabalhadores na informalidade, a juventude não tinha perspectiva de um futuro melhor. Enquanto isso, via os filhos dos ricos levando a vida numa boa, os grandes jogadores de futebol ganhando muito dinheiro, os empresários aumentando sua riqueza, via a roubalheira e muita corrupção nos governos, muito dinheiro rolando para garantir a Copa do Mundo. Já para a população mais pobre e para os trabalhadores precarizados e no mercado informal, não tinha nada. Isso deu o caldo da revolta. Foram às ruas cobrar a sua parte, não podia ser apenas para os empresários.

Qual o papel das velhas direções do movimento de massas como a CUT e a UNE?

A explosividade de Junho de 2013 se deu por fora e contra as organizações tradicionais, tanto estudantis quanto sindicais, como a UNE, a CUT e as demais Centrais que, na época, eram correias de transmissão do governo Dilma. Foi um processo tão forte que impediu que essas organizações fizessem aquilo que era, e sempre é, sua maior especialidade: conter lutas e institucionalizá-las. Por isso, tentam fazer um balanço negativo sobre esse processo. Pelo histórico de traição e capitulação do movimento sindical ao governo, existia uma desconfiança dos manifestantes a todo tipo de organização política. Lembro que nos atos, apenas eu e outros diretores do Sindicato falávamos nos jograis realizados em frente ao Theatro Municipal. Nossa participação nesses protestos não era questionada, pois erámos vistos como aliados, pelo processo que construímos de forma unitária, mas mesmo assim havia muita desconfiança. O movimento teria tido outra força e outro cenário se os movimentos sindical, popular e estudantil tivessem entrado na luta, parando as fábricas, as escolas e universidades.  Fizeram o inverso. Jogaram contra o movimento, em defesa do governo Dilma, fazendo aumentar a insatisfação e a desconfiança com as entidades tradicionais do movimento.

Junho de 2013 abriu um processo de lutas e mobilizações que seguiu nos anos seguintes, inclusive teve uma forte e histórica greve do metrô em 2014. Como foi esse processo?

Junho de 2013 já foi antecedido de um processo de lutas, a exemplo da greve dos operários da construção civil nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal e a greve nacional da educação. Depois, esse processo seguiu. Tivemos a forte greve dos garis no Rio de Janeiro, organizada por baixo, enfrentando a direção burocrática do sindicato. Teve um processo de lutas contra o grande investimento na Copa do Mundo, em obras faraônicas, que se tornaram elefantes brancos e outras sequer foram finalizadas. Essas manifestações também foram reprimidas.  O governo Dilma aprovou a Lei Antiterror para aplicar a quem se mobilizasse, inclusive fazendo uso da Força de Segurança Nacional.

Histórica greve dos metroviários em junho de 2014 | Foto: Romerito Pontes

Nesse período, vocês também realizaram uma forte greve no metrô.

Sim. Lançamos a campanha ‘Queremos salário padrão Fifa’. O padrão Fifa que era ligado a excelência, alto nível e qualidade, deveria ser também assim com nossos salários. Essa campanha levou à realização da greve em 2014, na véspera da Copa do Mundo, e veio uma repressão muito grande contra nós. Foram cinco dias de paralisação. Um movimento forte e histórico protagonizado pela nossa categoria. Do ponto de vista da pauta econômica, tivemos uma grande vitória, mas a greve foi finalizada com 63 companheiras e companheiros demitidos, que depois de muita luta foram reintegrados. Esse enfrentamento e ousadia que tivemos, acabou dando muita visibilidade a nossa luta na imprensa. O Estadão fez uma reportagem falando sobre a greve que no título dizia ‘Quem era o homem que ameaça a abertura da Copa do Mundo’, falando sobre mim. Nós atuamos com uma linha política correta no Sindicato dos Metroviários e isso está relacionado a visão política do PSTU, partido no qual milito. Inclusive, um dos colunistas da imprensa burguesa chegou a dizer que “só a turma do PSTU” para fazer uma mobilização como fizemos, que não esperava que outra força política fosse fazer algo parecido, que tal ousadia só poderia sair de nós.

No meio desse processo tivemos o impeachment da Dilma e a greve geral contra Temer (MDB). Qual a sua avaliação?

Durante o segundo mandato da Dilma, o preço das matérias-primas de exportação foram caindo, a desindustrialização do país cresceu, iniciou um processo de cortes nos programas sociais e a petista aplicou um estelionato eleitoral, pois para se eleger prometeu não mexer nos direitos dos trabalhadores, mas impôs um conjunto de ataques aos direitos trabalhistas. Isso aumentou a insatisfação popular. A burguesia e uma ala da direita que estava no governo com o PT, Michel Temer do MDB era o vice da Dilma, se utilizaram de manobras no parlamento e aprovaram o impeachment. Michel Temer assume, mas bastante desgastado, e só permaneceu no poder devido o papel traidor das centrais sindicais. Pois a greve geral de abril de 2017, poderia ter derrubado Temer, porém, as grandes centrais sindicais ligadas ao PT e PCdoB, apoiadas pelo PSOL, traíram o movimento e buscaram canalizar a insatisfação e o desgaste do governo para as urnas. Contudo, no meio dessa crise, surge o Bolsonaro como ‘salvador da pátria’ e capita para a ultradireita o sentimento forte antipetista que existia, prometendo acabar com a corrupção e desenvolver o país. Nada disso foi feito. Aprofundou-se a corrupção e a desigualdade social.

Olhando pelo retrovisor quais os limites, os avanços e impacto das Jornadas de Junho na atualidade?

Primeiro, quero frisar que as manifestações de Junho de 2013 foram as mais importantes que ocorreram nos últimos anos no Brasil. No final dos anos 1980, na luta pela redemocratização, das quais participei, quando ainda morava em Pernambuco e era presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas, ocorreram grandes manifestações. Em termo de tamanho, de magnitude do processo, as Jornadas de Junho de 2013 foram as maiores manifestações de lá para cá. O principal limite foi ausência de organização nacional e a aversão a qualquer tipo de organização por parte de amplos setores, o que deixou o movimento sem estratégia e uma direção que pudesse apontar um caminho para o enfrentamento ao regime e ao sistema. As organizações de oposição de esquerda ao governo, muito pequenas, não conseguiram cumprir esse papel. Avalio que o avanço foi jogar por terra o discurso de que o povo brasileiro não se mobiliza, não protesta, não vai às ruas, não luta. Nossa história é marcada por protagonismo da nossa classe e dos setores oprimidos. Quanto à atualidade, as mazelas sociais, o caos econômico e social que forjaram Junho de 2013 seguem existindo. Por isso, dizemos que queremos novos junhos de 2013 para enfrentar os bilionários, enfrentar qualquer governo que esteja de joelhos aos patrões e apontar um novo projeto de sociedade.

Qual seria esse projeto?

Hoje, estamos no terceiro governo Lula (PT), onde uma parcela grande da classe trabalhadora tem ilusão, diante à catástrofe que foi o governo Bolsonaro. Nós vamos dizer à classe trabalhadora que é preciso se mobilizar para garantir nossas reivindicações. Mas nossa tarefa é apresentar um outro projeto. Não pode ser que nossa tarefa central seja derrotar a ultradireita e seguir governando com o Centrão.  Não pode ser derrotar a ultradireita, mas impor um arcabouço fiscal que continuará garantindo o lucro dos empresários e o pagamento dos juros da dívida pública aos banqueiros. Não pode ser retirar a direita e a manter a Reforma do Ensino Médio que favorece os tubarões da educação. Nós temos que pensar em um projeto que responda às necessidades mais sentidas pela classe trabalhadora e o povo pobre. Para isso, vai ter que se enfrentar com os banqueiros, com as multinacionais e os bilionários. Parar de pagar os juros da dívida pública, para ter dinheiro para saúde, educação, transporte e moradia popular. Nós temos que debater a fundo a própria sociedade que vivemos hoje. Não queremos apenas mudar de governo. Queremos mudar a nossas vidas e para isso não podemos manter a riqueza nas mãos da classe dominante. Caso contrário, ficaremos apenas mudando de governo, um mais violento por um outro menos violento, um com discurso de ódio e outro com menos discurso de ódio, mas que no fundo seguirão governando para a burguesia. Temos que apontar um projeto onde as riquezas produzidas fiquem para nós e não para um punhado de bilionários. Um projeto onde a riqueza seja socializada: um projeto socialista para o Brasil.

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