Redação

O PT e praticamente toda a esquerda defendiam e defendem que houve um golpe (uma mudança do regime político no país) com a posse de Temer. Mas seu governo era impopular e encontrou muita dificuldade para unir a burguesia, desmobilizar e derrotar o movimento de massas. Como você avalia aquele governo?

Zé Maria – O PT e seus satélites buscaram – e buscam até hoje – construir uma narrativa na qual o impeachment da Dilma teria sido um golpe da direita, porque pretensamente a ex-presidenta estaria defendendo os interesses dos trabalhadores que a direita queria atacar. Buscavam apresentar, assim, o impeachment como uma derrota dos trabalhadores e trabalhadoras, que teria colocado a classe trabalhadora em refluxo, abrindo uma situação reacionária no país, imposta pela “onda conservadora” que, segundo essa narrativa, varria o mundo e o país naquele momento. Dessa forma, o PT tratava de tentar esconder as traições cometidas pelo partido e seu governo contra os interesses da classe trabalhadora.

No entanto, essa narrativa estava distante da realidade. O regime político não retrocedeu e a classe [trabalhadora] não foi derrotada. O impeachment de Dilma ocorreu devido à sua iniciativa de atacar os direitos e interesses dos trabalhadores conforme exigido pela crise econômica. Essas ações minaram seu apoio popular e enfraqueceram seu poder a ponto de ela não conseguir mais aprovar suas políticas no Congresso Nacional, tornando-se inútil para os interesses dos poderosos.

A classe trabalhadora continuou protestando e lutando contra os ataques às suas condições de vida, que foram desencadeados ainda pelo governo de Dilma, como as restrições ao acesso ao PIS-Pasep e ao seguro-desemprego ou o anúncio de uma nova reforma da Previdência, e continuavam com o governo Temer.

Foi nesse contexto, de crise econômica, social e política, que Temer assumiu e governou por dois breves anos, mas que foram nefastos para os trabalhadores e trabalhadoras. Foi isso que fez de Temer um governo frágil desde o seu início, terminando com uma popularidade ainda menor do que a da Dilma nas vésperas de seu impedimento.

 Você acompanhou de perto a luta para convocar e construir a greve geral, em 2017, e teve papel destacado no Ocupa Brasília. Muitas correntes, um mês antes, foram contrárias à sua convocação. Consideravam que os trabalhadores estavam derrotados e seriam incapazes de realizá-la.  Essa greve geral foi uma das maiores da História, mas foi obscurecida ou nem sequer é lembrada na narrativa sobre o período a partir de 2013. Como foi a construção da greve? O que a motivou e possibilitou suas reivindicações? E por que sua força e extensão surpreenderam?

A greve geral de abril de 2017 foi um desaguadouro desse descontentamento que crescia por baixo, na população, e das lutas contra os ataques aos direitos e às condições de vida que Temer continuava aplicando depois de assumir o governo.

Assegurar sua convocação e realização foi uma luta, mas não contra a tal “onda conservadora” ou a pretensa desmoralização da classe. Foi uma luta contra as direções das grandes centrais, do PT, do PSOL e do PCdoB que, com essas alegações, se negavam a convocar e preparar a luta. 

Foi preciso muita pressão por baixo, que se apoiou nas lutas dispersas que ocorriam em diversos setores da classe, como as manifestações de 15 de março, que foram muito importantes nesse sentido. Mas também de iniciativas de organizações de base da classe, especialmente no setor metalúrgico. Desde setembro de 2016, sindicatos, federações e confederações do setor, ligados a todas as centrais sindicais, se organizaram em um agrupamento que se chamou Brasil Metalúrgico, que convocou um Dia Nacional de Luta da categoria e depois um encontro nacional do setor, que aprovou uma resolução exigindo das centrais a convocação de uma greve geral contra a aprovação da reforma trabalhista que estava em discussão no Congresso.

Ainda em setembro de 2016, foi realizado um dia de luta dos metalúrgicos em todo o país, organizado pelo Brasil Metalúrgico, agrupamento de sindicatos do setor que reuniu entidades ligadas a todas as centrais sindicais.

A greve geral, finalmente convocada para o final de abril, foi muito forte, expressando a força da classe que, longe de estar derrotada e desmoralizada, mostrou plena disposição para lutar e defender seus direitos.

E o Ocupa Brasília? O que aconteceu ali com o movimento, as direções e a ação do governo?

Nossa proposta, naquele momento, era convocar imediatamente outra greve, agora de 48 horas, para aumentar a pressão sobre o governo e o Congresso. Não houve acordo com a direção das grandes centrais sindicais, que propuseram fazer primeiro uma grande manifestação em Brasília para depois convocar uma nova greve geral. Já se antevia aí a falta de disposição para levar a luta até a derrota de Temer e impedir efetivamente a aprovação da reforma trabalhista.

Mas, mais uma vez, a disposição de luta da classe e a força de sua vanguarda, que se deslocou até Brasília, se impuseram. Quase 100 mil trabalhadores tomaram a capital e protagonizaram um enfrentamento muito forte com a repressão, deixando as marcas do seu protesto e de sua revolta. Foram quase quatro horas de uma verdadeira batalha campal. A CSP-Conlutas teve papel importante, de vanguarda, mas na linha de frente também estavam trabalhadores e sindicalistas de outras centrais. 

Ocupa Brasília em 2017

É importante destacar a presença da classe operária neste protesto. Só de metalúrgicos da capital paulista foram mais de mil trabalhadores e trabalhadoras do setor. 

A força dessa manifestação deu confiança à vanguarda da classe, que voltou para seus estados pronta para organizar a segunda greve geral para derrotar de vez a reforma trabalhista.

Até aí, não havia o protagonismo e a força da ultradireita. Inclusive, as direções liberais surgidas em 2015 já não davam a tônica. Porém o movimento não teve continuidade. Qual foi o papel das centrais sindicais e também do PT e de Lula nesse momento em relação à continuidade da luta contra as reformas e ao “Fora Temer”?

O protagonismo da classe trabalhadora organizada era evidente no cenário político daquele momento. E ficou mais que demonstrado que as massas poderiam ter conquistado suas reivindicações, especialmente ter impedido a aprovação da reforma trabalhista. E isso poderia ter posto fim no governo Temer, derrotado pela classe trabalhadora em luta.

Isso não ocorreu por que as direções das grandes centrais e a direção do PT se negaram a dar continuidade à luta, se negaram a organizar a continuidade da luta. 

A política desses setores era evitar a radicalização do processo de lutas e tratar de desviar todo o descontentamento das massas para o processo eleitoral, para eleger Lula, em 2018.

Marcaram a data da segunda greve geral para mais de trinta dias depois do Ocupa Brasília, apenas para, logo em seguida, desmarcarem a greve, enterrando a possibilidade de continuidade daquela mobilização. A classe trabalhadora, que já não havia podido contar com suas organizações para lutar contra os ataques do governo Dilma, tampouco pôde contar com elas para lutar de forma consequente contra o governo Temer. Por isso Temer não caiu.

Se fala muito que 2013 “chocou” Bolsonaro, mas a greve geral de 2017 não poderia ter gerado um caminho alternativo e inteiramente diferente se a luta tivesse continuidade? Haveria a possibilidade de uma confluência da juventude que protagonizou 2013 com a ocupação das escolas em 2016, os setores populares e os trabalhadores. Foi deixado um vácuo para ser ocupado pela extrema direita e Bolsonaro?

Não se pode discutir o cenário político do país após as lutas do primeiro semestre de 2017 sem levar em conta a força da classe, que se manifestou nesse período, e as oportunidades que surgiram, mas foram desperdiçadas devido à traição de suas lideranças.

As Jornadas de Junho de 2013 foram um processo profundamente progressivo, que se enfrentou com o PT, porque este estava no governo e reagiu, enfrentando e tratando de derrotar o movimento. Por isso, nessa situação, não se pode estranhar que a direita tenha aparecido como alternativa para um setor de massas, já aí.

Mas a classe seguiu lutando e se levantou novamente em 2017, já com o PT na oposição. Mas essa luta foi mais importante e diferente de 2013, porque teve o protagonismo da classe trabalhadora organizada. Mas foi novamente derrotada por seus dirigentes, que preferiram manter Temer para preservar o regime político contra a radicalização da luta da classe e desviar todo o processo para as eleições.

O futuro poderia ser outro se toda aquela disposição da classe de lutar para derrotar seus inimigos não tivesse sido derrotada por seus próprios dirigentes.

Leia também

Os limites do Junho de 2013: uma década de lições para a esquerda