LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Nos últimos dias, diversas personalidades, que dificilmente podem ser acusadas de serem “pró-imperialistas” ou “gusanas”, reconheceram que há uma forte repressão do governo cubano e se manifestaram pela liberdade dos prisioneiros e contra os processos penais. Com o passar dos dias, o caráter e o alcance da repressão da ditadura cubana contra os legítimos protestos de 11 de julho vão se dimensionando mais nitidamente. Devemos redobrar a campanha contra a repressão e pela liberdade de todas e todos os detidos.

Na quarta-feira, dia 21, foram divulgadas as sentenças de prisão para doze detidos durante os protestos. Dez deles foram condenados a um ano de prisão. Os dois restantes – os únicos que tinham advogado – vão cumprir pena de 10 meses. Entre eles está o artista audiovisual Anyelo Troya González, fotógrafo e um dos produtores do videoclipe “Pátria e Vida”, que se tornou referência para muitos manifestantes cubanos. Troya foi detido enquanto tirava fotos dos protestos. Foi acusado pelo regime de promover “desordem pública” e condenado a um ano de prisão em julgamento sumário, sem advogado de defesa, sem a presença da família. Nenhum membro da família teve acesso a uma cópia da sentença. Foi uma aberração jurídica característica dos piores regimes ditatoriais que se pode conhecer. Outros presos – a maioria deles jovens, fotógrafos, artistas, jornalistas independentes, etc. – estão privados de sua liberdade por acusações tão arbitrárias quanto “desacato” ou “crimes contra a segurança do Estado”.

A plataforma cubana El Toque Jurídico afirmou que não se trata de um caso isolado: “O governo cubano decidiu processar centenas de manifestantes pacíficos por meio de julgamentos sumários, procedimento que permite que pessoas acusadas ​​de crimes sejam julgadas em menos de 20 dias, quando o parâmetro da sanção não exceda um ano de privação de liberdade” [1]. Nesse tipo de processo, vai acusação policial, sem a mediação de promotores ou advogados, ao julgamento oral, no qual data e hora também são desconhecidas até o último momento. Isso torna extremamente difícil para os réus contratarem advogados ou que suas famílias possam estar presentes. Esse foi, segundo seu irmão Yuri, o caso de Anyelo: “Viemos correndo com o advogado e o julgamento já havia sido concluído. Eles o julgaram sem advogado. Havia 12 jovens no mesmo julgamento sumário e apenas dois tinham advogado porque os pais descobriram a tempo”, segundo informa a agência EFE [2].

A organização que citamos explica que se trata de “julgamentos, nos quais não é necessário que promotor nem o advogado estejam presentes. O sumário é o processo perfeito para que os acusados, ainda mais se forem julgados por exercício de direito constitucional, sejam silenciados. Não pelo fato de não poderem falar, mas porque fazê-lo sem conhecimentos especializados ou sem a assistência jurídica de um profissional limita as possibilidades de articulação de um discurso que foque aa ilegitimidade de seu julgamento” [3].

O mesmo site informa que, apesar das autoridades cubanas negarem a existência de pessoas desaparecidas, houve centenas de casos de pessoas que não foram localizadas depois de serem presas nem houve informação sobre seu paradeiro ou as acusações contra elas. Elaborada a partir de várias iniciativas, há uma lista muito detalhada de 665 pessoas detidas desde 11 de julho, das quais 37 estão desaparecidas e 134 foram libertadas. [4] Neste vídeo, a jornalista Cynthia de la Cantera explica ao site Periodismo de Barrio como surgiu e quais os critérios que utilizam para elaborar e atualizar a lista de detidos e desaparecidos [5]. Em 21 de julho, o ativista cubano Maykel González Vivero, repórter do site Tremenda Nota, já havia denunciado que havia mais de 500 pessoas detidas e que menos de cem haviam sido libertadas. [6] Esses dados mudam constantemente, já que as prisões não ocorreram apenas durante os protestos. Também há relatos de caçadas de casa em casa em alguns municípios, depois que a polícia identificou alguns rostos por meio de vídeos postados nas redes [7].

Entre essas centenas de presos, há muitos menores. Em 19 de julho, o ativista cubano Salomé García Bacallao compilou uma lista de nove presos: Amanda Hernández Celaya (17 anos), Axel López Ramírez (16 anos), Brandon David Becerra (17 anos), Christian Batista Valdés (17 anos), Giancarlos Alvarez Arriete (17 anos), Glenda de la Caridad Marrero Cartaya (15 anos), Jonathan Pérez Ramos (16 anos), Katherin Acosta (17 anos), Leosvani Giménez Guzmán (15 anos), Luis Manuel Díaz (16 anos) e Yanquier Sardiña Franco (16 anos) [8]. Em 24 de julho, de acordo com a lista que citamos, soubemos os presos com 18 anos são pelo menos 23, já que 10 foram soltos ou absolvidos.

Entre eles , ganhou notoriedade o caso de Amanda Hernández Celaya, estudante e dançarina que foi presa por filmar os protestos com seu celular. Sua mãe, Heissy, afirmou: “Tenho certeza de que minha filha estava lá tirando fotos, que foi o que ela me disse. Mas vamos supor que ela gritou também. Diga-me, meu Deus, em qual dos dois está o crime? Ao filmar ou gritar, onde está o crime? Minha filha não pertence a nenhum grupo dissidente, ela não é jornalista independente, nada. É apenas uma jovem que vive pela dança” [9]. Amanda passou dez dias presa e mantida incomunicável na temível prisão 100 e Aldabó. Na quinta-feira, 22, ela foi submetida a um julgamento sumário, mas foi absolvida por falta de provas. [10] Sem a comoção e a solidariedade que o caso de Amanda desencadeou, como declarou a jornalista Miriam Celaya e tia da ré, “o resultado teria sido diferente” [11].

A repressão do regime castrista, com múltiplas violações dos direitos humanos e das normas processuais elementares, despertou a solidariedade de importantes personalidades cubanas, que dificilmente poderiam ser acusadas de “gusanos” ou “mercenários”.

O cantor e compositor Silvio Rodríguez, ícone da música da ilha e defensor da revolução cubana, pediu anistia para todos os detidos em decorrência dos protestos do 11-J: “Eles me pediram para ligar para alguém e pedir anistia para todos os presos. Lembro-me da última vez que pedi uma anistia. Foi na Tribuna Anti-imperialista. Um segundo antes de subir uma autoridade me disse para não dissesse. Se eu não digo isso, não digo nada, respondi. E consegui chegar ao microfone. E entre muitas outras coisas pedi a liberdade daquelas pessoas com quem não concordo. E algumas semanas depois (não por minha culpa) 70 vidas foram libertadas. Não sei quantos presos têm agora, dizem que centenas. Peço o mesmo para os que não foram violentos e mantenho a minha palavra. Eles não me devem nada porque não pedi nada. Espero que nunca mais se sintam fora (desejo lançado ao ar)”, escreveu [12].

O conhecido escritor cubano Leonardo Padura, Prêmio Nacional de Literatura de Cuba e Prêmio Princesa das Astúrias de Literatura na Espanha, também criticou a repressão da liderança castrista: “Para convencer e acalmar a esses desesperados, o método não pode ser soluções de força e incertezas, como impor o apagão digital que corta há dias as comunicações de muitos, mas que, no entanto, não impede as conexões de quem quer dizer algo, a favor ou contra. Muito menos a resposta violenta pode ser usada como um argumento de convencimento, especialmente contra pessoas não violentas,. E já se sabe que a violência não pode ser apenas física” [13].

O povo saiu às ruas gritando “Abaixo a ditadura”. (Foto de YAMIL LAGE / AFP)

O regime cubano, além da repressão física, desencadeou uma intensa campanha de criminalização de quem participou ou apoiou as diversas manifestações de descontentamento social. As declarações das autoridades cubanas não diferem das de nenhum outro governo capitalista que enfrenta um processo de mobilização popular. Desde o início dos protestos, Díaz-Canel descreveu os manifestantes como “marginais” infiltrados, supostamente “pagos pelos EUA”, ou como vândalos que buscam apenas criar “distúrbios”: “Ontem vimos delinquentes. Ontem a proposta não foi pacífica, houve vandalismo (…) apedrejaram polícias, viraram carros. Um comportamento totalmente vulgar, indecente, delinquente…” [14].

Para o governo cubano, assim como para todo o coro internacional de defensores do regime ditatorial, torna-se cada vez mais difícil esconder tanto as justas reivindicações populares da ilha, como a política repressiva com que as autoridades responderam. Está colocada com urgência a necessidade de assumir a defesa do direito de protesto do povo cubano e se posicionar contra a repressão.

Nesse sentido, o papel desempenhado por grande parte da chamada esquerda, que boicota a solidariedade para com o povo cubano, é desastroso. O stalinismo – liderado pelos ditos partidos comunistas – e suas variantes se posicionaram contra as manifestações populares e na defesa incondicional da ditadura castrista.

Com o argumento de que os protestos estariam constituídos por mercenários pagos pelo imperialismo para derrubar um governo e um Estado supostamente “socialistas”, apoiam as prisões e repressão dos chamados “gusanos contrarrevolucionários”. Outras correntes, de forma vergonhosa, absolutizam a denúncia do bloqueio norte-americano (que rejeitamos e chamamos a derrotar como fazemos com qualquer ingerência imperialista), mas sem dizer uma palavra contra o regime cubano ou sobre os presos políticos e desaparecidos. Todos os males de Cuba teriam origem externa à ilha. Assim, de fato, também contribuem para a repressão interna da ditadura castrista.

O caráter das mobilizações de 11 Julho não foi reacionário nem “pró-imperialista”. É um processo de luta justo e legítimo, baseado nas mesmas demandas de outros países latino-americanos. Ao alarmante deterioro das condições de vida em Cuba se soma o elemento de completa falta de liberdade para se organizar e lutar contra a ditadura. Além do fato de que o imperialismo e seus agentes certamente tentaram e tentarão influenciar esse descontentamento, o significado político do processo não é a “entrega” de Cuba a Washington ou Miami ou qualquer coisa assim. Esta interpretação não é mais do que uma cortina de fumaça que a ditadura castrista usa para deslegitimar qualquer expressão de oposição política.

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Aliás, é interessante a resposta ao argumento de que “são todos mercenários” que Leonardo Padura escreveu ao mencionar “o grito de desespero de pessoas entre as quais certamente havia gente paga e delinquentes oportunistas, embora me recuse a acreditar que no meu país, nesta altura, pode haver tantas pessoas, tantas pessoas nascidas e educadas entre nós que se vendem ou cometem crimes. Porque se assim fosse, seria o resultado da sociedade que os fomenta” [15]. Existem muitas reflexões assim. Basta fazer uma busca, agora que há acesso à internet e às redes sociais, encontrar dezenas de militantes cubanos que são anti-imperialistas e não negam o passado revolucionário em seu país, mas enfrentam a ditadura que oprime o país. .

Na realidade, os partidos e personalidades pró-castristas, que se apresentam como “anti-imperialistas” e defensores de um suposto “último bastião do socialismo”, estão prestando um enorme favor à campanha hipócrita do imperialismo norte-americano e de todos os expoentes da direita e ultradireita tradicionais, que enchem a boca com palavras de “liberdade” e “democracia” para o povo cubano, mas que não tem outro interesse senão aprofundar a recolonização da ilha. O governo Biden, por exemplo, acaba de anunciar o congelamento de bens nos Estados Unidos do Ministro das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) de Cuba, Álvaro López-Miera, e de qualquer membro da unidade militar de elite popularmente conhecida como “vespas Negras”. Uma medida com mais efeito midiático do que prático, pois exerce pouca ou nenhuma pressão sobre os responsáveis ​​pela repressão em Cuba. Se os EUA realmente se importassem com o destino do povo cubano, entre outras coisas, eliminaria o embargo comercial à economia cubana.

Ao não se opor ao regime castrista nem denunciar seus crimes, a maioria da esquerda deixa nas mãos do imperialismo e da direita mais recalcitrante a justa defesa das liberdades democráticas para a população cubana. Ao calar-se diante dos abusos, que em qualquer outro país seriam rapidamente denunciados, a maioria da esquerda acaba jogando o jogo não só com a ditadura castrista, mas do próprio imperialismo que afirma combater, já que facilitam para Biden e seus cúmplices a disputa por mentes e corações daqueles que vão às ruas para exigir dias melhores.

A LIT-QI, como explicamos na declaração e em outros artigos [16], sustentamos que o capitalismo foi restaurado em Cuba pela própria direção castrista, que agora compõe a nova burguesia nacional. Esta definição é muito importante, porque significa que não estamos perante um “país socialista”, mas sim um estado burguês e uma economia regida pelas regras do mercado, com uma penetração escandalosa do imperialismo europeu e canadense em sectores-chave (como o turismo e os negócios capitalistas na zona franca do porto de Mariel), e com uma classe trabalhadora que, presa a um regime ditatorial liderado pelo Partido Comunista de Cuba (PCC), é oferecida como mão de obra barata às empresas imperialistas e ao enorme complexo empresarial controlado pelos altos comandos militares (GAESA).

Mas, independentemente das diferentes posições que possamos ter sobre o caráter do Estado cubano, seu regime, o papel do castrismo, etc., é hora de redobrar a campanha, junto com centenas de ativistas cubanos, para libertar todos os presos políticos no país caribenho. É inadmissível que haja pessoas desaparecidas, presas ou condenadas em julgamentos sumários pelo simples fato de terem protestado contra uma ditadura que aplica um plano de ajuste capitalista brutal – que agrava ainda mais as misérias do povo, em meio a uma pandemia – e reprime o seu próprio povo quando sai às ruas exigindo alimentos, remédios, liberdade política.

É urgente articular ações de todos os tipos em defesa das liberdades democráticas para o povo cubano. As mesmas liberdades que exigiríamos para qualquer outro povo. Isso significa liberdade de associação em sindicatos e partidos políticos por fora do regime; liberdade de acesso à internet; liberdade de imprensa e expressão; direito de greve e liberdade de manifestação por seus atos direitos na forma como o povo se autodetermine e se organize.

Para levar a cabo esta luta, é necessária uma ampla unidade de ação, que não deve se limitar à militância socialista ou de esquerda, mas deve abranger todos os lutadores dispostos a defender os direitos humanos e as liberdades democráticas para a população da Ilha.

A LIT-QI, portanto, chama a impulsionar todo tipo de iniciativas unitárias, exigindo a liberdade imediata dos presos políticos e o fim da repressão contra o povo cubano.

Notas:

[1] Veja: https://eltoque.com/juicios-por-protestas-en-cuba-sin-abogados-defensores

[2] Veja: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-57925005

[3] Veja: https://eltoque.com/juicios-por-protestas-en-cuba-sin-abogados-defensores

[4] Esta é a lista, que é atualizada periodicamente: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1-38omFpJdDiKTSBoUOg19tv2nJxtNRS3-2HfVUUwtSw/edit?fbclid=#IwAR3vc8YZn8#b3#HKy#td623i ###

[5] Veja: https://www.facebook.com/periodismodebarrio/videos/630079334634121/ Veja o site: https://www.periodismodebarrio.org/. Dados em 24/07/2021.

[6] Veja: https://twitter.com/MGVivero/status/1417700583608311808

[7] Veja: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-57882931

[8] Veja: https://www.facebook.com/salome.garciabacallao/posts/3659265360840058

[9] Veja: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-57882931

[10] Veja: https://www.14ymedio.com/cuba/Absuelta-Amanda-Hernandez-Celaya-detenida-11-julio-Cuba_0_3135286457.html

[11] Veja: https://www.facebook.com/miriam.celayagonzalez/posts/3460658514037049

[12] Veja: https://twitter.com/mjorgec1994/status/1417983467036594177. Veja: https://www.infobae.com/america/america-latina/2021/07/21/silvio-rodriguez-pidio-una-amnistia-para-todos-los-manifestantes-cubanos-detenidos-por-la -ditadura-durante-os-protestos em massa /? outputType = amp-type & __ twitter_impression = true & s = 08

[13] Veja: https://internacional.laurocampos.org.br/es/2021/07/un-alarido/

[14] Veja: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-57882931

[15] Veja: https://internacional.laurocampos.org.br/es/2021/07/un-alarido/

[16] Veja: https://litci.org/es/66419-2/