Redação

Maior e mais popular festejo brasileiro, o Carnaval tem suas raízes fincadas no questionamento aos valores e práticas da classe dominante. Originário das festas gregas da Antiguidade, ocupou um importante espaço na sociedade medieval, um dos períodos mais sombrios da História, quando a Igreja era senhora todo poderosa da sociedade, fazendo reis, ditando regras, perseguindo e matando quem se colocasse em seu caminho.

Celebração da vida e seus prazeres, a festa pagã foi perseguida pela Igreja que, contudo, foi incapaz de proibi-la totalmente e acabou sendo obrigada a incorporá-la em seu calendário. Assim, a antiga celebração pagã foi transformada em carnivale, uma última oportunidade para que as pessoas se refestelassem com os prazeres da carne, literal e figurativamente, antes do jejum imposto pela Quaresma.

Ao atravessar o Atlântico, o Carnaval ganhou, no Brasil, o tempero fundamental das culturas africanas e indígenas, que agregaram seu gingado e seus ritmos a uma festa que tinha como essência a inversão e o questionamento dos valores dominantes. Daí a sátira e as fantasias, que, pelo menos por alguns dias, elevavam o povo à condição de senhores das ruas.

De lá para cá, a festa sofreu um forte processo de domesticação e mercantilização. Basta ver o embranquecimento das escolas de samba do Rio de Janeiro e o apartheid dos abadás do carnaval de Salvador. Contudo, ela também não perdeu por completo aquilo que tem de mais libertário: a irreverência popular e a inversão dos valores vigentes.

Blocos participam da abertura do carnaval não oficial neste domingo (7), no centro da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Eu quero meu bloco na rua
Não chega a surpreender o fato de que velhas tradições carnavalescas e populares venham ganhando espaço Brasil afora, inclusive entre os mais jovens, algo que só pode ser festejado. Na maioria das grandes cidades, os blocos têm atraído milhões de pessoas, que preferem tomar as ruas em vez de se limitarem às cercas dos sambódromos.

Se já faz alguns anos que os blocos de rua vêm se revitalizando e arrastado milhões pelas ruas do Rio de Janeiro, em São Paulo o fenômeno é recente. Blocos como o dos Acadêmicos do Baixo Augusta têm arrastado um rio de gente pela famosa avenida do centro da cidade. Há quem diga que a explosão de inúmeros blocos na capital paulista tem relação com as jornadas de junho de 2013, quando milhões ocuparam as ruas de todo o país, inicialmente para contestar o aumento das tarifas de transporte público.

Coincidência ou não, no carnaval seguinte, em 2014, houve uma explosão de blocos, que hoje consolida a folia na cidade que já foi chamada de “túmulo do samba”. João Doria (PSDB), o prefeito playboy, quis pôr os blocos na 23 de Maio, um avenida morta feita exclusivamente para automóveis. Também tentou limitar a 4 mil pessoas o número de participantes dos blocos nos bairros. Não deu certo, e o mauricinho teve de recuar. Contudo, o prefeito conseguiu tirar o Acadêmicos do Baixo Augusta da Rua Augusta e colocá-lo em outra avenida. Porém a briga da festa popular com o prefeito playboy promete novos capítulos ainda. Vários blocos de rua prometeram realizar desfiles “clandestinos”, passando por cima das regras arbitrárias ditadas por Dória.

Já no Rio de Janeiro, onde o Carnaval é sagrado, o prefeito Marcelo Crivella (PMDB) cortou metade dos incentivos para o desfile deste ano, submetendo as escolas de samba a uma verdadeira corrida de obstáculos. Evangélico, o prefeito é acusado de atacar o Carnaval em razão de sua doutrina religiosa. Ele nunca pisou na Sapucaí e deixou o Rei Momo plantado, não aparecendo para lhe entregar as chaves da cidade como fizeram todos os seus antecessores.

Protestos
No Rio, um dos principais alvos dos blocos será certamente o prefeito Crivella e sua intolerância religiosa. Já Dória, que amarga uma tremenda impopularidade, certamente será escrachado por quase todos os foliões. Mas vai sobrar muito protesto ainda para Temer. A escola de samba Paraíso do Tuiuti, terá um boneco gigante de Temer, fantasiado de vampiro, em cima de um saco de dinheiro. Certamente, outros políticos e juízes corruptos também serão alvo dos protestos.

Tudo isso mostra que o carnaval de rua está mantendo vivo aquilo que há de melhor na folia: a explosão da criatividade popular e a ideia de que arte e cultura podem (e devem) ser irreverentes armas contra o sistema.

Publicado no Opinião Socialista 548