Cortes de rua na região de Purmamarca. Foto Télam

Em Jujuy (Argentina) está em andamento uma luta muito intensa entre o povo jujeño e o governo provincial de Gerardo Morales que, em nível nacional, faz parte da coalizão Juntos pela Mudança, uma oposição de direita ao governo peronista de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner [1].

Jujuy é uma província localizada no extremo noroeste da Argentina, na Cordilheira dos Andes. Por um lado, uma parte importante de sua população é descendente direta dos povos indígenas nativos da região. Por outro, possui grande riqueza mineral, sendo a mais importante o lítio, componente essencial das baterias usadas nos carros elétricos. Jujuy faz parte da região conhecida como triângulo do lítio, junto com a Bolívia e o Chile.

Este processo de luta foi iniciado há duas semanas pelos professores, juntamente com os trabalhadores do estado na reivindicação de aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho, permanentemente atacados em conformidade com os ajustamentos orçamentais exigidos pelo FMI. A resposta de Morales foi um decreto estabelecendo multas para quem se manifestasse publicamente e autorizando a demissão dos grevistas [2].

Por outro lado, alavancou um texto de emendas à constituição provincial no Legislativo provincial (e fez com que fosse aprovado em sessão secreta). Há dois temas centrais nessas emendas. A primeira é que autoriza o governo provincial a entregar terras públicas a empresas privadas para sua exploração (evidente em mineração). Em parte dessas terras públicas, atualmente muitas comunidades indígenas vivem da agricultura. A outra questão era a autorização para o governo usar “mecanismos e vias rápidas” tanto para a desocupação de “terras ocupadas” quanto contra as manifestações urbanas que bloqueassem ruas e avenidas.

Nesse momento, comunidades camponesas indígenas e também trabalhadores mineiros (muitos deles dessas comunidades) começaram a aderir em massa à mobilização. Assim foram criadas as condições para que uma gigantesca manifestação contra Morales e sua reforma constitucional fosse realizada no dia 20 de junho (feriado nacional na Argentina pelo Dia da Bandeira).

A resposta do governo provincial foi aumentar a repressão contra os manifestantes que atacaram o Legislativo. O saldo foi de numerosos feridos (incluindo idosos e crianças) e também um número significativo de detidos ilegalmente e levados diretamente para as prisões.

Mas o povo de Jujuy não recuou: lutou contra a polícia com pedras e o que tivesse à mão. Ao mesmo tempo, “professores e mulheres convocaram a polícia a depor as armas e ficar do lado do povo. Policiais aposentados marcharam ao lado de funcionários do estado para defender suas aposentadorias miseráveis”. Desta forma, conseguiu-se um primeiro triunfo: Morales teve que revogar seu decreto repressivo e tem profundas dificuldades para avançar com o artigo das terras públicas incluído na reforma constitucional.

A luta continua: há 23 bloqueios de estradas em toda a província e o tráfego internacional está cortado. Ao mesmo tempo, esta luta entre o povo de Jujuy e Morales tornou-se o centro da vida política do país: as direções de CTERA e ATE (os sindicatos nacionais de professores e funcionários do estado, ligados ao governo peronista nacional), que até agora “faziam de conta que não viam”, tiveram que convocar uma greve de 48 horas em apoio aos trabalhadores de Jujuy. A UOM (sindicato nacional dos metalúrgicos) expressou sua solidariedade (por enquanto em palavras). Em Buenos Aires e outras cidades do país são realizadas importantes mobilizações de apoio à luta do povo de Jujuy contra Morales.

Nesse marco, o PSTU (seção argentina da LIT-QI) além de impulsionar e intervir ativamente nessas mobilizações, tem apresentado propostas de como continuar a luta e seus objetivos [3]. Para Jujuy, propõe-se que “a luta seja organizada em uma grande coordenação de todos os setores em luta, até que seja derrotada a reforma constitucional, deposto Morales e imposta uma saída operária e popular para esta crise, nacionalizando todos os minerais e riquezas ao serviço de todo o povo”.

Para o conjunto da Argentina, propõe-se formar imediatamente um “Comitê Nacional de Solidariedade com o povo jujeño… para atuar de maneira unificada e implementar um plano nacional de luta até a vitória dos jujeños” objetivando a luta nacional “para enfrentar o ajuste, o saque e a repressão ao serviço do pagamento da dívida e dos interesses multinacionais”.

Governo e oposição: juntos pelo saque

Hoje o povo argentino sofre a ação duplamente compressiva de um alicate. De um lado, o brutal ajuste decorrente da necessidade de acumular dólares para pagar o FMI. De outro, o plano de aumentar o saque dos recursos naturais. Neste caso, através da entrega da riqueza minerária para as empresas internacionais. Nesta entrega, a burguesia argentina também quer “morder” um bocado minoritário para sobreviver.

Sem qualquer intenção de quebrar essa situação semicolonial, tanto o governo peronista quanto a oposição de direita do Juntos por el Cambio concordam em manter os dois braços desse alicate (pagamento ao FMI e entrega da riqueza minerária). Por isso, votaram juntos no Parlamento pelo acordo com o FMI e, por isso, a bancada peronista do Legislativo de Jujuy foi fundamental para que Morales pudesse aprovar sua reforma constitucional. Finalmente, esta política não pode ser realizada plenamente sem repressão, nem em Jujuy nem na Argentina como um todo. O que Morales quer é impedir toda e qualquer resistência à pilhagem por parte das multinacionais!

A batalha pelo lítio

O que acontece em Jujuy ocorre em meio a um processo internacional. O lítio se tornou um mineral essencial para o funcionamento das novas baterias usadas pelos carros elétricos. Por isso, tem se tornado cada vez mais cobiçado e seu preço internacional está em alta.

Iniciou-se então uma batalha internacional para garantir as reservas e a extração de lítio, na qual estão envolvidas grandes mineradoras internacionais com sede em países como Canadá, Estados Unidos e China. Essa luta extrativista promovida por setores imperialistas para apropriar-se do lítio do continente americano é peça chave para a chamada “revolução verde”, essa falsa solução para a grave crise ambiental e ecológica baseada nas baterias para motores elétricos. Longe de resolver a crise climática e a depredação, essa revolução tecnológica a agrava, pois produz mais destruição ambiental, gera novos problemas de fundo (desestabilização dos sistemas hídricos e acesso à água), exploração econômica dos povos semicoloniais e opressão das comunidades indígenas.

É a explicação da “pressa” de Morales para assegurar as condições para a entrega (com a colaboração do peronismo provincial) e assim obter uma boa “fatia” ao “maior lance”, expropriando as terras das comunidades, priorizando o abastecimento de água para as mineradoras, saqueando o orçamento público para associar-se ao saque.

Uma unidade necessária

O que aconteceu em Jujuy é uma excelente expressão da unidade entre a classe trabalhadora e os povos indígenas oprimidos (na sua maioria camponeses). É uma unidade absolutamente natural porque ambos enfrentam o mesmo inimigo: o capitalismo imperialista e seus parceiros nacionais, o kichnerismo e a oposição de direita.

E podemos derrotá-los com a unidade dos explorados e oprimidos, é uma unidade essencial porque fortalece e potencializa a luta de cada um dos dois setores que, separadamente, são mais fracos contra o inimigo. Por isso, é preciso promovê-la e torná-la permanente, propondo a expropriação das mineradoras internacionais, sob controle dos trabalhadores e das comunidades locais.

Devemos superar os limites da gloriosa luta dos povos do Peru contra o governo de Dina Boluarte, que não se estendeu ao proletariado de Lima pela ação negativa da direção da CGTP (central sindical), pela política do Partido Comunista Peruano.

Esta luta contra o saque e a repressão, é do interesse de todos os trabalhadores argentinos e seus irmãos chilenos e bolivianos, pois estamos diante do mesmo inimigo, que oprime e explora.

Todo apoio ao povo Jujuy

Devemos cercar a cidade de Jujuy com nossa solidariedade. A partir da LIT-QI convocamos todas as organizações políticas de esquerda, os sindicatos, as organizações sociais e as organizações dos povos originários de todo o continente a coordenar esforços para impulsioná-la.

A disputa por recursos naturais fundamentais, chave para a revolução verde, como o lítio, ameaça vários países latino-americanos ricos em tais reservas, como Argentina, Bolívia, Chile e, em menor escala, México e Peru. Em muitos casos, o lítio é encontrado em terras pertencentes às comunidades indígenas desses países e que estão sendo violentamente expropriadas. Essas comunidades estão sendo a vanguarda na resistência contra esses projetos capitalistas ecocidas e estão sendo violentamente reprimidas, como mostram os eventos de Jujuy. Nesta resistência é fundamental apoiar ativamente todas essas lutas para alcançar vitórias. Isso implica levantar um programa que una os interesses das comunidades indígenas e das organizações de trabalhadores para alcançar a unidade de ação de massas em uma luta comum contra essas grandes multinacionais e as empresas nacionais aliadas a esse projeto, bem como os governos nacionais que preparam o terreno e facilitam os saques.

A pilhagem do lítio tem grandes consequências para as condições materiais de vida da população como um todo nesses países, uma vez que a privatização e a escassez de água são uma grande ameaça à reprodução das condições de vida da população. Também tem consequências econômicas porque aumenta o saque e a subordinação desses países aos projetos imperialistas e vai na direção oposta ao desenvolvimento de uma economia nacional pelos e para os trabalhadores e comunidades indígenas. Para ser vitoriosa, esta luta, no entanto, requer não apenas a união dos sindicatos e demais organizações dos trabalhadores e da juventude com as comunidades indígenas, mas também que esta luta seja realizada com independência de classe, métodos democráticos e, acima de tudo, que seja organizada em nível latino-americano.

Por isso, se vencerem os trabalhadores e o povo de Jujuy, vencerão todos os trabalhadores e povos da América Latina: nossa luta será fortalecida e nossos inimigos estarão mais fracos.

VIVA A LUTA DOS TRABALHADORES E DO POVO JUJEÑO!

Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional

22 de junho de 2023

[1] Argentina | https://litci.org/pt/2023/06/21/argentina-fora-morales-abaixo-a-reforma-constitucional-por-uma-greve-nacional-em-apoio-ao-povo-jujeno/

[2] Jujuy: sigue el paro de docentes  | El gobierno autorizó la cesantía de quienes «reincidan» en la protesta | Página|12 (pagina12.com.ar)

[3] Ver referência 1