Cláudio Donizete, do ABC Paulista

Claudio Donizete, metalúrgico e dirigente PSTU ABC

Na última quinta-feira, 22, a insegurança dos trabalhadores e moradores dos bairros do entorno da Braskem, administradora do Polo Petroquímico no ABC, veio à tona mais uma vez de forma de trágica e fatal com a explosão de um tanque de armazenamento de produtos químicos.

Poderia ter sido ainda mais trágico, com a deflagração de outros focos explosivos ao redor. Segundo testemunhas, destroços da fábrica foram lançados e a explosão foi sentida a mais de 3 km. Os moradores relataram um forte estrondo e vibração nas paredes e janelas de suas casas. Lembrando ainda que, há oito anos, houve também uma explosão no local em proporção igual, mas sem vítimas fatais.

Avanço da terceirização, precarização e morte

A explosão afetou diretamente sete trabalhadores terceirizados que realizavam manutenção de pintura em tanque de produto inflamável e tóxico. Os danos pessoais foram grandes, com uma morte confirmada até agora. Outras três vítimas sofreram queimaduras em até 90% do corpo, inclusive no rosto e vias aéreas, e seguem criticamente internados. Além de outros três afetados pelo deslocamento de ar causado pela explosão, e ferimentos menores.

O operário morto era funcionário da Tenenge, empresa terceirizada para realizar trabalhos de pintura na Braskem, e seu nome não foi revelado. Importante ressaltar o volume de trabalhadores terceirizados em atividades nas empresas hoje em dia, inclusive em atividades fins, depois da reforma trabalhista e a nova lei de terceirizações impostas pelo governo Temer e mantidas por Bolsonaro e Lula.

Histórico da Refinaria da Petrobras e o Polo Petroquímico

Na divisa entre os municípios de Mauá e Santo André, encontra-se o Polo Petroquímico de Capuava, abrangendo a Refinaria da Petrobras de Capuava e um conjunto de 14 indústrias. É pioneira na atividade petroquímica com a inauguração do Polo de Capuava em 1972, sendo o primeiro do setor no país. A refinaria abastece o polo Petroquímico, os terminais de Barueri, Cubatão e São Caetano do Sul.

Hoje o Polo é controlado pela Braskem, a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas, com capacidade anual de produção de mais de 16 milhões de toneladas de resinas e outros produtos petroquímicos básicos. Atuando em mais de 70 países, conta com cerca de 8 mil trabalhadores e opera 36 unidades industriais, localizadas no Brasil, EUA e Alemanha.

A Petrobras pretende se tornar a controladora da Braskem ao fim do processo de venda da empresa em andamento, segundo apurou o Estadão/Broadcast. A iniciativa significaria a retomada do projeto original da estatal iniciado em 2007. Hoje a Novonor, antiga Odebrecht, controla a Braskem com 50,1%, enquanto a Petrobras tem 47%. Outros 2,9% de ações ordinárias estão no mercado de ações.

Operários terceirizados temem tragédias ainda piores

Depois da transferência do comando do Polo Petroquímico para a Braskem, o volume de terceirização subiu enormemente. Segundo relatos dos próprios trabalhadores que atuam no Polo em empresas terceirizadas, que preferiram não se identificar com medo de represálias e demissões, pequenos acidentes estão mais recorrentes nos últimos anos, e falhas como essa podem voltar a acontecer em proporções inimagináveis se nada for feito para melhorar as condições de trabalho e maior manutenção preventiva dos equipamentos, com o devido tempo e cuidados necessários. Apontam ainda a alta rotatividade da mão de obra, baixos salários, muita pressão e diminuição das condições de trabalho.

Os dados publicados pela própria Braskem revelam que há somente 2.500 trabalhadores efetivos nas empresas que compõe o Polo. Do total de 10 mil operários, os terceirizados compõem quase 70% do total da mão de obra. Consequentemente, são trabalhadores mais precarizados, expostos a condições de riscos ainda maiores, e expondo também a comunidade ao redor do Polo.

Moradores relatam apreensão constante

A impressão dos moradores é que a segurança do Polo Petroquímico está cada dia pior, com a ocorrência cada vez mais frequente de pequenos incidentes em seu entorno.

Apesar de uma luta histórica já desenvolvida pelos moradores devido às condições insalubres da qualidade do ar, e do excesso de ruído produzidos pela operação da Braskem, não há resposta e nem soluções definitivas da empresa, do poder público local, estadual ou federal. E quando ocorrem tragédias como essa de grandes proporções, a sensação é de “fazerem de tudo para seguir como sempre foi”, ou seja, sem medidas eficazes e concretas para amenizar os efeitos à saúde e segurança dos trabalhadores e da vizinhança.

Polo Petroquímico Capuava: o novo Vale da Morte em SP?

Este foi o apelido macabro dado ao complexo industrial em Cubatão nos anos 80. Cubatão também abriga um polo petroquímico, siderúrgico, de fertilizantes e logísticas. A poluição produzida era tão intensa e danosa à vida das pessoas que moravam no entorno ao ponto de crianças nascerem com anencefalia (sem cérebro), além de provocar inúmeras doenças pulmonares aos 80 mil moradores na época.

Polo Petroquímico de Cubatão nos anos 80

Provocou tamanho repúdio da população na época, que forçou até que a grande imprensa, inclusive estrangeira, impressionada com o grau de morbidez, abordasse massivamente o tema. A partir da luta local e internacional, os índices de poluição foram diminuindo drasticamente, e os efeitos nocivos também. Porém, depois de décadas, hoje os índices de aumento da poluição, das doenças e efeitos nocivos ao meio ambiente vem sofrendo pioras constantes.

O capitalismo mata e adoece as pessoas para manter seus lucros

O exemplo de Cubatão é forte e serve para ilustrar o tamanho do problema. Sem nenhuma medida efetiva, os moradores e trabalhadores do Polo Petroquímico estarão cada vez mais adoecidos e expostos a riscos de explosão e morte a qualquer momento.

A tudo isso se poderiam somar outros exemplos, como os crimes ambientais, sociais e contra a vida de trabalhadores e à população ao redor das mineradoras da Vale em Minas Gerais e Volta Redonda (RJ), tendo a tragédia criminosa em Brumadinho como ápice desse descaso com a vida humana das empresas e capitalistas. Empresas que fazem de tudo para garantir seus lucros e dividendos bilionários aos acionistas, mesmo que isso leve à morte e comprometa a qualidade de vida das milhares de pessoas em cidades e regiões inteiras, e por anos a fio.

Alto risco de alterações na tireoidite, doenças de pele e respiratórias em moradores do entorno

Os problemas agudos e crônicos de saúde nos moradores dos bairros em volta do Polo Petroquímico são de longa data. Desde a implantação da refinaria da Petrobras, e em seguida do Polo em 1972, o meio ambiente, as águas e rios foram brutalmente afetados pela alta taxa de poluição, resíduos sólidos e gasosos descartados indiscriminadamente e sem um plano preventivo e eficaz de segurança ambiental e física.

Estudos científicos e negligências do Estado

A Dra. Maria Ângela Zacarelli, professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC, com mestrado e doutorado em Endocrinologia pela Universidade de São Paulo, há anos denuncia os graves problemas de saúde que afetam moradores de Santo André, Mauá e São Mateus. De maneira conivente com as empresas, os órgãos públicos nunca levaram a sério seus estudos e as propostas de resolução dos problemas apontados em suas pesquisas. Particularmente a CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), órgão publico responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades industriais, que se limita a dizer que os alvarás de funcionamento estão em ordem e as irregularidades foram corrigidas ou que houve aplicação de multas.

Desde 1988 a Dra. Ângela pesquisa centralmente os casos de alteração na tireoide, que apontam seis vezes mais casos na região do Polo que em outras comparadamente. Ela descobriu que havia grande incidência de Tireoidite de Hashimoto, doença incurável que, se não tratada, leva ao coma e à morte.

Em crianças, a doença pode provocar retardo mental e problemas de crescimento. A Dra. Ângela não tem dúvidas de que a poluição oriunda do Polo é a causa da doença. Ela participou de estudos médicos que chegaram a esta conclusão nesses últimos 25 anos.

Recorrência de crimes ambientais

A Braskem também está envolvida em outros crimes ambientais e de segurança à vida de diversas famílias em Maceió (AL), na prática de extração mineral irregular. O caso Pinheiro/Braskem tornou-se conhecido após um tremor de terra sentido por moradores de alguns bairros de Maceió, em março de 2018. E onde houve a remoção de centenas de famílias devido aos abalos do solo e risco de desmoronamentos. A matéria divulgada pela Mídia Ninja pode ser acessada aqui.

É necessário intervir para garantir a vida e a saúde dos trabalhadores e da comunidade

Não restam dúvidas da urgência de soluções estruturais de forma emergencial e de médio e longo prazo na garantia da vida, da saúde e da preservação do meio ambiente do entorno e nas dependências do Polo Petroquímico do ABC para o bem-estar dos trabalhadores e das comunidades.

A Petrobras também é responsável direta por essa situação histórica, ao não regular as atividades diretas e indiretas do Polo Petroquímico, junto a sua parceria com a Braskem em particular. Lembrando que tal associação só é possível com o avanço da privatização das atividades decorrentes da produção de petróleo e seus derivados em geral, inclusive sob a mão de obra terceirizada em sua maior parte. Por isso, reverter essas privatizações e garantir uma Petrobras 100% estatal, e sob controle dos trabalhadores, é mais do que necessário para garantir a vida, a segurança e as melhores condições ambientais aos trabalhadores.

Por fim, é necessário apontar a falta de interesse político e sindical na representação dos trabalhadores nesse processo emergencial. Nota-se a inoperância e a falta de iniciativa política de décadas, tanto do poder público como das entidades sindicais locais, mesmo depois de produção de diversos e sérios estudos científicos sobre o impacto a saúde pública em geral.

Faz-se necessária, urgentemente, uma unidade de ação em torno dos problemas internos e externos ao qual estão submetidos os trabalhadores, diretos, terceirizados e a população ao redor do Polo e da Refinaria, na construção de uma grande mobilização e luta por saídas urgentes a todos esses problemas, agravados vez mais pelo aumento da produção, da precarização das condições de trabalho e pela ganância pelos lucro dos capitalistas envolvidos em toda operação de produção, e na sua expansão comercial e de serviços.

Fontes de pesquisa e citações

https://marsemfim.com.br/polo-petroquimico-capuava-o-novo-vale-da-morte-em-sp/

https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/06/14/petrobras-avalia-assumir-controle-da-braskem.htm#:~:text=Em%202007%2C%20a%20Petrobras%20comprou,%2C1%25%20do%20capital%20total.

https://cofipabc.com.br/conteudos.asp?ID=21

https://quimicosabc.org.br/noticias/acidente-na-braskem-trabalhador-vitima-da-explosao-e-incendio-foi-a-obito/

https://www.braskem.com.br/unidades-braskem