Redação

Por Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

Nascido em 13 de março de 1941 em Al-Birwa, perto de Akka, no norte da Palestina, próximo à fronteira do Líbano, sua aldeia foi um centro da revolução palestina de 1936-1939, mas foi destruída durante a Nakba (catástrofe) em 1948.

Preso por duas ocasiões, em 1961 e 1967, foi um dos expoentes da poesia palestina de combate, juntamente com Samih Al-Qasim, Tawfiq Ziad e Fadwa Tuqan, entre outros e outras.

Ingressou no Partido Comunista Israelense (Rakah) em 1961 e na Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em 1973, tendo composto seu Comitê Executivo a partir de 1987, ao qual renunciou em 1993 por sua oposição pública aos acordos de Oslo, junto com o intelectual palestino Edward Said.

Faleceu em 2008 em Houston, no Texas, e seus restos mortais repousam em Ramallah.

Publicamos um dos seus poemas mais conhecidos: “Carteira de Identidade”, de 1964, na íntegra, no qual consta a linha “amam o comunismo”, conforme publicado na versão original em árabe na revista At-Tarik (e suprimido das demais revistas árabes), na versão em francês traduzida por Olivier Carré e no livro Poesia Palestina de Combate, publicado no Rio de Janeiro em 1981

Carteira de Identidade
Mahmoud Darwish

Registra-me
sou árabe
o número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono… virá logo depois do verão
vais te irritar por acaso?

Registra-me
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?

registra-me
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes…
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai… da família do arado
e não dos senhores do Nujub (1)
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos… negros
olhos… castanhos
sinais particulares
um kuffiah e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido… esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens… no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?

registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não nos deixaste
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas… se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado…cuida-te
de minha fome
e minha cólera.

Nota:
(1) Célebre tribo da Arábia